1 – EPIDEMIA DE MALÁRIA
Havia uma epidemia de malária na Colônia Agrícola de David Caldas. Trata-se de doença que se caracteriza por febre intermitente e renitente. Inúmeros profissionais de saúde foram enviados para combater o problema naquele que era um dos mais importantes projetos agrícolas do governo ditatorial no Estado do Piauí.
O interventor Landri Sales, antecessor de doutor Leônidas, criara o espaço como uma espécie de laboratório com o objetivo de garantir o retorno do rurícola ao seu lugar de origem, evitando passar precisão na cidade ao mesmo tempo em que criava uma oportunidade real de crescimento agrícola. A maior parte dos produtos consumidos no Piauí vem do Ceará e outros Estados.
Situada à margem do rio Parnaíba, entre as cidades de Teresina e União, a colônia estava prosperando conforme o esperado. Subitamente, os colonos foram acometidos por um estranho mal que ceifou inúmeras vidas. Os médicos para lá enviados também adoeceram e retornaram para Teresina. Não quiseram mais trabalhar na colônia. Temiam pela própria vida e recomendaram que o local fosse isolado a fim de evitar a proliferação do contágio.
O fato é que nenhum profissional de saúde queria ir para o local e os lavradores continuavam morrendo sem nenhuma proteção. Foi quando descobriram aquele jovem médico desempregado, que estudara doenças tropicais no Rio. Agenor Barbosa de Almeida rumou para a colônia com uma disposição que deixou seus colegas de profissão apreensivos. "Muito cuidado", disseram-lhe.
"Parece-nos que há uma progressão tremenda do contágio. Não sabemos a razão e muito menos o que fazer para evitar a proliferação da maneira como está ocorrendo". Entre as providências adotadas pelo médico, a aplicação da quinina em todos os doentes. Alcalóide vegetal, extraído da casca da quina, o medicamento era dos poucos utilizados na época para o tratamento de estados febris interrompido a espaços. Contratou guardas sanitários e os espalhou por toda a extensão do lugarejo.
Ato contínuo, mandou que fossem drenadas as lagoas que existiam dentro da colônia e procedeu-se uma limpeza nos riachos. O objetivo: atacar a doença em suas origens. O mosquito Anophelys foi completamente erradicado e Agenor tornou-se, ao custo de muito sacrifício, um prestigiado profissional da área médica. Tão prestigiado que obteve indicação do próprio interventor Leônidas Melo para dirigir o Hospital Getúlio Vargas, considerado um elefante branco.
Leônidas tinha como objetivo, ao criar o Hospital, torná-lo uma referência regional. Mas não sabia como fazê-lo. Gigantesca, a casa de saúde era extremamente onerosa. Não haveria dinheiro para manter sem que contasse com um administrador por excelência. Alguém que tivesse zelo pelo bem público. Agenor Barbosa de Almeida pareceu-lhe a pessoa ideal, pois topara um desafio recusado por muitos e se dera bem. Melhor que isso, nomeado depois para dirigir a colônia, transformara-a numa das regiões agrícolas mais produtivas do meio-norte.
A produção, com o fim da peste, tornou-se enorme e passou a ser exportada. Criou-se uma cooperativa que possibilitou intercâmbio com vários mercados de outros Estados, a exemplo do Maranhão e Ceará. O administrador conseguiu implantar energia elétrica à base de lenha para dinamizar ainda mais a produção. Tratava-se de uma verdadeira revolução, visto a precariedade da energia até mesmo na capital.
Estes e outros motivos foram citados pelo interventor quando o convidou para dirigir o recém-construído Getúlio Vargas e o Instituto de Assistência Hospitalar. Agenor ponderou se deveria, porque nunca fora sua intenção exercer funções tão importantes, ainda mais em regime de exceção. Convivera, no Rio, com intelectuais de estirpe, pessoas que condenavam os procedimentos de Vargas e sua ditadura calcada na perseguição política, na cassação dos direitos de expressão do pensamento e das liberdades políticas.
