quinta-feira, 29 de julho de 2010
TERESINA ANTIGA - UMA OBRA PARA SEMPRE
"Uma Obra para Sempre". Este é o título do livreto que está sendo lançado pelo jornalista Deoclécio Dantas. Ele trata sobre a ponte João Luís Ferreira, a famosa "ponte metálica de Teresina." Dantas afirma que a obra foi idealizada em 1918, quando o Estado era governado por Eurípedes de Aguiar, mas teve lenta execução, sendo concluída e inaugurada apenas em 1939, durante o Estado Novo, quando o Piauí era governado por Leônidas de Castro Melo. O autor enfatiza: "Nada de Albertão, Verdão, Prainha, Troca-Troca, Barca do Sal, Curva São Paulo, Poticabana, praças e avenidas. A imagem mais reproduzida em reportagens, VT's, folders, sobre Teresina, é a da ponte metálica João Luís Ferreira." Dantas ressalta a participação do engenheiro Jurandyr Pires Ferreira na efetivação da obra. (TR)
Praça Pedro II
A praça Pedro II nasceu praticamente com Teresina. Inicialmente era chamada de praça de Aquidabã. Em 1922, passou a ser chamada de praça da Independência. Em 1938, o prefeito Lindolfo Monteiro transferiu busto do imperador que ficava na praça Rio Branco. E então a praça passou a se chamar em definitivo de Pedro II. De 1930 em diante tornou-se ponto de encontro da sociedade teresinense. Nas tardes de quinta e domingo eram realizadas retretas com animação da banda de música da Polícia Militar. Em 1974, passou por reforma patrocinada pelo governo militar que a desfigurou completamente. Em 1996, foi reformada pelo governo Mão Santa resgatando ares provinciano. Hoje, está suja e mal cuidada.
quarta-feira, 28 de julho de 2010
EVILÁSIO VILANOVA: PERFIL NÃO AUTORIZADO
Evilásio Gonçalves Vilanova é natural de Caxias, no vizinho Estado do Maranhão, não sendo Teresina para ele uma cidade estranha. Passou parte da sua juventude frequentando a capital piauiense e desfrutando dos prazeres proporcionados pela rua Paissandu, onde travou inúmeras amizades com mulheres as mais belas e com alguns rapazes também.
Fez-se, em 1930, amigo de Landri Sales Gonçalves, com quem participou das revoluções de 1930, que levou Vargas ao poder, e de 1932, na qual os paulistas contestaram severamente a centralização de poder nas mãos do presidente.
Ao tomar posse, Leônidas de Castro Melo percebeu, de imediato, a necessidade de fazer frente a dois grandes problemas que haviam em Teresina: a precariedade da infraestrutura e saneamento básico, que por sua vez acarretavam graves problemas de saúde na população, e a insegurança decorrente da presença cada vez maior de forasteiros.
Eram comuns os distúrbios, especialmente na área do baixo meretrício, na margem do Parnaíba. As brigas explodiam a todo instante, envolvendo filhos da terra contra forasteiros na disputa pelo aconchego das mulheres da vida.
A praça Pedro II, palco da inquietação cultural e social da época, registra um acontecimento da maior significação para a tomada de providências por parte da Interventoria no aspecto da segurança pública. Um conflito do qual tomaram parte soldados da Guarnição Federal e da Polícia Militar colocou em polvorosa as famílias presentes àquele logradouro.
A parte baixa, como sabemos, é utilizada para o passeio dos rapazes e moças da fina flor da sociedade da Chapada do Corisco, ao passo em que, na parte baixa, ficam as empregadas domésticas, operários da Fábrica de Fiação e Tecidos e soldados da polícia e do 25º Batalhão de Caçadores. Há uma rua que corta a praça em diagonal e que além da divisão espacial é também marco da segregação dos menos favorecidos.
De repente, os soldados iniciam uma discussão que logo evolui para o confronto físico. A confusão se espalha na parte baixa da praça, levando os chamados filhos da elite a se queixarem da insegurança aos seus pais, que por sua vez fizeram eco das lamúrias às autoridades. Fazia-se necessário um plano de segurança para a cidade, ainda mais quando nos dias seguintes os distúrbios persistiram, avançando para a periferia e deixando toda a população inquieta.
Leônidas Melo procurou seu antigo benfeitor, o militar Landri Sales, que mesmo não desfrutando mais da confiança do Estado Novo, funcionava como conselheiro do interventor piauiense. Expôs a preocupação com a insegurança reinante e pediu aconselhamento. “Que medidas devo adotar? O senhor é militar, seguramente sabe como agir em situações extremas.”
Landri governou o Piauí numa época difícil. No primeiro momento, houve grande resistência ao modelo implantado por Vargas a partir de 1930. Nomeado interventor em 7 de maio de 1931, assumiu em 21 de maio daquele mesmo ano e aqui encontrou muita insatisfação por parte das elites econômicas e políticas.
Entre as primeiras ações como governante, cuidou em pacificar as famílias, no que, acredita-se, foi bem sucedido. Promoveu a reforma do Poder Judiciário, a construção de prédios escolares, dentre os quais o Liceu Piauiense, contribuindo ainda para a moralização administrativa.
Em seu governo registrou-se a Revolta dos Cabos, chefiada pelo cabo Amador, que tomou de assalto o Palácio de Karnak e ali permaneceu por 24 horas como governante auto-proclamado e em seguida deposto pelas tropas federais.
Landri elogia a iniciativa de Leônidas, que fora secretário-geral do seu governo em construir o Hospital Getúlio Vargas, e afirma que tem a solução para o problema da segurança pública... “Tenho um jovem amigo, natural de Caxias, que lutou comigo em 30 e 32. Formamos junto em favor do ideário de Vargas e tenho absoluta certeza que ele acalmará a cidade”.
Estava falando de Evilásio Gonçalves Vilanova, jovem capitão do Exército, figura impiedosa para quem o militar deveria agir como a natureza, de forma impiedosa, reagindo com força ainda maior que a manifestada pelo agressor, em local imprevisível e sem considerar quem fora responsável; todos pagariam, até se manifestar o verdadeiro culpado.
Leônidas ficou satisfeito com a indicação e autorizou Landri a levar ao ministro Eurico Dutra o pedido da disposição de Vilanova para assumir a Chefatura de Polícia de Teresina e o comando da Polícia Militar do Piauí.
Evilásio Gonçalves Vilanova estava servindo na Guarnição Federal do Rio de Janeiro quando recebeu a determinação de Eurico Dutra para vir a Teresina, viagem empreendida através de São Luís, capital do Maranhão, pelo Atlântico. Pegou, em seguida, um trem para a cidade maranhense de Flores, fazendo a travessia para a capital piauiense de barco.
A família do novo homem forte da segurança causou excelente impressão na cidade. A mulher, Nadir, foi comparada a uma atriz do cinema norte-americano, tal a sua elegência. A filha do casal, Marísia, era igualmente bela e, apesar da pouca idade, elegante.
Vilanova, por sua vez, impunha respeito pela altivez. Vestia-se bem e dançava como poucos. Gostava de bons vinhos, de boa música e de boas companhias. Não tarda em impor um estilo adquirido no campo de batalha, onde matar ou morrer tem importância menor do que o objetivo a ser alcançado.
O comandante ampliou as instalações do Quartel da Polícia Militar, em frente à praça Pedro II, ali instalando oficinas de alfaiataria, marcenaria e sapataria, tornando obrigatórios os exercícios físicos diários para os membros da corporação. Criou a banda de música para acompanhar as solenidades oficiais e dois novos batalhões, o de Cavalaria e o de Bombeiros. A Polícia Civil, que antes era abrigada em ridículas condições, ganhou novas instalações que compreendiam um quarteirão inteiro.
Vilanova ampliou o efetivo da polícia e adquiriu um carro para transporte de presos apelidado de “Carinhosa” pelo próprio. O interventor ficou por demais empolgado com a dinâmica atuação do seu chefe de polícia e oferecia todas as condições por ele solicitadas.
***
O crime anda de mãos dadas com o progresso. À medida em que avança a sociedade, avançam também os métodos e surgem novos elementos criminosos. Foi o que ocorreu em Teresina.
No princípio da década de 1940, a capital conta com poucas ruas efetivamente calçadas. O calçamento vai apenas da rua Paissandu à rua da Glória, não obstante o esforço empreendido pelo prefeito Lindolfo do Rêgo Monteiro.
O Instituto de Identificação, criado em 1928, funciona precariamente. Há apenas duas mil e setecentas pessoas devidamente identificadas em Teresina de uma população de aproximadamente 105 mil habitantes. O Instituto de Medicina Legal atende também o Maranhão.
“A Polícia Civil fará o papel investigativo”, diz Vilanova. “À Polícia Militar caberá o papel de vigilância ostensiva”.
Nas ruas, a cavalaria impunha respeito, patrulhando principalmente à noite. Os excessos logo se fizeram sentir. Os “cavaleiros de Vilanova”, como eram chamados, produziram abusos de toda ordem. Na periferia, espancavam cruelmente com as espadas de que dispunham. Faziam isso, conforme argumentavam, para dispersar ajuntamentos e confusões.
Durante uma perseguição a criminosos, os cavalos atropelaram e mataram uma velha senhora. A população, ao ouvir o som das ferraduras, dizia em tom de chacota: “Lá vem a velha...”
Em 1941, começaram os incêndios. O cinturão de palha começou a pegar fogo, desabrigando e matando centenas de milhares de pessoas. No primeiro momento, os episódios dantescos eram atribuídos às altas temperaturas registradas em determinados períodos e à facilidade do material empregado nas construções rústicas para produzir a combustão. Não tardou para que o aspecto criminoso fosse introduzido.
Os incêndios começaram a gerar muita desordem na periferia, avançando tal situação para o centro das decisões políticas e administrativas. A repercussão tornou-se terrível para o interventor. Vilanova pediu verbas para a aquisição de carros para o Corpo de Bombeiros. Os veículos mal conseguiam adentrar as ruas esburacadas dos subúrbios.
***
Com a intensificação da exploração do látex na Amazônia, Teresina se transformou em rota de passagem para milhares de trabalhadores que vinham dos mais diferentes e distantes pontos do país. Em sua permanência na cidade, eram comuns as arruaças, tendo em vista a disputa por mulheres no baixo meretrício.
Pacata, a capital se transformou, do dia para a noite, em palco de desordens, obrigando o interventor a tomar uma atitude. Ele se aconselhou com seu amigo e padrinho político, o ex-interventor Landri Sales, que lhe sugeriu a nomeação de capitão do Exército chamado Evilásio Gonçalves Vilanova para organizar e chefiar o sistema de segurança pública.
Vilanova era gago e careca e, a princípio, mostrou-se uma figura polida, porém enérgica. Chegou impondo disciplina, organização e respeito. Ampliou as instalações do Quartel do Comando da Polícia Militar, situado em frente à praça Pedro II, construiu novas e modernas instalações para a Polícia Civil, em frente à praça Saraiva, ampliou o efetivo instalando dois novos batalhões — de Cavalaria e de Bombeiros, instituiu a obrigatoriedade de exercícios diários para os membros da corporação, instalou a banda de música e oficinas de alfaiataria, marcenaria e sapataria e adquiriu um veículo para transporte de presos logo apelidado de “Carinhosa”.
***
Havia intensa mobilização de forças militares por conta da Segunda Guerra Mundial. O Brasil era estratégico por sua localização — meio do caminho entre a Europa e a África — e passou a ser disputado por aliados e nazistas.
Os aliados, liderados pelos Estados Unidos e Inglaterra, levaram a melhor com a visita de Franklin Delano Roosevelt, em 1942, na qual o ditador Getúlio Vargas negociou a construção da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, e de uma vultosa soma em recursos financeiros, que permitiria a execução do seu projeto de industrializar e urbanizar o país.
