domingo, 25 de abril de 2010

O TEMIDO VILANOVA

1 – NO COMEÇO, O MEDO

A humanidade está sempre com medo de alguma coisa. No princípio, eram os raios e trovoadas que provocavam o sentimento de pavor entre os seres que estavam começando a adquirir racionalidade. E também a andar de forma ereta. Os animais selvagens também eram temidos, mas logo se percebeu que eles podiam ser domados ou abatidos. Inclusive, e principalmente, para servir de alimento. Mas não existe outro ser de que se tenha mais temor do que o homem pelo próprio homem.

No Piauí, o poder paralelo sempre existiu. Está acima do poder do estado. Provoca mais medo do que qualquer outra coisa, porque age motivada pela determinação em permanecer. Uma espécie de instinto de sobrevivência que sobrepuja todos os demais e submete toda a sociedade. Foi assim com Evilásio Gonçalves Vilanova, temido como chefe de polícia num estado policialesco. Mais temido ainda pelo mal que podia causar nos bastidores. No chamado submundo.

Evilásio Gonçalves Vilanova impôs o medo como ninguém porque foi para isso que veio. Para manter os piauienses sob controle. E não se preocupou em ferir e nem mesmo em matar, de acordo com denúncias dos seus desafetos. Eram muitos. Poucos tinham a coragem de colocar isso publicamente. Tornou-se a representação dos nossos maiores temores.

Não há reação possível quando não conseguimos interpretar os nossos sentimentos. Não há reação possível quando não compreendemos a extensão do medo que sentimos. Para nós, o medo sempre existiu. Mas não tinha rosto. Era apenas um nome. O poder. As elites. Dizia-se que as elites eram a representação do nosso pesadelo. Quem são as elites? São os homens do poder, do dinheiro; são os políticos, os grandes empresários, os mafiosos - as elites não têm rosto. O poder não tem fisionomia. Trata-se penas de uma denominação. Um nome que se confunde e dispersa a silenciosa ação da minoria, que oprime a silenciosa expectativa da maioria.

Evilásio Gonçalves Vilanova é natural de Caxias, no vizinho Estado do Maranhão, não sendo Teresina para ele uma cidade estranha. Passou parte da sua juventude frequentando a capital piauiense e desfrutando dos prazeres proporcionados pela rua Paissandu, onde travou inúmeras amizades com mulheres as mais belas.

Fez-se, em 1930, amigo de Landri Sales Gonçalves, com quem participou das revoluções de 1930, que levou Vargas ao poder, e de 1932, na qual os paulistas contestaram severamente a centralização de poder nas mãos do presidente. Por meio dele chegou ao poder no Piauí. Uma forma tão concentrada de mando que nem mesmo o interventor, em alguns momentos, tinha coragem de enfrentá-lo. Tudo teve origem na desordem em que Teresina se transformara. Na falta de organização do novo sistema de governo instituído com o Estado Novo. Não se sabia ao certo o que fazer e nem onde se queria chegar. Por isso toda sorte de arruaceiros passou a tomar conta da região periférica da capital. E começou também a avançar sobre o centro, iniciando pela região do meretrício, que naquele tempo era uma espécie de instituição desfrutada por todos. Do mais pobre ao mais rico. Um imenso parque de lazer sexual repleto de mulheres vindas de todas as partes do país.

Em entrevista ao cineasta Douglas Machado, o professor Camilo da Silveira, já falecido, relata que a rua Paissandu era frequentada pelos mais abastados. Políticos e grandes comerciantes. Ainda não havia o que hoje conhecemos como empresariado. Mas havia gente com muito dinheiro. Os homens começavam a chegar aos cabarés por volta das cinco da tarde. Somente assim conseguiam reservar as garotas mais bonitas para lhes fazer companhia durante a noitada, que geralmente se estendia até nove horas. Dali em diante, andar pela rua, mesmo de automóvel, era uma temeridade por conta do toque de recolher.

O cabaré mais famoso da Paissandu era aquele pertencente à Rosa Banco. Um verdadeiro colírio para os olhos de homens maduros e enfastiados na companhia, por vários anos, de suas esposas. Eles não as trocariam por mulheres da vida. Mas gostavam de aproveitar a oportunidade para se deitar com profissionais do sexo numa época em que ainda não se falava de aids e que a principal doença decorrente da relação sexual era a famosa "crista de galo".