Ponderou demoradamente sobre a proposta antes de aceitá-la. "Devo dizer-lhe que levei em consideração, ainda, a sua organização como oficial da Polícia Militar. Pelo que me consta, o senhor foi aprovado em concurso público e organizou adequadamente o hospital daquela corporação, inclusive observando os princípios disciplinares do Exército. Parece-me a pessoa certa para colocar a casa em ordem", disse Leônidas, ao consultá-lo sobre o assunto.
O HGV era um verdadeiro elefante branco. Construído pelo competente engenheiro Cícero Ferraz de Sousa Martins, havia dúvidas sobre sua capacidade de funcionamento. Será que o poder público estadual teria dinheiro para bancá-lo? Agenor provou que sim. Construiu, posteriormente, desde a cozinha até as enfermarias, delimitando os espaços físicos conforme as regras de melhor funcionamento. Em pouco tempo, passou a receber e tratar pacientes não apenas de Teresina, mas de outros municípios piauienses; não apenas do Piauí, mas de outros Estados das regiões Norte e Nordeste. Vinha gente do Pará, do Amazonas e de muitos outros lugares. Com isso, Agenor angariou fama e respeitabilidade.
Não chegava a ser um confidente do interventor, mas a saúde pública era um setor nevrálgico do governo, assim como infraestrutura e saneamento, que mantinham uma interligação profunda. A cidade não dispunha das condições necessárias de abastecimento d’água e esgotamento sanitária, gerando por conseqüência inúmeras doenças. Os diretores dos setores e obras públicas e saúde eram vitais para o bom andamento das ações da Interventoria. Só havia dois critérios para o preenchimento do cargo: ter um pistolão poderoso no governo ou reconhecida capacidade profissional. Agenor contava com as duas credenciais.
Era filho do coronel Joaquim Barbosa de Almeida, liderança política da cidade de Palmeirais, e de dona Raimunda Ribeiro de Almeida. Neto do coronel Marcolino José Ribeiro, cuja liderança se estendia por todo o Médio Parnaíba, principalmente nas cidades de Amarante, Regeneração, São Pedro, dentre outras.
2 - CONFRONTO COM EVILÁSIO
A instituição policial, criada para garantir a segurança da sociedade, terminou se transformando em poderosa aliada da classe dominante. Nos anos 1940, Teresina foi "varrida" por uma onda de incêndios contra as humildes residências dos moradores da periferia. Dos cerca de 70 mil habitantes da época, aproximadamente 35 mil residiam em áreas urbanas ou suburbanas. Morar em casa de palha não era, naquele tempo, sinônimo de pobreza. Grande parte da população, mesmo membros da elite, residia em casas de palha. Era uma forma de conviver com as altas temperaturas registradas na capital.
No entanto, os incêndios atingiam apenas as casas localizadas na periferia, em bairros como Cajueiro, Vermelha, Piçarra, Mafuá e Matinha. A oposição culpava o governo. O governo culpava a oposição. Havia, contudo, uma determinação do Estado Novo: os centros urbanos deveriam ser modernizados. As casas de palha em nada condiziam com essa perspectiva de modernidade. Os incêndios se transformaram em fato político. O médico José Cândido Ferraz denunciava que eram provocados por gente do governo de Leônidas de Castro Melo para garantir a "limpeza" da área urbana de Teresina, favorecendo a construção de novos e modernos prédios.
Cerca de duzentas pessoas foram inquiridas na Delegacia de Segurança e Ordem Pública, das quais trinta e sete foram presas e maltratadas. Os homens do povo viram-se, de uma hora para outra, espancados e enterrados vivos num festim diabólico de torturas inimagináveis sob o comando de Evilásio Vilanova.
As torturas ocorriam geralmente na Ilhotas, Campo de Aviação e Tabuleta, naquela época totalmente desabitados. Pelo menos um dos torturados não resistiu: o operário Manoel Gomes Feitosa, morto em 1943. As ocorrências chegaram aos ouvidos do governador. Leônidas, então, chamou o diretor do Hospital Getúlio Vargas, doutor Agenor Barbosa de Almeida, e o também médico Antenor Neiva, e solicitou que eles fizessem uma investigação junto aos presos.