Evilásio Vilanova soube se fortalecer no Estado militarista. Aproveitando-se do clima de guerra, determinou a instalação, no Quartel da Polícia, de uma bateria antiaérea — “que será de grande utilidade em caso de ataque aéreo por parte dos inimigos da nossa pátria”.
Acumulava os cargos de comandante da Força Pública e chefe de polícia, hoje equivalente ao de secretário de Segurança. Em pouco tempo, rivalizava em poder e prestígio político com o próprio interventor. Sobrava-lhe o que faltava em Leônidas: habilidade estratégica, adquirida no seio da comunidade militar, e um desprezo enorme pelo sofrimento humano.
Não ficou nem um pouco satisfeito com a opção de Vargas em posicionar-se a favor dos aliados. Nutria grande simpatia pelo nacional-socialismo de Adolf Hitler.
No seu entender, as raças inferiores deveriam ser banidas da face da Terra, incorporando ao extremo o pensamento ariano do nazismo e a idéia do “novo homem” preconizada por Vargas.
A guerra trouxe muitas dificuldades para o Piauí. Em relatório, Leônidas informa que, de um ano para outro, a perda é de 3 milhões, 958 mil cruzeiros, provocada pela restrição da saída dos principais produtos, como a cera de carnaúba, e a considerável redução das atividades de negócios internas.
Alie-se o fato de que o governo precisava fazer frente a enorme despesa gerada pelos flagelados e menos favorecidos. Sem suas casas, as pessoas passavam a morar debaixo de árvores, tornando-se comum, mesmo no centro da cidade, a presença de dezenas — e até centenas — de famílias vivendo em tais e precárias condições.
***
Os incêndios começaram em 1939, mas ganharam intensidade a partir da chegada de Vilanova. A população passou a viver a histeria da espera.
Diariamente, tocavam os sinos da Igreja de São Benedito, situada no Alto da Moderação, ponto mais alto de Teresina e de onde se via a cidade em toda a sua extensão. O repique frenético indicava um novo sinistro, dezenas de casas atingidas, centenas de pessoas desabrigadas.
Todos os dias, a mesma coisa: a fumaça preta em direção ao céu azul, o martelar dos sinos, o fogo ampliado pelo calor e pelo vento e os clamores das vítimas.
Para o médico José Cândido Ferraz não havia outro responsável senão o Estado Novo, que com a medida estimularia a limpeza urbana, garantindo a construção de novos e modernos prédios. Ele era um dos primeiros a chegar aos locais atingidos porque era dos poucos que possuíam automóvel. Tinha também uma câmera filmadora, com a qual registrava os acontecimentos dramáticos.
O jornal “O Piauí”, de Eurípedes Aguiar, denunciava os desmandos praticados pelo Estado Novo. Eurípedes, que várias vezes fora preso por crime de opinião, nunca titubeou, nem mesmo no período de maior repressão, da sua condição de oposicionista e crítico do governo.
Evilásio Vilanova acusa a UDN e o médico José Cândido Ferraz de estar por trás dos incêndios. Diz que os adversários pretendem, com isso, desgastar o governo de Leônidas.
Inicia o processo de torturas. No Quartel da Força Pública, o comandante Vilanova manda construir um porão, o qual utiliza para maltratar os presos.
Os espancamentos geram gritos de dor que cortam as noites e madrugadas e transformam-se em pesadelo para a cidade. Pressionado, o oficial, agora coronel, transfere suas atividades para lugares distantes, como a Ilhotas, o campo de aviação na zona Norte ou a localidade Tabuleta, na zona Sul da cidade.
Nestes locais, ele tortura mais de duzentas pessoas, gente humilde que não tem a quem recorrer em caso de brutal injustiça, festim diabólico no qual as vítimas são enterradas até o pescoço para confessar crimes que não cometeram e acusar outros inocentes como responsáveis de autoria intelectual.
Ganharam notoriedade os casos do comerciante Albino Alencar e de Luiz Enfermeiro, ambos udenistas e que foram presos e torturados por Vilanova. Luiz Enfermeiro ficou aleijado em virtude das pancadas de que foi vítima.
José Cândido foi, finalmente, preso e conduzido ao Quartel do 25° Batalhão de Caçadores. Amparado em acusações de presos, obtidas sob tortura, o coronel Evilásio Vilanova o acusa de crime contra a segurança nacional. Seria ele o responsável pelos incêndios, cujo objetivo era desestabilizar e destituir o interventor Leônidas Melo.
Pressionado por toda a sociedade, Leônidas entendeu que não deveria manter Ferraz preso. Indagou sobre as provas: eram realmente conclusivas? Não eram. Furioso, Vilanova colocou o médico em liberdade e ficou à vontade para dar continuidade ao seu plano macabro.
Os incêndios continuaram. Cada vez mais intensos. Bairros inteiros pegavam fogo.
Havia sofrimento e morte. Era demais para Leônidas.
Fez-se, em 1930, amigo de Landri Sales Gonçalves, com quem participou das revoluções de 1930, que levou Vargas ao poder, e de 1932, na qual os paulistas contestaram severamente a centralização de poder nas mãos do presidente.
Ao tomar posse, Leônidas de Castro Melo percebeu, de imediato, a necessidade de fazer frente a dois grandes problemas que haviam em Teresina: a precariedade da infraestrutura e saneamento básico, que por sua vez acarretavam graves problemas de saúde na população, e a insegurança decorrente da presença cada vez maior de forasteiros.
Eram comuns os distúrbios, especialmente na área do baixo meretrício, na margem do Parnaíba. As brigas explodiam a todo instante, envolvendo filhos da terra contra forasteiros na disputa pelo aconchego das mulheres da vida.
A praça Pedro II, palco da inquietação cultural e social da época, registra um acontecimento da maior significação para a tomada de providências por parte da Interventoria no aspecto da segurança pública. Um conflito do qual tomaram parte soldados da Guarnição Federal e da Polícia Militar colocou em polvorosa as famílias presentes àquele logradouro.
A parte baixa, como sabemos, é utilizada para o passeio dos rapazes e moças da fina flor da sociedade da Chapada do Corisco, ao passo em que, na parte baixa, ficam as empregadas domésticas, operários da Fábrica de Fiação e Tecidos e soldados da polícia e do 25º Batalhão de Caçadores. Há uma rua que corta a praça em diagonal e que além da divisão espacial é também marco da segregação dos menos favorecidos.
De repente, os soldados iniciam uma discussão que logo evolui para o confronto físico. A confusão se espalha na parte baixa da praça, levando os chamados filhos da elite a se queixarem da insegurança aos seus pais, que por sua vez fizeram eco das lamúrias às autoridades. Fazia-se necessário um plano de segurança para a cidade, ainda mais quando nos dias seguintes os distúrbios persistiram, avançando para a periferia e deixando toda a população inquieta.
Leônidas Melo procurou seu antigo benfeitor, o militar Landri Sales, que mesmo não desfrutando mais da confiança do Estado Novo, funcionava como conselheiro do interventor piauiense. Expôs a preocupação com a insegurança reinante e pediu aconselhamento. “Que medidas devo adotar? O senhor é militar, seguramente sabe como agir em situações extremas.”
Landri governou o Piauí numa época difícil. No primeiro momento, houve grande resistência ao modelo implantado por Vargas a partir de 1930. Nomeado interventor em 7 de maio de 1931, assumiu em 21 de maio daquele mesmo ano e aqui encontrou muita insatisfação por parte das elites econômicas e políticas.
Entre as primeiras ações como governante, cuidou em pacificar as famílias, no que, acredita-se, foi bem sucedido. Promoveu a reforma do Poder Judiciário, a construção de prédios escolares, dentre os quais o Liceu Piauiense, contribuindo ainda para a moralização administrativa.
Em seu governo registrou-se a Revolta dos Cabos, chefiada pelo cabo Amador, que tomou de assalto o Palácio de Karnak e ali permaneceu por 24 horas como governante auto-proclamado e em seguida deposto pelas tropas federais.
Landri elogia a iniciativa de Leônidas, que fora secretário-geral do seu governo em construir o Hospital Getúlio Vargas, e afirma que tem a solução para o problema da segurança pública... “Tenho um jovem amigo, natural de Caxias, que lutou comigo em 30 e 32. Formamos junto em favor do ideário de Vargas e tenho absoluta certeza que ele acalmará a cidade”.
Estava falando de Evilásio Gonçalves Vilanova, jovem capitão do Exército, figura impiedosa para quem o militar deveria agir como a natureza, de forma impiedosa, reagindo com força ainda maior que a manifestada pelo agressor, em local imprevisível e sem considerar quem fora responsável; todos pagariam, até se manifestar o verdadeiro culpado.
Leônidas ficou satisfeito com a indicação e autorizou Landri a levar ao ministro Eurico Dutra o pedido da disposição de Vilanova para assumir a Chefatura de Polícia de Teresina e o comando da Polícia Militar do Piauí.
Evilásio Gonçalves Vilanova estava servindo na Guarnição Federal do Rio de Janeiro quando recebeu a determinação de Eurico Dutra para vir a Teresina, viagem empreendida através de São Luís, capital do Maranhão, pelo Atlântico. Pegou, em seguida, um trem para a cidade maranhense de Flores, fazendo a travessia para a capital piauiense de barco.
A família do novo homem forte da segurança causou excelente impressão na cidade. A mulher, Nadir, foi comparada a uma atriz do cinema norte-americano, tal a sua elegência. A filha do casal, Marísia, era igualmente bela e, apesar da pouca idade, elegante.
Vilanova, por sua vez, impunha respeito pela altivez. Vestia-se bem e dançava como poucos. Gostava de bons vinhos, de boa música e de boas companhias. Não tarda em impor um estilo adquirido no campo de batalha, onde matar ou morrer tem importância menor do que o objetivo a ser alcançado.
O comandante ampliou as instalações do Quartel da Polícia Militar, em frente à praça Pedro II, ali instalando oficinas de alfaiataria, marcenaria e sapataria, tornando obrigatórios os exercícios físicos diários para os membros da corporação. Criou a banda de música para acompanhar as solenidades oficiais e dois novos batalhões, o de Cavalaria e o de Bombeiros. A Polícia Civil, que antes era abrigada em ridículas condições, ganhou novas instalações que compreendiam um quarteirão inteiro.
Vilanova ampliou o efetivo da polícia e adquiriu um carro para transporte de presos apelidado de “Carinhosa” pelo próprio. O interventor ficou por demais empolgado com a dinâmica atuação do seu chefe de polícia e oferecia todas as condições por ele solicitadas.
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O crime anda de mãos dadas com o progresso. À medida em que avança a sociedade, avançam também os métodos e surgem novos elementos criminosos. Foi o que ocorreu em Teresina.
No princípio da década de 1940, a capital conta com poucas ruas efetivamente calçadas. O calçamento vai apenas da rua Paissandu à rua da Glória, não obstante o esforço empreendido pelo prefeito Lindolfo do Rêgo Monteiro.
O Instituto de Identificação, criado em 1928, funciona precariamente. Há apenas duas mil e setecentas pessoas devidamente identificadas em Teresina de uma população de aproximadamente 105 mil habitantes. O Instituto de Medicina Legal atende também o Maranhão.
“A Polícia Civil fará o papel investigativo”, diz Vilanova. “À Polícia Militar caberá o papel de vigilância ostensiva”.
Nas ruas, a cavalaria impunha respeito, patrulhando principalmente à noite. Os excessos logo se fizeram sentir. Os “cavaleiros de Vilanova”, como eram chamados, produziram abusos de toda ordem. Na periferia, espancavam cruelmente com as espadas de que dispunham. Faziam isso, conforme argumentavam, para dispersar ajuntamentos e confusões.