Os cabarés se tornavam ponto de convívio para os homens da elite política e econômica da cidade. Mesmo os adversários se encontravam e até onde possível se confraternizam. Porém mesmo naquele ambiente de luxo e depravação alguns se desentendiam. Os desentendimentos ocorriam na disputa pela companhia das raparigas mais bonitas e fogosas. Para suas mulheres, que os esperavam em casa, diziam estar em reuniões secretas com partidários políticos (na época não era permitida a organização de partidos nem encontros políticos) ou então em mesas de jogo, outra das grandes diversões então existentes. Pode ser que suas esposas desconfiassem da verdade. Mas o homem da casa nunca era questionado. Nunca mesmo.

Os cabarés dos menos favorecidos (operários, lavradores, vaqueiros) situavam-se na margem do rio. Eram geralmente casebres rústicos, construídos de madeira e palha, e abrigavam mulheres já consumidas pelos anos de uso constante, mais velhas, que não encontrariam espaço nos lupanares da rua Paissandu. Ali se registravam muitas brigas, mortes por esfaqueamento e sempre que isso acontecia a rota de fuga para a maioria sempre era o rio Parnaíba. Daí a denominação de "Cai Nágua" para alguns destes ambientes furtivos da maioria empobrecida.

Rota de passagem para o norte do país, Teresina concentrava muita gente rude que estava indo para a Amazônia em busca de emprego na extração do látex. Estas pessoas provocavam muitas brigas no baixo meretrício. A cidade se transformou completamente e isso, em parte, motivou a convocação de um chefe de polícia que fosse duro o bastante para evitar que estes confrontos se estendessem até a Paissandu e atingissem os cabarés frequentados pelos ricos. Inclusive o próprio interventor seria usuário contumaz desse tipo de serviço, mas não se dava ao requinte de aparecer nos ambientes. Ele mantinha um espaço reservado em outro local do centro para onde requisitava as mulheres mais jovens e bonitas para seu usufruto e do secretariado mais próximo. Mas esta é uma parte de que nos ocuparemos oportunamente.

Evilásio Gonçalves Vilanova é natural de Caxias, no vizinho Estado do Maranhão, não sendo Teresina para ele uma cidade estranha. Passou parte da sua juventude frequentando a capital piauiense e desfrutando dos prazeres proporcionados pela rua Paissandu, onde travou inúmeras amizades com mulheres as mais belas e com alguns rapazes também.

2 - CIDADE INSEGURA

Ao tomar posse, Leônidas de Castro Melo percebeu, de imediato, a necessidade de fazer frente a dois grandes problemas que haviam em Teresina: a precariedade da infraestrutura e saneamento básico, que por sua vez acarretavam graves problemas de saúde na população, e a insegurança decorrente da presença cada vez maior de forasteiros. Eram comuns os distúrbios, especialmente na área do baixo meretrício, na margem do Parnaíba. As brigas explodiam a todo instante, envolvendo filhos da terra contra forasteiros na disputa pelo aconchego das mulheres da vida.

A praça Pedro II, palco da inquietação cultural e social da época, registra um acontecimento da maior significação para a tomada de providências por parte da Interventoria no aspecto da segurança pública. Um conflito do qual tomaram parte soldados da Guarnição Federal e da Polícia Militar colocou em polvorosa as famílias presentes àquele logradouro.

A parte baixa, como sabemos, é utilizada para o passeio dos rapazes e moças da fina flor da sociedade da Chapada do Corisco, ao passo em que, na parte baixa, ficam as empregadas domésticas, operários da Fábrica de Fiação e Tecidos e soldados da polícia e do 25º Batalhão de Caçadores. Há uma rua que corta a praça em diagonal e que além da divisão espacial é também marco da segregação dos menos favorecidos.

De repente, os soldados iniciam uma discussão que logo evolui para o confronto físico. A confusão se espalha na parte baixa da praça, levando os chamados filhos da elite a se queixarem da insegurança aos seus pais, que por sua vez fizeram eco das lamúrias às autoridades. Fazia-se necessário um plano de segurança para a cidade, ainda mais quando nos dias seguintes os distúrbios persistiram, avançando para a periferia e deixando toda a população inquieta.

A cidade, finalmente, perdera sua inocência...

Leônidas Melo procurou seu antigo benfeitor, o militar Landri Sales, que mesmo não desfrutando mais da confiança do Estado Novo, funcionava como conselheiro do interventor piauiense. Expôs a preocupação com a insegurança reinante e pediu aconselhamento. “Que medidas devo adotar? O senhor é militar, seguramente sabe como agir em situações extremas.”

Landri governou o Piauí numa época difícil. No primeiro momento, houve grande resistência ao modelo implantado por Vargas a partir de 1930. Nomeado interventor em 7 de maio de 1931, assumiu em 21 de maio daquele mesmo ano e aqui encontrou muita insatisfação por parte das elites econômicas e políticas.