"Recebi denúncias de maus tratos contra os presos", justificou Leônidas. "Preciso que investiguem a veracidade e me façam um relatório detalhado da situação."
Os médicos encontraram muita gente trancafiada e espancada. No relato ao interventor, Vilanova é enfocado como violento e sádico. Informam, ainda, que Manoel Feitosa tinha lesões graves no corpo, contusões e marcas de chibata. "Parece que houve ruptura intestinal", escreveram. "O homem está com o abdome muito grande; devido a essa pancadaria, houve alguma lesão intestinal." Manoel Gomes Feitosa não tardou a morrer. O chefe de polícia o enterrou sem fazer exame de corpo de delito ou autópsia.
Agenor Barbosa de Almeida era major médico da Polícia Militar do Estado formado pela Universidade do Rio de Janeiro. Foi depois presidente do Instituto de Assistência Hospitalar do Piauí, secretário-geral do Estado, deputado estadual nos períodos de 1947 a 1951 e de 1951 a 1955, primeiro vice-presidente da Assembléia, governador em exercício do Estado no período de 4/3/1952 a 11/3/1952 e prefeito de Teresina no quadriênio 31/1/1955 a 31/1/1959.
3 - VÍTIMA DE RETALIAÇÃO
Agenor, entrevistado pelo autor em duas oportunidades, a primeira delas em dezembro de 2005, declarou que foi o primeiro militar médico da Força Policial do Piauí, atuando depois como diretor do IAH (Instituto de Assistência Hospitalar) e do HGV (Hospital Getúlio Vargas). "Teresina, nos anos 40, era uma cidade tranqüila. Eu costumava me deslocar à pé, da minha residência, nas imediações da praça Landri Sales (Liceu), ao HGV, sem que houvesse ninguém para importunar-me durante o trajeto", diz. Aos 98 anos, parece-nos bastante lúcido.
Ex-prefeito de Teresina e ex-deputado estadual, Agenor mora atualmente (dezembro/2005) no Rio de Janeiro e fala com entusiasmo sobre a atuação na política do Piauí. "Leônidas foi um amigo muito especial ao qual tive a oportunidade de servir", comenta.
"Infelizmente, com o passar do tempo, foram surgindo as divergências dentro da Interventoria. Lembro-me claramente do episódio com meu cunhado, Clemente Pires Ferreira, que foi preso pela polícia de Vilanova. Procurei Leônidas e pedi a sua intervenção em favor do meu cunhado, o que não aconteceu. O interventor cruzou os braços e deixou que Vilanova praticasse o seu sadismo costumeiro, o que, para a compreensão que eu tinha na época, não passava de retaliação contra mim por causa do relatório que produzi, expondo os bastidores da sua ação como chefe de polícia."
Conta que pediu exoneração das funções junto ao governo do Estado e imediatamente aceitou convite dos médicos José Cândido Ferraz e Eurípedes Aguiar para ingressar nos quadros da UDN (União Democrática Nacional). Elegeu-se, em 1946, deputado estadual, chegando à vice-presidência da Assembléia Legislativa. Em 1951, derrotou o também médico Clidenor de Freitas Santos na disputa pela prefeitura de Teresina.
"Foi uma disputa acirrada contra o prefeito de então, doutor João Mendes Olympio de Melo, que usou todo o poder da máquina administrativa para me derrotar. O povo ficou ao meu lado, venci a eleição. Ao tomar posse, encontrei a prefeitura completamente sucateada", destaca. "Procurei, na medida do possível, fazer uma administradora empreendedora. Ao fim de tudo, entendi que o caminho da honestidade, da correção, não gera nenhum interesse por parte do cidadão comum. Isso me desanimou bastante e me levou a abandonar a política."
Agenor afirma que pautou sua gestão pela honestidade e decência. Diariamente apresentava, na Rádio Difusora, um boletim com arrecadação e gastos da prefeitura, além do saldo depositado em conta bancária. "Fazia questão, ao fim de cada informe, de avisar à população que o dinheiro se encontrava depositado no Banco do Brasil", complementa.
domingo, 25 de abril de 2010
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