Durante uma perseguição a criminosos, os cavalos atropelaram e mataram uma velha senhora. A população, ao ouvir o som das ferraduras, dizia em tom de chacota: “Lá vem a velha...”
Em 1941, começaram os incêndios. O cinturão de palha começou a pegar fogo, desabrigando e matando centenas de milhares de pessoas. No primeiro momento, os episódios dantescos eram atribuídos às altas temperaturas registradas em determinados períodos e à facilidade do material empregado nas construções rústicas para produzir a combustão. Não tardou para que o aspecto criminoso fosse introduzido.
Os incêndios começaram a gerar muita desordem na periferia, avançando tal situação para o centro das decisões políticas e administrativas. A repercussão tornou-se terrível para o interventor. Vilanova pediu verbas para a aquisição de carros para o Corpo de Bombeiros. Os veículos mal conseguiam adentrar as ruas esburacadas dos subúrbios.
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Com a intensificação da exploração do látex na Amazônia, Teresina se transformou em rota de passagem para milhares de trabalhadores que vinham dos mais diferentes e distantes pontos do país. Em sua permanência na cidade, eram comuns as arruaças, tendo em vista a disputa por mulheres no baixo meretrício.
Pacata, a capital se transformou, do dia para a noite, em palco de desordens, obrigando o interventor a tomar uma atitude. Ele se aconselhou com seu amigo e padrinho político, o ex-interventor Landri Sales, que lhe sugeriu a nomeação de capitão do Exército chamado Evilásio Gonçalves Vilanova para organizar e chefiar o sistema de segurança pública.
Vilanova era gago e careca e, a princípio, mostrou-se uma figura polida, porém enérgica. Chegou impondo disciplina, organização e respeito. Ampliou as instalações do Quartel do Comando da Polícia Militar, situado em frente à praça Pedro II, construiu novas e modernas instalações para a Polícia Civil, em frente à praça Saraiva, ampliou o efetivo instalando dois novos batalhões — de Cavalaria e de Bombeiros, instituiu a obrigatoriedade de exercícios diários para os membros da corporação, instalou a banda de música e oficinas de alfaiataria, marcenaria e sapataria e adquiriu um veículo para transporte de presos logo apelidado de “Carinhosa”.
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Havia intensa mobilização de forças militares por conta da Segunda Guerra Mundial. O Brasil era estratégico por sua localização — meio do caminho entre a Europa e a África — e passou a ser disputado por aliados e nazistas.
Os aliados, liderados pelos Estados Unidos e Inglaterra, levaram a melhor com a visita de Franklin Delano Roosevelt, em 1942, na qual o ditador Getúlio Vargas negociou a construção da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, e de uma vultosa soma em recursos financeiros, que permitiria a execução do seu projeto de industrializar e urbanizar o país.
Evilásio Vilanova soube se fortalecer no Estado militarista. Aproveitando-se do clima de guerra, determinou a instalação, no Quartel da Polícia, de uma bateria antiaérea — “que será de grande utilidade em caso de ataque aéreo por parte dos inimigos da nossa pátria”.
Acumulava os cargos de comandante da Força Pública e chefe de polícia, hoje equivalente ao de secretário de Segurança. Em pouco tempo, rivalizava em poder e prestígio político com o próprio interventor. Sobrava-lhe o que faltava em Leônidas: habilidade estratégica, adquirida no seio da comunidade militar, e um desprezo enorme pelo sofrimento humano.
Não ficou nem um pouco satisfeito com a opção de Vargas em posicionar-se a favor dos aliados. Nutria grande simpatia pelo nacional-socialismo de Adolf Hitler.
No seu entender, as raças inferiores deveriam ser banidas da face da Terra, incorporando ao extremo o pensamento ariano do nazismo e a idéia do “novo homem” preconizada por Vargas.
A guerra trouxe muitas dificuldades para o Piauí. Em relatório, Leônidas informa que, de um ano para outro, a perda é de 3 milhões, 958 mil cruzeiros, provocada pela restrição da saída dos principais produtos, como a cera de carnaúba, e a considerável redução das atividades de negócios internas.
Alie-se o fato de que o governo precisava fazer frente a enorme despesa gerada pelos flagelados e menos favorecidos. Sem suas casas, as pessoas passavam a morar debaixo de árvores, tornando-se comum, mesmo no centro da cidade, a presença de dezenas — e até centenas — de famílias vivendo em tais e precárias condições.
***
Os incêndios começaram em 1939, mas ganharam intensidade a partir da chegada de Vilanova. A população passou a viver a histeria da espera.
Diariamente, tocavam os sinos da Igreja de São Benedito, situada no Alto da Moderação, ponto mais alto de Teresina e de onde se via a cidade em toda a sua extensão. O repique frenético indicava um novo sinistro, dezenas de casas atingidas, centenas de pessoas desabrigadas.
Todos os dias, a mesma coisa: a fumaça preta em direção ao céu azul, o martelar dos sinos, o fogo ampliado pelo calor e pelo vento e os clamores das vítimas.
Para o médico José Cândido Ferraz não havia outro responsável senão o Estado Novo, que com a medida estimularia a limpeza urbana, garantindo a construção de novos e modernos prédios. Ele era um dos primeiros a chegar aos locais atingidos porque era dos poucos que possuíam automóvel. Tinha também uma câmera filmadora, com a qual registrava os acontecimentos dramáticos.
O jornal “O Piauí”, de Eurípedes Aguiar, denunciava os desmandos praticados pelo Estado Novo. Eurípedes, que várias vezes fora preso por crime de opinião, nunca titubeou, nem mesmo no período de maior repressão, da sua condição de oposicionista e crítico do governo.
Evilásio Vilanova acusa a UDN e o médico José Cândido Ferraz de estar por trás dos incêndios. Diz que os adversários pretendem, com isso, desgastar o governo de Leônidas.
Inicia o processo de torturas. No Quartel da Força Pública, o comandante Vilanova manda construir um porão, o qual utiliza para maltratar os presos.
Os espancamentos geram gritos de dor que cortam as noites e madrugadas e transformam-se em pesadelo para a cidade. Pressionado, o oficial, agora coronel, transfere suas atividades para lugares distantes, como a Ilhotas, o campo de aviação na zona Norte ou a localidade Tabuleta, na zona Sul da cidade.
Nestes locais, ele tortura mais de duzentas pessoas, gente humilde que não tem a quem recorrer em caso de brutal injustiça, festim diabólico no qual as vítimas são enterradas até o pescoço para confessar crimes que não cometeram e acusar outros inocentes como responsáveis de autoria intelectual.
Ganharam notoriedade os casos do comerciante Albino Alencar e de Luiz Enfermeiro, ambos udenistas e que foram presos e torturados por Vilanova. Luiz Enfermeiro ficou aleijado em virtude das pancadas de que foi vítima.
José Cândido foi, finalmente, preso e conduzido ao Quartel do 25° Batalhão de Caçadores. Amparado em acusações de presos, obtidas sob tortura, o coronel Evilásio Vilanova o acusa de crime contra a segurança nacional. Seria ele o responsável pelos incêndios, cujo objetivo era desestabilizar e destituir o interventor Leônidas Melo.
Pressionado por toda a sociedade, Leônidas entendeu que não deveria manter Ferraz preso. Indagou sobre as provas: eram realmente conclusivas? Não eram. Furioso, Vilanova colocou o médico em liberdade e ficou à vontade para dar continuidade ao seu plano macabro.
Os incêndios continuaram. Cada vez mais intensos. Bairros inteiros pegavam fogo.
Havia sofrimento e morte. Era demais para Leônidas.
POBRES SÃO ARRASTADOS PARA A GUERRA
FORÇA EXPEDICIONÁRIA PIAUIENSE
A 2ª Guerra Mundial começou a ser planejada logo após a derrota da Alemanha na 1ª Grande Guerra. Hitler servira como cabo e, ferido em combate, regressara cedo do front. Mergulhou no universo dos desvalidos, vítima da recessão econômica imposta contra a Alemanha pelos vencedores. Vagou pelas ruas durante anos como desempregado. Em mente, a obsessão pela retomada dos territórios alemães perdidos para a França e a depuração da raça humana.
O País, durante 15 anos a partir do final da 1ª Grande Guerra (1914-1918), mergulhou na sua pior crise econômica motivada pelo Tratado de Versalhes, que impôs sérias restrições econômicas. No final dos anos 20, a esplêndida oratória do vagabundo encantou os líderes do Partido Nazista, que o admitiram. Adolf Hitler logo destacou-se entre os demais membros da agremiação e ganhou inimigos entre os poderosos da época.
Foi preso, acusado de subservão. Após ser posto em liberdade, manteve a sedução pela palavra e, em 1933, conquistou através do voto direto o cargo de chanceler alemão. O presidente Paul Vön Hindemburg o considerava "apenas um homossexual que, no máximo, chegará a diretor dos Correios". No poder, Hitler acabou com os partidos de esquerda e os sindicatos, censurou meios de comunicação e rompeu com o Tratado de Versalhes.
De 1933 a 1938, a Alemanha construiu fábricas de material bélico, treinou soldados e mobilizou tropas para sua revanche. Hitler juntou a Alemanha, a Itália e o Japão e criou uma nova aliança, o Eixo, que partia do princípio de que a Alemanha precisava de mais espaço para seu desenvolvimento econômico, justificando com isso, a intenção de reconquistar o território perdido na guerra.
Então, em 1938, a Alemanha começou a invasão dos países que estavam ao seu redor: a Áustria, em 1938 e a Tchecoslováquia (República Tcheca e República Eslovaca), em 1939. Em setembro de 1939, quando a Alemanha invadiu a Polônia, a França e a Inglaterra (Aliados) entraram na guerra.
Em menos de um ano, a Alemanha invadira Holanda, Luxemburgo, Dinamarca, Noruega e a maior parte da França. Japão e Itália ajudaram na invasão de alguns países. A Itália invadiu a Albânia e a Somália. Já o Japão não só invadiu a Malásia, Cingapura, Filipinas e outras regiões, como destruiu o principal porto da marinha americana, Pearl Harbor.
Após essa destruição, os Estados Unidos ficaram com apenas três porta-aviões. A guerra se estendeu também à China e ao norte da África. No final do ano de 1941, os Estados Unidos e a Rússia, entraram na guerra ao lado de países aliados, dentre os quais o Brasil. A guerra não tardaria em chegar ao Piauí – da pior forma possível, como em todas as guerras, porque em solo mafrense enfrentava-se uma guerra ainda pior, a saber.
25º (BATALHÃO DE CAÇADORES)
Criado a 2 de janeiro de 1918 como 44º Batalhão de Caçadores, teve como primeiro comandante o capitão Domingos Monteiro. Dois anos depois, passou à denominação atual, sendo comandante na época o major Epaminondas Tebano Barreto.
De 26 de setembro de 1942 a 4 de maio de 1943, comandou o 25º BC o tenente-coronel Fernando Pires Besonchet. De 28 de fevereiro de 1944 a 15 de abril de 1945 - período que marca a participação do Piauí na 2ª Guerra Mundial - foi comandado pelo tenente-coronel Manoel Joaquim Guedes.