Entre as primeiras ações como governante, cuidou em pacificar as famílias, no que, acredita-se, foi bem sucedido. Promoveu a reforma do Poder Judiciário, a construção de prédios escolares, dentre os quais o Liceu Piauiense, contribuindo ainda para a moralização administrativa.

Landri elogia a iniciativa de Leônidas, que fora secretário-geral do seu governo em construir o Hospital Getúlio Vargas, e afirma que tem a solução para o problema da segurança pública. Estava falando de Evilásio Gonçalves Vilanova, jovem capitão do Exército, figura impiedosa para quem o militar deveria agir como a natureza, de forma impiedosa, reagindo com força ainda maior que a manifestada pelo agressor, em local imprevisível e sem considerar quem fora responsável; todos pagariam, até se manifestar o verdadeiro culpado.

Leônidas ficou satisfeito com a indicação e autorizou Landri a levar ao ministro Eurico Dutra o pedido da disposição de Vilanova para assumir a Chefatura de Polícia de Teresina e o comando da Polícia Militar do Piauí.

Evilásio Gonçalves Vilanova estava servindo na Guarnição Federal do Rio de Janeiro quando recebeu a determinação de Eurico Dutra para vir a Teresina, viagem empreendida através de São Luís, capital do Maranhão, pelo Atlântico. Pegou, em seguida, um trem para a cidade maranhense de Flores, fazendo a travessia para a capital piauiense de barco.

A família do novo homem forte da segurança causou excelente impressão na cidade. A mulher, Nadir, foi comparada a uma atriz do cinema norte-americano, tal a sua elegência. A filha do casal, Marísia, era igualmente bela e, apesar da pouca idade, elegante.

Vilanova, por sua vez, impunha respeito pela altivez. Vestia-se bem e dançava como poucos. Gostava de bons vinhos, de boa música e de boas companhias. Não tarda em impor um estilo adquirido no campo de batalha, onde matar ou morrer tem importância menor do que o objetivo a ser alcançado.

3 - AUMENTO DO EFETIVO

O comandante ampliou as instalações do Quartel da Polícia Militar, em frente à praça Pedro II, ali instalando oficinas de alfaiataria, marcenaria e sapataria, tornando obrigatórios os exercícios físicos diários para os membros da corporação. Criou a banda de música para acompanhar as solenidades oficiais e dois novos batalhões, o de Cavalaria e o de Bombeiros. A Polícia Civil, que antes era abrigada em ridículas condições, ganhou novas instalações que compreendiam um quarteirão inteiro.

Vilanova ampliou o efetivo da polícia e adquiriu um carro para transporte de presos apelidado de “Carinhosa” pelo próprio. O interventor ficou por demais empolgado com a dinâmica atuação do seu chefe de polícia e oferecia todas as condições por ele solicitadas.

No princípio da década de 1940, a capital conta com poucas ruas efetivamente calçadas. O calçamento vai apenas da rua Paissandu à rua da Glória, não obstante o esforço empreendido pelo prefeito Lindolfo do Rêgo Monteiro.

O Instituto de Identificação, criado em 1928, funciona precariamente. Há apenas duas mil e setecentas pessoas devidamente identificadas em Teresina de uma população de aproximadamente 105 mil habitantes. O Instituto de Medicina Legal atende também o Maranhão.

Nas ruas, a cavalaria impunha respeito, patrulhando principalmente à noite. Os excessos logo se fizeram sentir. Os “cavaleiros de Vilanova”, como eram chamados, produziram abusos de toda ordem. Na periferia, espancavam cruelmente com as espadas de que dispunham. Faziam isso, conforme argumentavam, para dispersar ajuntamentos e confusões. Durante uma perseguição a criminosos, os cavalos atropelaram e mataram uma velha senhora. A população, ao ouvir o som das ferraduras, dizia em tom de chacota: “Lá vem a velha...”

Os policiais, de forma truculenta, chegam brandindo seus sabres, numa demonstração de força bastante comum na periferia. As espadas são usadas com muita freqüência no lombo dos pobres, durante escaramuças registradas nos subúrbios. Em bairros onde só se pode entrar de cavalo, porque não há calçamento, sequer rua, e onde os esgotos a céu aberto formam verdadeiras lagoas de imundície. Nenhum cristão em sã consciência e por melhor calçado que esteja se encoraja a pôr os pés naquela porcaria. A cavalo, a polícia entra e dispersa as confusões, os atritos ali verificados, geralmente briga de bêbados em cabarés imundos.

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