Transcrição do Boletim Interno nº 21, de 03/01/45 (CRP):
"XVII - APRESENTAÇÃO DE PRAÇAS - INCLUSÃO
A) - Sejam incluidas no estado efetivo deste Centro e sub-unidades em seguida mencionadas, as praças abaixo, procedentes da 10ª RM (Região Militar), ontem apresentadas - 10ª COMPANHIA - Com procedência do 25º Batalhão de Caçadores (n° de série: 4544 a 4667):
3º Sargento - João Paulino Torres;
Cabos - Aluísio Ribeiro da Costa, José Ferreira Neves, Elias Alvares Lima, José Machado da Silva, Cândido Alves de Castro, Antônio Joaquim Soares Trindade, Almir Ferreira Sobral, José Ribamar Carvalho do Nascimento, Raimundo Magalhães Costa e Carlos Alberto Campelo Maciel;
Soldados - José Bezerra de Araújo, José Cândido Fortes Brito, Werneck de Campos Nobre, Pedro Antunes de Abreu, Sebastião José da Silva, Francisco Alves de Melo, Pedro Ferreira de Carvalho, Antenor José de Carvalho, José Pedrosa Caldas, Manoel Alves de Abreu, Abdias Caetano da Silva, Benedito Vieira dos Santos;
Pedro da Costa Araújo, Raimundo Francisco de Souza, Antônio da Costa Oliveira, Francisco Severino Bezerra, Miguel Cavalcante, Honorio Otaviano da Silva, Francisco Alves da Silva, Omar dos Santos Rocha Yucar Gonzaga da Silva, Luiz Coimbra da Silva, Raimundo Pereira do Nascimento, Augusto Lopes da Silva;
José Alípio Marinho, Simplício Ferreira Soares, José Ribamar Rocha, Raimundo Nonato Lopes, João da Cunha Carvalho, Vicente Bezerra Lima, Francisco Campos Duarte, Alberto Brito, Vicente Alexandrino de Paula, José Ribamar Assunção, Jacó José Pereira, José Barbosa de Abreu, José Pereira dos Santos, João Batista Pereira, Nildo Alves de Souza, Asel Pereira do nascimento, Antônio Lima da Silva, José Morais de Almeida;
Milton da Rocha Soares, Antônio Lase, Antônio Guedes Barbosa, Raimundo Nonato Chaves, João Francisco Pimenta de Araújo, Benedito Alves Frazão, Edmilson Bonfim de Oliveira, Antônio da Silva Feitosa, Francisco de Oliveira Santos I, Raimundo Manoel dos Santos Joaquim Carreiro Mousinho, Francisco Rodrigues da Costa, Raimundo Nonato da Silva I, Aloisio Lobão Veras, Geraldo Magela Aguiar;
Otoniel Carvalho de Souza, Antônio Sebastião de Souza, Valdevino Pereira dos Santos, Wilson Silva, José Antônio de Oliveira, João Pereira da Silva, Honório Pereira do Nascimento, Solon Cardoso de Oliveira, Raimundo Nonato da Costa, Romão Pereira, João Lopes da Silva, Hipólito Pereira, David Batista de Souza, Jaime Facundo dos Santos, Antônio Pereira da Silva, José Alves Brandão, Manoel Nonato dos Santos;
Luiz Gonzaga dos Santos, Erondino Alves de Morais, José Rodrigues dos Santos, José Francisco Campos, Pedro Florindo dos Santos, José Francisco dos Santos, Raimundo Nonato de Araújo, Pedro Cosntâncio da Silva, Francisco das Chagas Ferreira de Melo, Raimundo Rezende Cavalcante, João Félix do Nascimento, Raimundo Nonato Balbino, João Caetano da Silva, Raimundo Nonato Ramos, Luiz Nonato da Silva, Luiz Pereira Quixaba, Hermínio Antônio da Silva, Cornélio Alves Batista;
Francisco Lopes de Assis, José Ribamar, Francisco Bezerra Bonfim, Luiz Cardoso Ferreira, Francisco Alves de Araújo, Vicente Bernardino da Silva, Eduardo Brito Barbosa, Raimundo Nonato da Silva III, Rosendo Souza da Silva, Raimundo Silvestre Gomes, Benedito de Oliveira Batista, Moacir Sipausa da Rocha, Joel Alves Paulino, Valdemar Soares Gomes, Antônio José da Costa, Antônio Souza Rios, Abel Ferreira Lima, Geraldo Ferreira da Silva, Antônio Lopes Magalhães e Francisco Belchior de Aguiar."
MENSAGEM PRESIDENCIAL
Foram à Itália 61 pracinhas piauienses, transportados no navio USS General Meigs sob o comando de Ibá Jubim Meirelles, tendo desembarcado em Nápoles no dia 22 de fevereiro de 1945. Integravam o quinto escalão, que saiu a 8 de fevereiro de 1945 conduzindo um efetivo de 5.082 homens.Na ocasião, o presidente Getúlio Vargas dirigiu, pelo microfone de bordo, as seguintes palavras de despedida à tropa:
- Soldados do Brasil. O presidente da República, sendo acompanhado do ministro da Guerra, vem trazer os votos de feliz viagem. E não podendo fazê-lo pessoalmente, a cada um o faz por meio deste microfone. É sempre uma glória, pela glória e pelo ideal. O governo e o povo do Brasil vos acompanham em espírito na vossa jornada e vos aguarda cobertos de glória.
Estão vivos 38 ex-combatentes piauienses, sendo que os mortos somam 39. Enquanto isso, 47 perderam o contato com a Associação de Ex-Combatentes, fazendo um total de 124 que saíram do Piauí rumo à guerra.
FRENTE A FRENTE COM A INAPTIDÃO
Dos 123 recrutas e oficiais que saíram de Teresina naquele distante 1944, dois foram mortos na Itália. Para muitos, a guerra foi um pesadelo. Para outros, a definição de um novo caminho, marcado notadamente pela religiosidade.
- A proximidade da morte nos fez mais próximos, também, de Deus - define o ex-combatente Vicente Bezerra.
Os soldados piauienses que tomaram parte nos combates da 2ª Guerra Mundial são oriundos de vários municípios do Estado, entre eles Parnaíba, Picos, Floriano, Campo Maior, Oeiras e a própria Teresina, entre outros. A participação do Piauí nos combates que dividiram a história do mundo até hoje é alvo de ironias.
Na verdade, fruto do desencontro de informações. Quando foram convocados, todos saíram da sua terra natal convictos de que iriam para os campos italianos. Passaram pela inspeção médica no HGV (Hospital Getúlio Vargas) e foram considerados aptos para o serviço de guerra.
Só que, ao chegar no Rio de Janeiro, se depararam com uma junta médica bem mais exigente, formada por profissionais norte-americanos. Muitos não foram aprovados nesses novos exames.
Apenas 61 receberam o carimbo de positivo em seus passaportes. Os demais receberam designação para vigiar a costa brasileira. Esses, que ficaram, não sofreram apenas o peso da ironia de seus compatriotas. Também tiveram - muitos ainda têm - dificuldades para efetivarem suas aposentadorias como ex-combatentes.
Foram amparados pela Lei 5.315, de 12 de setembro de 1967, instituída em pleno regime militar e conhecida como "a lei dos ex-combatentes". Esta lei institui remuneração igual para aqueles que viajaram em navios comboiados por navios de guerra, caso semelhante ao dos pracinhas piauienses que fizeram a vigilância da orla marítima carioca.
Dela, se beneficiaram os veteranos Jacob José Pereira, Lucas Gonzaga da Silva e Luís Cardoso. Ao longo de 22 anos eles lutaram para ter seus direitos de ex-combatentes assegurados em lei. Mesmo entre aqueles que não foram à Europa, há os que apresentam sintomas de neuroses, como Luís Cardoso, da Associação dos Ex-Combatentes do Piauí.
Ele embarcou para o Rio de Janeiro em 20 de dezembro de 1944, juntamente com mais 123 companheiros de farda, numa viagem de trem que teria como roteiro Fortaleza (CE), Natal (RN), Recife (PE) e, finalmente, a capital do país, situada no então Estado da Guanabara.
"Seu" Luís Cardoso revela que no embarque das tropas houve desmaios de familiares, muita tensão, uma expectativa de negatividade, o próprio medo que todos sentiam de não mais voltarem. A comoção coletiva deixou os pracinhas sob o impacto do medo.
Mais tarde, sozinhos em terras distantes (mesmo em território nacional), esperando a qualquer momento o bombardeio inimigo, por ar ou mar, muitos não resistiram e caíram em profunda perturbação mental. É o caso do próprio Luís Cardoso, que confessou ter estado, durante muito tempo, sob cuidados médico-psiquiátricos:
- Tínhamos medo de não voltar, víamos o desespero de nossos familiares, a comoção generalizada, prantos, gritos, desmaios. Aquilo alimentou em nosso interior uma espécie de pânico. Foi o suficiente para muitos de nós sofrerem, mais tarde, graves distúrbios psicológicos - revela.
Hoje, "seu" Luís pertence à igreja evangélica "Assembléia de Deus", onde encontram amparo espiritual.
- Pior foram aqueles que estiveram no front, que viram o sangue do inimigo e, não raro, dos próprios companheiros, convivendo lado a lado com a morte - enfatiza.
MORTOS EM COMBATE
Apenas oito soldados piauienses participaram diretamente nos combates na Itália. Dois morreram: Geraldo Elias (São Raimundo Nonato); Manoel Eduardo de Sousa (Jaicós). Este, faleceu enquanto guiava um jeep e passou sobre uma mina inimiga.
Sob o comando do general João Batista Mascarenhas de Moraes, a FEB enviou cinco escalões para o front na Europa. Os piauienses somente seguiram viagem no quinto escalão, já quase no fim da guerra. Nem por isso, deixaram de correr risco de vida. Desde quando saíam de seus lares, para embarcar em transportes militares, podiam a qualquer instante ser alvejados, notadamente em alto mar.
Os quinta-colunas, como eram chamados os espiões nazistas infiltrados principalmente como religiosos, encarregavam-se de transmitir informações aos seus compatriotas nazistas acerca dos embarques e deslocamentos das tropas. No Piauí, foram identificados e presos ou mortos vários espiões a serviço do Exército alemão. Inúmeros navios foram torpedeados na região Nordeste por conta da ação destes agentes inimigos.
A convocação era feita às pressas. O ex-combatente Jônatas Fernandes dos Santos afirma que não havia tempo sequer para oferecer treinamento de combate aos recrutas. Muitos dos que serviram na época não sabiam sequer manusear os fuzis M-X que lhes eram entregues. Para lutar na Itália, os pracinhas brasileiros receberam armamento precário e antiquado que, de imediato, desagradou os militares norte-americanos.
- Os armamentos foram trocados. Até a farda que recebemos no Brasil foi mudada. Era outro tipo de comando. As operações na Europa eram comandadas pelo general Mark Clark.
O fardamento da FEB era inadequado para o rigoroso inverno europeu. Ao desembarcarem em Nápoles, no dia 22 de fevereiro de 1945, os recrutas e oficiais receberam fardas confeccionadas com lã, resistentes ao frio.
No QG de Nápoles, logo que chegaram, os integrantes da FEB foram submetidos a um banho de água morna, porque a temperatura era muito baixa. Quem relata é Vicente Bezerra:
- Quando terminamos de banhar que nos preparamos para vestir a farda, um oficial americano informou que ainda seríamos submetidos a um processo de pulverização. Ficávamos, então, abaixados e eles pulverizavam todo o nosso corpo. Achavam que poderíamos levar algum contágio, pulgas, carrapatos.
Os piauienses ficaram acomodados no Castelo do Conde Cian, genro de Benito Mussolini, dominado pelas forças aliadas e usado como QG. O prédio tinha, conforme relembra "seu" Vicente, "tinha francamente um palmo de rachadura. Mas não caía, porque era muito profunda a cava (baldrame)".
Ao cair da noite, o capitão Mascarenhas, sobrinho do general Mascarenhas de Moraes, comandante da FEB, recebeu a orientação de que deveria, o mais rápido possível, abandonar o prédio com toda a sua companhia, todos devidamente uniformizados e armados, e entrar no primeiro túnel que encontrassem pela frente. Fora identificado um avião de procedência alemã sobrevoando a área.
Seis mil homens começaram a descer em desabalada carreira, atropelando-se nas escadas. Vicente Bezerra decidiu não descer, convidando seu companheiro Antônio Pereira da Silva para fazer o mesmo:
- Com esse tanto de gente descendo, seria impossível chegar lá embaixo antes do ataque. Se tivermos que morrer, nossa vida pertence a Deus. Vamos ficar!
Os dois ficaram observando o avião de asa curta circulando a área do prédio. Momentaneamente, o piloto soltou um "very light".
"Seu" Vicente explica:
- Very light era um tipo de lâmpada muito intensa. Clareou toda a área. Eram aproximadamente 19h30min.
Americanos e brasileiros ligaram os holofotes e iniciaram disparos repetidos contra o aparelho, cujo piloto conseguiu manobrar ainda durante vários minutos, até que finalmente foi abatido, explodiu e caiu no mar.
A BORDO DO GENERAL MEIGS
A viagem de navio entre o Rio de Janeiro e Nápoles, na Itália, demorou 15 dias. Iniciada em 8 de fevereiro de 1945 , somente terminou em no dia 22 de fevereiro de 1945 na costa européia. Diariamente, os combatentes eram submetidos a um exercício para simular o abandono da embarcação em caso de ataque inimigo. O ex-pracinha Vicente Bezerra lembra que a simulação ocorria às 8h pontualmente.
- Era um treinamento da tropa em caso do navio ser bombardeado. Os soldados desciam e pegavam aquelas baleeiras, amarradas ao redor da embarcação maior. Ficávamos do lado de dentro da baleeira, onde haviam também cantil de água doce, para a eventualidade de uma emergência. O sargento dizia "atenção". Nos mantínhamos em posição de sentido para cortar os cabos que prendiam os botes de socorro.
O ex-combatente narra ainda os treinamentos que simulavam o ataque de aviões contra o navio.
- Eram aviões americanos, apenas para que pudéssemos treinar meios de nos defender de um possível ataque inimigo, - relata. - O avião vinha com um balão simulando uma bomba amarrado na traseira e, quando sobrevoava, o oficial mandava os soldados atirarem para acertar o torpedo. Ninguém nunca acertava. Se fosse um ataque real, estaríamos perdidos.
Em Nápoles, os exercícios foram ainda piores. Os aviões soltavam, ao invés de balões, sacos de terra.
- Quando a aeronave passava a gente metia chumbo para tentar conter o ataque. Então, o piloto soltava aquele saco de areia. Muitas vezes, caía no meio da gente. Se fosse de verdade, também não escapava ninguém. No revide, usávamos fuzis M-X. Não dava resultado, só se fosse uma metralhadora antiaérea.
***
O 25º Batalhão de Caçadores foi o palco principal das operações militares em Teresina, juntamente com o QCG da Polícia Militar, à época situado nas imediações da praça Pedro II. A intensa propaganda de guerra comandada pelos Aliados afetou os teresinenses de tal maneira que participar dos combates passou a ser uma questão de honra, principalmente após a criação da FEB (Força Expericionária Brasileira).
Uma realidade, porém, não passou desapercebida aos estudiosos e remanescentes daqueles tempos de empolgação e sentimento cívico: recrutavam-se apenas os filhos dos pobres, ao passo em que eram preservados os rapazes originários das famílias mais abastadas. Recrutas disponíveis para a guerra, no Piauí, portanto, apenas os filhos de estivadores, lavradores, cozinheiras, enfim, dos segmentos que compõem a base da pirâmide social.
- Apenas os pobres que eram convocados - diz D. Maria José, viúva do ex-combatente Jerônimo Aragão. - Quem tivesse uma condiçãozinha melhor era preservado, não ia para a guerra.
Seu esposo está entre os 123 cabos e pracinhas convocados pelo comando da FEB. Apesar de não ter comparecido aos eventos de guerra na Itália, Jerônimo Aragão ficou guarnecendo as praias do litoral carioca, onde eram emergentes os riscos de ataques de submerinos alemães.
Vários navios mercantes brasileiros haviam sido afundados nas próprias águas territoriais do País. De forma que, segundo D. Maria José ou simplesmente "Mazé", "corriam os mesmos riscos".
A afirmação é respaldada pelo depoimento do ex-combatente Jacob José Pereira.De acordo com o septuagenário, existe uma discriminação muito grande em relação aos patriotas piauienses que participaram da 2ª Guerra Mundial.
Essa discriminação explica-se pela total ausência de auto-estima da população do Estado, vez que os ex-combatentes são tratados com desprezo e, quando menos, com deboche. Afinal, qual a razão de tudo isso?
- É simples - explica Jacob. - Quando foram convocados os soldados piauienses para incorporar-se à Força Expediciária Brasileira (FEB) muitos não foram aprovados nos exames da equipe americana.
Prossegue:
- Apenas aqueles que passaram nos testes embarcaram aos campos europeus, enquanto os desaprovados (que não significava total impossibilidade) foram destinados à vigilância das costas marítimas. São os chamados posicionamentos estratégicos.
Dessa forma, ainda segundo "seu" Jacob, estabeleceu-se um tratamento pejorativo aos pracinhas piauienses, onde a premissa principal é de que nenhum deles foi à Itália. Na verdade, 61 participaram direta ou indiretamente da guerra na Europa.
O primeiro grupo, ao qual pertencia o então tenente Antônio de Andrade Poty, lutou na tomada de Monte Castelo. Os demais, integrantes da tropa a que pertencia o pracinha Vicente Bezerra, chegaram a tempo de tomar parte nos combates pela conquista de Montese.
Dois piauienses perderam a vida, muitos ficaram mutilados, entre eles o tenente Poty, hoje general da reserva, e que recebeu medalha por "sangue". Significa ferido em combate.
EX-COMBATENTES ENFRENTAM DESPREZO
Presidente da Associação dos Ex-Combatentes, secção do Piauí, no biênio 1998-99, Luís Ferreira Cardoso, afirma: “Exceto a comunidade militar, o Piauí nada fez por nós. Não temos sequer um lugar decente para nos reunirmos. As lideranças políticas do Estado negam-se a reconhecer a importância que tivemos na luta pela democracia, liberdade, justiça e cidadania. Nos demais Estados da Federação, os ex-combatentes possuem passe livre nos ônibus interestaduais. No Piauí, dispomos apenas da carteira de idoso que nos dá o direito de transitar nos coletivos urbanos de Teresina.”
Oriundo de Itainópolis, o veterano arriscou o ingresso na política. Foi vereador da terra natal entre 1958-62. Logo, porém, desencantou-se e abandonou a vida pública. Para ele, os políticos não passam de “aproveitadores da boa fé alheia”. “Não gostaria de ser comparado com um deles!” – enfatiza.
Antes de juntar-se à FEB, Luís morava em Picos (311 km de Teresina), onde trabalhava como lavrador. Foi, segundo relata, uma decisão pessoal. Apresentou-se ao 25° BC voluntariamente para servir ao País na luta contra a tirania. Enviados para uma terra distante, enfrentaram o rigoroso inverno europeu e combateram, destemidos, o reinado de Adolf Hitler. Recrutados entre os segmentos mais pobres da sociedade, sua participação foi decisiva para a vitória dos Aliados. Dos 123 cabos e pracinhas (entre eles, um 3º sargento e um tenente) recrutados no Piauí, apenas 61 embarcaram para a Itália.
Os demais receberam parecer negativo da junta médica americana sediada no Rio de Janeiro e foram designados à vigilância das praias, onde era sempre iminente o risco de ataques de submarinos alemães.
Depois de atravessar o Oceano Atlântico a bordo do USS General Meigs, os soldados piauienses desembarcaram em Nápoles, a tempo de participar da tomada de Montese. Pertencia, esse grupo, à 10ª Companhia Militar do 25º BC. O embarque se deu às 6 horas de 20 de dezembro de 1944, sendo que chegaram ao Rio em 2 de janeiro de 1945. Só depois, foram à Itália.
O coronel Evilásio Vilanova, comandante da PM, por sua vez, convocou 150 policiais militares para cobrir a área que vai das Ilhas Canárias ao Cajueiro, antigo povoado da Amarração - hoje município de Luiz Correia.
Fazia-se urgente a necessidade de enviar tropas para o litoral piauiense a fim de guarnecer a área contra prováveis ataques nazistas. Explica-se: num prazo de apenas 48 horas, quatro navios brasileiros tinham sido afundados por submarinos germânicos nas costas nordestinas, mais especificamente de Sergipe.
No dia 16 de agosto, o vapor Aníbal Benevolo foi torpedeado e afundado pelo submarino alemão U-507. No dia 17, os vapores Itajiba, Araras e Araraquara foram igualmente torpedeados e afundados pelos alemães na mesma área.
Um submarino alemão havia bombardeado o navio brasileiro "Butiá", cujo casco permanece até os dias atuais nas Canárias. Existia, ainda, a suspeita de que a Ilha do Arame, situada em águas piauienses, estaria sendo usada pelos alemães como base de operações na área.
Inexistiam contingentes no 25° BC para vigiar e proteger o litoral. A saída encontrada por Vilanova foi enviar policiais militares.
Os personagens que tomaram parte nesses eventos de fundamental importância histórica, infelizmente foram transformados, ao longo das últimas cinco décadas, em meros figurantes. Não possuem sequer um local digno para se reunir.
Os encontros ocorreram durante muito tempo numa área do 25º BC que, antigamente, era destinada à estrebaria - onde se guardavam animais das tropas de cavalaria. Mesas, cadeiras, documentos e fotos amarelecidas amontoavam-se no espaço ínfimo de pouco mais de 6m².
Para completar, sua militância na 2ª Guerra é apenas parte da história, aliás, desconhecida pelos mais jovens.
- Num desfile comemorativo ao 7 de Setembro, um grupo de estudantes achou que o distintivo da FEB era algo como tropas de combate à "febre amarela", - diz o septuagenário Jacob José Pereira, um dos 62 que foram destinados à vigilância litorânea nas praias fluminenses.
O presidente da Associação dos Ex-Combatentes, secção do Piauí (biênio 1996-97), Lucas Gonzaga da Silva, observa que é a única entidade que, no Brasil, não possui sede própria. Ele conta que, em 1995, a associação esteve sediada num imóvel custeado por empresários e pertencente ao Grupo Jelta.
O elevado estado de deterioração física do prédio e o fato de ter sido solicitado pelo proprietários, fez com que pedissem ao então comandante do 25º BC, Myra de Morais, um espaço temporário para que guardassem os pertences e pudessem se reunir como de hábito.
Falaram, então, com o governador Francisco Moraes Souza (Mão Santa), que cedeu uma sala no Palácio Pirajá, mas suas dimensões não atendiam às necessidades do grupo. Novo contato com o chefe do Executivo estadual e obtiveram autorização para alugar um imóvel. Infelizmente, há dificuldade para encontrar um local apropriado.
***
O litoral piauiense era bastante visado pelos submarinos alemães. Os estrategistas de Hitler viam na região o local adequado como esconderijo após os ataques às embarcações brasileiras nas costas nordestinas. A infinidade de pequenas ilhas e a entrada do rio Parnaíba eram tidas como favoráveis para a estratégia.
Embora não existam provas documentais acerca da afirmação, as autoridades militares piauienses, na época, assim julgavam, alertadas pelo Alto Comando das Forças Armadas. Para agravar ainda mais o temor das autoridades, um navio supostamente alvejado por submarino alemão foi à pique nas Ilhas Canárias, onde o rio Parnaíba desagua no mar.
Apesar da participação efetiva, policiais militares não tiveram seus direitos reconhecidos pela participação no conflito. Pedro Ferreira Lima (que contava 78 anos na época da entrevista, em 1997) nunca conseguiu o reconhecimento como ex-combatente. Recrutado para operações militares no litoral piauiense por determinação do coronel Evilásio Gonçalves Vilanova, arriscou a vida em virtude do iminente perigo de ataque nazista.
Porém, ao requisitar a pensão equivalente ao soldo de um 2° tenente do Exército conferida aos ex-combatentes, encontra portas fechadas e frias argumentações. Desde 1981 que escuta a mesma ladainha: as autoridades alegam não saber quem determinou sua atuação no patrulhamento do litoral juntamente com outros 149 PM's, sob o comando do coronel Benedito Alves da Luz.
Lima lutava pelo amparo da Lei 5.315, de 12 de setembro de 1967 - instituída em plena vigência do regime militar (1964-85) - e conhecida como “a Lei dos Ex-combatentes”. Institui remuneração igual para aqueles que viajaram em navios de guerra, embora não tenham tomado parte na guerra propriamente dita, e para os pracinhas do Exército que fizeram a vigilância da orla marítima no Rio de Janeiro.
“Os policiais militares guarneciam armamentos e explosivos no litoral e não estão na relação dos ex-combatentes por incompetência dos nossos representantes federais. Afinal, tomamos parte nos conflitos, corremos os riscos de uma guerra, na iminência dos ataques alemães” – protesta.
Foram dias tensos para os 150 policiais militares que foram recrutados pela FEB junto ao QCG da PM. Eles patrulharam o trecho litorâneo que compreende o antigo povoado da Amarração, hoje município de Luís Correia, a cidade de Parnaíba e inúmeras pequenas ilhas existentes na região.
Pedro Lima garante possuir declaração assinada pelas autoridades militares da época de que participou dos eventos de guerra. E tem uma série de histórias sobre o período.
“Muita gente que não conhece a história do Brasil diz que o Piauí não teve participação na 2ª Guerra Mundial. Mas o Estado era um setor estratégico em função do rio Parnaíba, à época navegável e que registrava um fluxo muito grande de embarcações, de Parnaíba a Santa Filomena, no extremo Sul. No período da guerra, as águas do rio eram repletas de embarcações. Não havia nenhum controle sobre a entrada de vapores, balsas e lanchas no Parnaíba, a partir do extremo Norte, onde deságua no Atlântico.”
Prossegue Pedro Lima:
“Nas Ilhas Canárias, situadas no exato local onde o rio deságua no mar, autoridades militares colocaram armadilhas prevendo eventuais deslocamentos de submarinos alemães naquela área. O rio Parnaíba passa por detrás da Ilha de Santa Isabel e vai dar no Atlântico. No auge do conflito, um navio denominado Butiá teria sido posto a pique pelos inimigos. O casco da embarcação permanece ancorado nas Ilhas Canárias até hoje.”
Nos três anos em que o Brasil participou do conflito, a movimentação de tropas da PM no litoral piauiense foi intensa:
“Soldados da Polícia Militar do Piauí e do 25° BC foram transportados para guarnecer o navio no litoral. Nessa época, como policial militar, fui incorporado à 2ª Guerra. Alguns, ficaram vigiando a embarcação; outros, guarneciam a faixa litorânea e também a Ilha do Arame. No início, diariamente, a Capitania dos Portos fornecia uma lancha para que houvesse o deslocamento do pessoal em turnos distintos. Lá, permanecemos três anos, de 1942 a 12 de maio de 1945, quando fomos oficialmente informados do fim da guerra.”
ESPIÕES NAZISTAS NO PIAUÍ
Os PM's conseguiram, inclusive, prender espiões nazistas atuando em pleno território do Piauí:
“Durante nossa permanência no litoral, aconteceram muitas coisas inesperadas. Apareceu por lá um sujeito por nome Schultz Wullpah. Era nazista. Trazia consigo a suástica de Hitler tatuado no pescoço. Então, nós o prendemos e o transportamos para Teresina. Ele vivia anotando nomes de gente, sem nenhuma justificativa plausível. Próximo à Estação Ferroviária, uma multidão aguardava o quinta-coluna, querendo linchar. O então comandante do 25° BC nos chamou e disse que não precisaríamos mais levar nazistas para Teresina. Eu perguntei o que fazer e ele disse que lá mesmo deixássemos.”
Um sacerdote alemão que pregava o Evangelho para a tropa não teve a mesma sorte. Flagrado passando informações por meio de telégrafo para o Exército inimigo, foi imediatamente executado.
“Mais adiante prendemos um padre com radiotelegrafia. Chamava-se Franz Schultz Disseram que não era para trazer e nós deixamos lá. Era um quinta-coluna. Nos pregava evangelho, para todo mundo. O padre era alemão. Foi um negócio meio casual a sua descoberta. Nosso comandante encomendou uns peixes cozidos a um pescador da região. À noite, ordenou que fôssemos buscar a comida. A casa do homem ficava bem distante, mata adentro. Para encurtar distância, pegamos um atalho. Quando entramos, mais à frente, escutei a pancada do manipulador, tipo uma cigarra. Era o sistema de radiotelegrafia funcionando, transmitindo, dizendo a quantidade de gente que guarnecia o litoral do Piauí, Maranhão e Ceará, dando toda informação. Este, nós pegamos, prendemos, apresentamos ao comandante. Lá mesmo ele ficou”, enfatiza Pedro Lima.
JORNADA DE INCERTEZAS
Entre 1941 e 1946 Teresina foi literalmente varrida por uma onda de incêndios na periferia. Os incêndios trouxeram muita dor e desespero para a população. Enquanto preparavam os filhos para a jornada incerta na guerra contra o nazi-fascismo, as famílias pobres da periferia da capital estavam às voltas com atentados constantes contra suas residências. Viviam em verdadeiro assombro, com a possibilidade de uma hora para outra, de ficarem sem os escassos bens acumulados ao longo de uma vida de trabalho e sofrimento.
Alguns apontam razões político-partidárias para os constantes atentados contra a pobreza. Outros atribuem à especulação imobiliária.
“Será que o crescimento da cidade não poderia ter sido motivo para a tentativa de expulsão da pobreza para mais longe?” - questiona Alcides Nascimento no ensaio “Lembranças da Cidade Ardente”, publicado na revista Cadernos de Teresina.
Atrativo de populações de outros municípios, sejam do próprio Piauí ou de Estados vizinhos, a capital contava com enorme concentração urbana. À época, a área central já possuía uma certa infraestrutura: rede escolar pública composta de número significativo de prédios espalhados pelos bairros mais próximos do centro; Liceu Piauiense; possuía uma casa de saúde e estava em curso a construção do Hospital Getúlio Vargas; luz elétrica e sistema de abastecimento d`água.
Reforçavam a infraestrutura teresinense da época o bonde a motor, que fazia linha de 3 km entre a Estação Ferroviária e o Rio Parnaíba, ônibus da M. L. Nogueira fazia trajeto regular pela cidade, além do sistema de telefonia automática. As águas do Parnaíba eram repletas de barcaças a vapor, que tornavam Teresina importante entreposto comercial.
O mesmo não se pode dizer dos bairros periféricos, onde residia a população mais pobre. Não dispunham de ruas calçadas, água encanada, luz elétrica ou escolas. Atendimento médico, só de vez em quando, ainda assim quando os moradores aventuravam-se pelo centro. As habitações eram construídas com palha de côco babaçu, matéria-prima abundante na zona rural.
A cidade tinha aproximadamente 40 mil habitantes, dos quais cerca de 25 mil residiam em precárias condições. Extremamente vulnerável, portanto, estava a maioria da população. Levados praticamente à força para o serviço, a maioria dos pracinhas piauienses que serviu durante a 2ª Guerra tinham uma preocupação a mais: ao retornariam, encontrariam suas residências intactas? E os familiares?
Tratava-se de brutal paradoxo. Enquanto estavam sendo treinados para combater a tirania de Hitler, Mussolini e do Império japonês, eram afrontados em seu próprio território por um perverso processo de “limpeza” e “higienização” urbanística.
O estado mental da cidade era de angústia e inquietação. Para se ter uma idéia, as tensões psicológicas e o estado de pânico quase que permanentes da população fizeram aumentar de modo alarmante o número de pacientes no asilo de alienados. O médico-psiquiatra Clidenor Freitas Santos, então diretor, teve que criar novo ambulatório junto ao hospital para atender às consultas. Na análise do próprio Clidenor, "em decorrência desses incêndios, surgiu problema social da maior gravidade".
A situação chegou a um ponto em que tornaram-se comuns cenas de pessoas retirando os pertences de casa e colocando-os no meio da rua. Não se tinha nenhuma dúvida de que os incêndios eram premeditados. Ocorriam diariamente entre 9h30min e 10h, pegando um horário de bastante sol e calor que, aliado aos produtos químicos lançados sobre as coberturas de palha, tornavam a queimação irreversível.
Para completar, ocorriam em três ou quatro pontos da cidade ao mesmo tempo. Atingiam Vermelha, Porenquanto, Matinha, Buraco da Velha, Piçarra, Poti Velho, Barrinha, Mafuá, Baixa da Égua e Cajueiros.
O pesquisador Antônio Vieira e Nascimento Sales obteve depoimentos que atribuem os incêndios à oposição ao governo de Leônidas Melo.
“Era política em cima do Dr. Leônidas, para desorganizar o governo. Ele, o governador, era incapaz de queimar a casa de um pobre” - proclama.
Registraram-se prejuízos, além de morais e econômicos, de perdas em vidas humanas. Morreram crianças, velhos, enfim, muita gente que ficou sem nada morreu do coração.
Tais e trágicas ocorrências serviram, pelo menos, para reforçar o espírito da solidariedade. Logo que de longe avistavam-se os primeiros sinais de fumaça, os sinos da Igreja de São Benedito começavam a repicar insistentemente. De imediato, os estudantes dos colégios São Francisco de Sales (Diocesano) e das Irmãs tinham suas aulas suspensas e acorriam para os locais a fim de ajudar os moradores das “casas de palhas ardentes”.
As famílias humildes eram vítimas, ainda por cima, de terrorismo psicológico. Antes dos incêndios ocorrerem, chegavam avisos através de bilhetes informando que as casas de determinada rua iriam pegar fogo. Ato contínuo, retiravam os pertences, colocando-os sob as árvores. A Zona Sul foi a mais atingida, em bairros como Piçarra e Vermelha.
Os acontecimentos da época modificaram inteiramente o panorama urbanístico da capital. Após os incêndios, a população não quis mais construir casas de palha.
TORTURA POLICIAL
Diante do pesadelo, a polícia mobilizava-se no sentido de identificar e prender os autores. Foi a mais violenta repressão policial já conhecida na história do Piauí. Mais de 200 pessoas foram investigadas na Delegacia de Segurança e Ordem Pública, das quais 35 foram presas e torturadas.
“Homens do povo, a maioria de semi-analfabetos, viram-se espancados, enterrados vivos num festim diabólico de torturas inimagináveis comandado pessoalmente pelo chefe de polícia e que eram praticadas em locais como Ilhotas, Campo de Aviação, Tabuleta, naquela época totalmente desabitados” - relembrou Wall Ferraz (ex-prefeito já falecido) no livro “45 Anos Depois, Tudo que Li, Vi e Ouvi”.
As torturas aconteciam também no Morro do Uruguai. Após algum tempo de intensa repressão, o comandante Vilanova anunciou a descoberta de bombas incendiárias na residência do político José Cândido Ferraz, mais tarde eleito deputado estadual, que foi preso por causa da acusação. Contudo, o Monsenhor Joaquim Ferreira Chaves, historiador, conta que chegou a visitar Ferraz no Quartel da PM e ser recebido pelo coronel Evilásio Vilanova, que lhe mostrou uma bolas de cera.
“Vi que aquilo não tinha nada a ver com incêndio” – diz Monsenhor Chaves.
O cidadão comum perdera inteiramente a liberdade e os direitos. Além de lhe queimarem a moradia, tiraram-lhe também qualquer resquício de dignidade. Muitos cidadãos foram cruelmente assassinados pela polícia apenas por não saber quem incendiava as casas de Teresina.
De forma alguma se poderia estimular o patriotismo da população para participar de uma guerra num outro continente quando no próprio solo piauiense e brasileiro estava o cidadão encarcerado pela ditadura varguista, no Piauí representada por Leônidas Melo. Os recrutamentos ocorreram quase que à força, diante do comportamento paranóico que acometeu a população moradora da periferia de Teresina.
***
Tornaram-se frequentes as manifestações de estudantes das classes mais abastadas em favor do envio de tropas piauienses para a guerra. Por meio de passeatas e atos públicos nas praças e avenidas, demonstravam fervor patriótico, porém ficava só nisso. Ir para o front era atribuição quase que exclusiva da gente simples da periferia e dos municípios do interior do Estado. Filhos de operários, lavradores, estivadores, serviçais, enfim, rapazes pertencentes às classes sociais inferiores eram os primeiros da relação de convocados.
Não existem sobrenomes tradicionais na relação de convocados para a guerra em Teresina. A nobreza da época foi preservada. Cinquenta praças foram incorporados à Força Expedicionária Brasileira (FEB), na capital, a seguir relacionados:
- João Paulino Torres, Pedro Ferreira de Carvalho, Abdias Caetano da Silva, Antônio da Costa Oliveira, Honório Otaviano da Silva, Raimundo Francisco de Sousa, osmar dos Santos Rocha, Lucas Gonzaga da Silva, Luiz Coimbra da Silva, Augusto Lopes da Silva, Simplício Ferreria Soares, João da Cunha Soares, Vicente Bezerra Lima, Francisco Campo Duarte, Sebastião Saturnino, Vicente Alexandrino de Paula, José Ribamar Assunção, Jacob José Pereira, Antônio Lima da Silva, José Desedério dos Santos, Jônatas Fernandes dos Santos, José Bezerra de Araújo, Francisco de Oliveira Santos, Raimundo Manoel dos Santos, Joaquim Carreiro Mouzinho, Antônio Sebastião de Souza, Valdivino Pereira dos Santos, Honório Pereira do Nascimento, José Alves Brandão, Manoel Nonato dos Santos, Pedro Florindo dos Santos, pedro Constâncio da Silva, Francisco Ferreira de Melo, Raimundo Rezende Cavalcante, Luiz Nonato da Silva, Hermínio Antônio da Silva, Vicente Bernardino da Silva, Moacir Sipaúba da Silva, Luiz da Costa Lima, Pedro Ferreira Lima, Boanerge Dias Carneiro, Raimundo de Castro Lima, Raimundo Barbosa Pinheiro, Enéas Patrício da Silva, Antônio José da Costa, Elias Alves de Lima, Pedro Antunes de Abreu e Werneck de Campo Nobre.
HILDA POLICARPO
Poucos registros encontramos acerca da enfermeira picoense Hilda Policarpo, exceto a citação no livro “Picos, os Verdes Anos 50”, de autoria do pesquisador Renato Duarte. Já falecida, a heróina empresta seu nome a uma das ruas da cidade, homenagem dos seus conterrâneos ao espírito aguerrido e patriota. Atuando na área de saúde, não titubeou ao ser chamada para prestar atendimento aos pracinhas brasileiros no palco da guerra, na Europa, abandonando família, amigos, a terra natal, pela incerteza do retorno.
A personalidade marcante de Hilda Policarpo influencia inúmeros conterrâneos. Para qualquer picoense, quando tema é a participação do Piauí na 2ª Guerra, a primeira lembrança que surge é exatamente a da enfermeira. O caráter extremamente machista da época não permitiu que se registrasse com maior riqueza de detalhes a participação da enfermeira no conflito, porém Renato Duarte resgata em sua obra objetivando exatamente corrigir este erro do passado e homenagear a mulher piauiense, desde antes corajosa, e que finalmente agora, cinco décadas depois, segue o exemplo de Policarpo para interagir diretamente na política, na administração, na ocupação de cargos executivos, deixando de lado progressivamente a performance doméstica, da mulher que vive unicamente para o lar, para o marido e para os filhos. Hilda Policarpo, naqueles tempos de provincianismo, era o que se pode chamar de uma libertadora.
A 2ª Guerra Mundial começou a ser planejada logo após a derrota da Alemanha na 1ª Grande Guerra. Hitler servira como cabo e, ferido em combate, regressara cedo do front. Mergulhou no universo dos desvalidos, vítima da recessão econômica imposta contra a Alemanha pelos vencedores. Vagou pelas ruas durante anos como desempregado. Em mente, a obsessão pela retomada dos territórios alemães perdidos para a França e a depuração da raça humana.
O País, durante 15 anos a partir do final da 1ª Grande Guerra (1914-1918), mergulhou na sua pior crise econômica motivada pelo Tratado de Versalhes, que impôs sérias restrições econômicas. No final dos anos 20, a esplêndida oratória do vagabundo encantou os líderes do Partido Nazista, que o admitiram. Adolf Hitler logo destacou-se entre os demais membros da agremiação e ganhou inimigos entre os poderosos da época.
Foi preso, acusado de subservão. Após ser posto em liberdade, manteve a sedução pela palavra e, em 1933, conquistou através do voto direto o cargo de chanceler alemão. O presidente Paul Vön Hindemburg o considerava "apenas um homossexual que, no máximo, chegará a diretor dos Correios". No poder, Hitler acabou com os partidos de esquerda e os sindicatos, censurou meios de comunicação e rompeu com o Tratado de Versalhes.
De 1933 a 1938, a Alemanha construiu fábricas de material bélico, treinou soldados e mobilizou tropas para sua revanche. Hitler juntou a Alemanha, a Itália e o Japão e criou uma nova aliança, o Eixo, que partia do princípio de que a Alemanha precisava de mais espaço para seu desenvolvimento econômico, justificando com isso, a intenção de reconquistar o território perdido na guerra.
Então, em 1938, a Alemanha começou a invasão dos países que estavam ao seu redor: a Áustria, em 1938 e a Tchecoslováquia (República Tcheca e República Eslovaca), em 1939. Em setembro de 1939, quando a Alemanha invadiu a Polônia, a França e a Inglaterra (Aliados) entraram na guerra.
Em menos de um ano, a Alemanha invadira Holanda, Luxemburgo, Dinamarca, Noruega e a maior parte da França. Japão e Itália ajudaram na invasão de alguns países. A Itália invadiu a Albânia e a Somália. Já o Japão não só invadiu a Malásia, Cingapura, Filipinas e outras regiões, como destruiu o principal porto da marinha americana, Pearl Harbor.
Após essa destruição, os Estados Unidos ficaram com apenas três porta-aviões. A guerra se estendeu também à China e ao norte da África. No final do ano de 1941, os Estados Unidos e a Rússia, entraram na guerra ao lado de países aliados, dentre os quais o Brasil. A guerra não tardaria em chegar ao Piauí – da pior forma possível, como em todas as guerras, porque em solo mafrense enfrentava-se uma guerra ainda pior, a saber.
25º (BATALHÃO DE CAÇADORES)
Criado a 2 de janeiro de 1918 como 44º Batalhão de Caçadores, teve como primeiro comandante o capitão Domingos Monteiro. Dois anos depois, passou à denominação atual, sendo comandante na época o major Epaminondas Tebano Barreto.
De 26 de setembro de 1942 a 4 de maio de 1943, comandou o 25º BC o tenente-coronel Fernando Pires Besonchet. De 28 de fevereiro de 1944 a 15 de abril de 1945 - período que marca a participação do Piauí na 2ª Guerra Mundial - foi comandado pelo tenente-coronel Manoel Joaquim Guedes.
Transcrição do Boletim Interno nº 21, de 03/01/45 (CRP):
"XVII - APRESENTAÇÃO DE PRAÇAS - INCLUSÃO
A) - Sejam incluidas no estado efetivo deste Centro e sub-unidades em seguida mencionadas, as praças abaixo, procedentes da 10ª RM (Região Militar), ontem apresentadas - 10ª COMPANHIA - Com procedência do 25º Batalhão de Caçadores (n° de série: 4544 a 4667):
3º Sargento - João Paulino Torres;
Cabos - Aluísio Ribeiro da Costa, José Ferreira Neves, Elias Alvares Lima, José Machado da Silva, Cândido Alves de Castro, Antônio Joaquim Soares Trindade, Almir Ferreira Sobral, José Ribamar Carvalho do Nascimento, Raimundo Magalhães Costa e Carlos Alberto Campelo Maciel;
Soldados - José Bezerra de Araújo, José Cândido Fortes Brito, Werneck de Campos Nobre, Pedro Antunes de Abreu, Sebastião José da Silva, Francisco Alves de Melo, Pedro Ferreira de Carvalho, Antenor José de Carvalho, José Pedrosa Caldas, Manoel Alves de Abreu, Abdias Caetano da Silva, Benedito Vieira dos Santos;
Pedro da Costa Araújo, Raimundo Francisco de Souza, Antônio da Costa Oliveira, Francisco Severino Bezerra, Miguel Cavalcante, Honorio Otaviano da Silva, Francisco Alves da Silva, Omar dos Santos Rocha Yucar Gonzaga da Silva, Luiz Coimbra da Silva, Raimundo Pereira do Nascimento, Augusto Lopes da Silva;
José Alípio Marinho, Simplício Ferreira Soares, José Ribamar Rocha, Raimundo Nonato Lopes, João da Cunha Carvalho, Vicente Bezerra Lima, Francisco Campos Duarte, Alberto Brito, Vicente Alexandrino de Paula, José Ribamar Assunção, Jacó José Pereira, José Barbosa de Abreu, José Pereira dos Santos, João Batista Pereira, Nildo Alves de Souza, Asel Pereira do nascimento, Antônio Lima da Silva, José Morais de Almeida;
Milton da Rocha Soares, Antônio Lase, Antônio Guedes Barbosa, Raimundo Nonato Chaves, João Francisco Pimenta de Araújo, Benedito Alves Frazão, Edmilson Bonfim de Oliveira, Antônio da Silva Feitosa, Francisco de Oliveira Santos I, Raimundo Manoel dos Santos Joaquim Carreiro Mousinho, Francisco Rodrigues da Costa, Raimundo Nonato da Silva I, Aloisio Lobão Veras, Geraldo Magela Aguiar;
Otoniel Carvalho de Souza, Antônio Sebastião de Souza, Valdevino Pereira dos Santos, Wilson Silva, José Antônio de Oliveira, João Pereira da Silva, Honório Pereira do Nascimento, Solon Cardoso de Oliveira, Raimundo Nonato da Costa, Romão Pereira, João Lopes da Silva, Hipólito Pereira, David Batista de Souza, Jaime Facundo dos Santos, Antônio Pereira da Silva, José Alves Brandão, Manoel Nonato dos Santos;
Luiz Gonzaga dos Santos, Erondino Alves de Morais, José Rodrigues dos Santos, José Francisco Campos, Pedro Florindo dos Santos, José Francisco dos Santos, Raimundo Nonato de Araújo, Pedro Cosntâncio da Silva, Francisco das Chagas Ferreira de Melo, Raimundo Rezende Cavalcante, João Félix do Nascimento, Raimundo Nonato Balbino, João Caetano da Silva, Raimundo Nonato Ramos, Luiz Nonato da Silva, Luiz Pereira Quixaba, Hermínio Antônio da Silva, Cornélio Alves Batista;
Francisco Lopes de Assis, José Ribamar, Francisco Bezerra Bonfim, Luiz Cardoso Ferreira, Francisco Alves de Araújo, Vicente Bernardino da Silva, Eduardo Brito Barbosa, Raimundo Nonato da Silva III, Rosendo Souza da Silva, Raimundo Silvestre Gomes, Benedito de Oliveira Batista, Moacir Sipausa da Rocha, Joel Alves Paulino, Valdemar Soares Gomes, Antônio José da Costa, Antônio Souza Rios, Abel Ferreira Lima, Geraldo Ferreira da Silva, Antônio Lopes Magalhães e Francisco Belchior de Aguiar."
MENSAGEM PRESIDENCIAL
Foram à Itália 61 pracinhas piauienses, transportados no navio USS General Meigs sob o comando de Ibá Jubim Meirelles, tendo desembarcado em Nápoles no dia 22 de fevereiro de 1945. Integravam o quinto escalão, que saiu a 8 de fevereiro de 1945 conduzindo um efetivo de 5.082 homens.Na ocasião, o presidente Getúlio Vargas dirigiu, pelo microfone de bordo, as seguintes palavras de despedida à tropa:
- Soldados do Brasil. O presidente da República, sendo acompanhado do ministro da Guerra, vem trazer os votos de feliz viagem. E não podendo fazê-lo pessoalmente, a cada um o faz por meio deste microfone. É sempre uma glória, pela glória e pelo ideal. O governo e o povo do Brasil vos acompanham em espírito na vossa jornada e vos aguarda cobertos de glória.
Estão vivos 38 ex-combatentes piauienses, sendo que os mortos somam 39. Enquanto isso, 47 perderam o contato com a Associação de Ex-Combatentes, fazendo um total de 124 que saíram do Piauí rumo à guerra.
FRENTE A FRENTE COM A INAPTIDÃO
Dos 123 recrutas e oficiais que saíram de Teresina naquele distante 1944, dois foram mortos na Itália. Para muitos, a guerra foi um pesadelo. Para outros, a definição de um novo caminho, marcado notadamente pela religiosidade.
- A proximidade da morte nos fez mais próximos, também, de Deus - define o ex-combatente Vicente Bezerra.
Os soldados piauienses que tomaram parte nos combates da 2ª Guerra Mundial são oriundos de vários municípios do Estado, entre eles Parnaíba, Picos, Floriano, Campo Maior, Oeiras e a própria Teresina, entre outros. A participação do Piauí nos combates que dividiram a história do mundo até hoje é alvo de ironias.
Na verdade, fruto do desencontro de informações. Quando foram convocados, todos saíram da sua terra natal convictos de que iriam para os campos italianos. Passaram pela inspeção médica no HGV (Hospital Getúlio Vargas) e foram considerados aptos para o serviço de guerra.
Só que, ao chegar no Rio de Janeiro, se depararam com uma junta médica bem mais exigente, formada por profissionais norte-americanos. Muitos não foram aprovados nesses novos exames.
Apenas 61 receberam o carimbo de positivo em seus passaportes. Os demais receberam designação para vigiar a costa brasileira. Esses, que ficaram, não sofreram apenas o peso da ironia de seus compatriotas. Também tiveram - muitos ainda têm - dificuldades para efetivarem suas aposentadorias como ex-combatentes.
Foram amparados pela Lei 5.315, de 12 de setembro de 1967, instituída em pleno regime militar e conhecida como "a lei dos ex-combatentes". Esta lei institui remuneração igual para aqueles que viajaram em navios comboiados por navios de guerra, caso semelhante ao dos pracinhas piauienses que fizeram a vigilância da orla marítima carioca.
Dela, se beneficiaram os veteranos Jacob José Pereira, Lucas Gonzaga da Silva e Luís Cardoso. Ao longo de 22 anos eles lutaram para ter seus direitos de ex-combatentes assegurados em lei. Mesmo entre aqueles que não foram à Europa, há os que apresentam sintomas de neuroses, como Luís Cardoso, da Associação dos Ex-Combatentes do Piauí.
Ele embarcou para o Rio de Janeiro em 20 de dezembro de 1944, juntamente com mais 123 companheiros de farda, numa viagem de trem que teria como roteiro Fortaleza (CE), Natal (RN), Recife (PE) e, finalmente, a capital do país, situada no então Estado da Guanabara.
"Seu" Luís Cardoso revela que no embarque das tropas houve desmaios de familiares, muita tensão, uma expectativa de negatividade, o próprio medo que todos sentiam de não mais voltarem. A comoção coletiva deixou os pracinhas sob o impacto do medo.
Mais tarde, sozinhos em terras distantes (mesmo em território nacional), esperando a qualquer momento o bombardeio inimigo, por ar ou mar, muitos não resistiram e caíram em profunda perturbação mental. É o caso do próprio Luís Cardoso, que confessou ter estado, durante muito tempo, sob cuidados médico-psiquiátricos:
- Tínhamos medo de não voltar, víamos o desespero de nossos familiares, a comoção generalizada, prantos, gritos, desmaios. Aquilo alimentou em nosso interior uma espécie de pânico. Foi o suficiente para muitos de nós sofrerem, mais tarde, graves distúrbios psicológicos - revela.
Hoje, "seu" Luís pertence à igreja evangélica "Assembléia de Deus", onde encontram amparo espiritual.
- Pior foram aqueles que estiveram no front, que viram o sangue do inimigo e, não raro, dos próprios companheiros, convivendo lado a lado com a morte - enfatiza.
MORTOS EM COMBATE
Apenas oito soldados piauienses participaram diretamente nos combates na Itália. Dois morreram: Geraldo Elias (São Raimundo Nonato); Manoel Eduardo de Sousa (Jaicós). Este, faleceu enquanto guiava um jeep e passou sobre uma mina inimiga.
Sob o comando do general João Batista Mascarenhas de Moraes, a FEB enviou cinco escalões para o front na Europa. Os piauienses somente seguiram viagem no quinto escalão, já quase no fim da guerra. Nem por isso, deixaram de correr risco de vida. Desde quando saíam de seus lares, para embarcar em transportes militares, podiam a qualquer instante ser alvejados, notadamente em alto mar.
Os quinta-colunas, como eram chamados os espiões nazistas infiltrados principalmente como religiosos, encarregavam-se de transmitir informações aos seus compatriotas nazistas acerca dos embarques e deslocamentos das tropas. No Piauí, foram identificados e presos ou mortos vários espiões a serviço do Exército alemão. Inúmeros navios foram torpedeados na região Nordeste por conta da ação destes agentes inimigos.
A convocação era feita às pressas. O ex-combatente Jônatas Fernandes dos Santos afirma que não havia tempo sequer para oferecer treinamento de combate aos recrutas. Muitos dos que serviram na época não sabiam sequer manusear os fuzis M-X que lhes eram entregues. Para lutar na Itália, os pracinhas brasileiros receberam armamento precário e antiquado que, de imediato, desagradou os militares norte-americanos.
- Os armamentos foram trocados. Até a farda que recebemos no Brasil foi mudada. Era outro tipo de comando. As operações na Europa eram comandadas pelo general Mark Clark.
O fardamento da FEB era inadequado para o rigoroso inverno europeu. Ao desembarcarem em Nápoles, no dia 22 de fevereiro de 1945, os recrutas e oficiais receberam fardas confeccionadas com lã, resistentes ao frio.
No QG de Nápoles, logo que chegaram, os integrantes da FEB foram submetidos a um banho de água morna, porque a temperatura era muito baixa. Quem relata é Vicente Bezerra:
- Quando terminamos de banhar que nos preparamos para vestir a farda, um oficial americano informou que ainda seríamos submetidos a um processo de pulverização. Ficávamos, então, abaixados e eles pulverizavam todo o nosso corpo. Achavam que poderíamos levar algum contágio, pulgas, carrapatos.
Os piauienses ficaram acomodados no Castelo do Conde Cian, genro de Benito Mussolini, dominado pelas forças aliadas e usado como QG. O prédio tinha, conforme relembra "seu" Vicente, "tinha francamente um palmo de rachadura. Mas não caía, porque era muito profunda a cava (baldrame)".
Ao cair da noite, o capitão Mascarenhas, sobrinho do general Mascarenhas de Moraes, comandante da FEB, recebeu a orientação de que deveria, o mais rápido possível, abandonar o prédio com toda a sua companhia, todos devidamente uniformizados e armados, e entrar no primeiro túnel que encontrassem pela frente. Fora identificado um avião de procedência alemã sobrevoando a área.
Seis mil homens começaram a descer em desabalada carreira, atropelando-se nas escadas. Vicente Bezerra decidiu não descer, convidando seu companheiro Antônio Pereira da Silva para fazer o mesmo:
- Com esse tanto de gente descendo, seria impossível chegar lá embaixo antes do ataque. Se tivermos que morrer, nossa vida pertence a Deus. Vamos ficar!
Os dois ficaram observando o avião de asa curta circulando a área do prédio. Momentaneamente, o piloto soltou um "very light".
"Seu" Vicente explica:
- Very light era um tipo de lâmpada muito intensa. Clareou toda a área. Eram aproximadamente 19h30min.
Americanos e brasileiros ligaram os holofotes e iniciaram disparos repetidos contra o aparelho, cujo piloto conseguiu manobrar ainda durante vários minutos, até que finalmente foi abatido, explodiu e caiu no mar.
A BORDO DO GENERAL MEIGS
A viagem de navio entre o Rio de Janeiro e Nápoles, na Itália, demorou 15 dias. Iniciada em 8 de fevereiro de 1945 , somente terminou em no dia 22 de fevereiro de 1945 na costa européia. Diariamente, os combatentes eram submetidos a um exercício para simular o abandono da embarcação em caso de ataque inimigo. O ex-pracinha Vicente Bezerra lembra que a simulação ocorria às 8h pontualmente.
- Era um treinamento da tropa em caso do navio ser bombardeado. Os soldados desciam e pegavam aquelas baleeiras, amarradas ao redor da embarcação maior. Ficávamos do lado de dentro da baleeira, onde haviam também cantil de água doce, para a eventualidade de uma emergência. O sargento dizia "atenção". Nos mantínhamos em posição de sentido para cortar os cabos que prendiam os botes de socorro.
O ex-combatente narra ainda os treinamentos que simulavam o ataque de aviões contra o navio.
- Eram aviões americanos, apenas para que pudéssemos treinar meios de nos defender de um possível ataque inimigo, - relata. - O avião vinha com um balão simulando uma bomba amarrado na traseira e, quando sobrevoava, o oficial mandava os soldados atirarem para acertar o torpedo. Ninguém nunca acertava. Se fosse um ataque real, estaríamos perdidos.
Em Nápoles, os exercícios foram ainda piores. Os aviões soltavam, ao invés de balões, sacos de terra.
- Quando a aeronave passava a gente metia chumbo para tentar conter o ataque. Então, o piloto soltava aquele saco de areia. Muitas vezes, caía no meio da gente. Se fosse de verdade, também não escapava ninguém. No revide, usávamos fuzis M-X. Não dava resultado, só se fosse uma metralhadora antiaérea.
***
O 25º Batalhão de Caçadores foi o palco principal das operações militares em Teresina, juntamente com o QCG da Polícia Militar, à época situado nas imediações da praça Pedro II. A intensa propaganda de guerra comandada pelos Aliados afetou os teresinenses de tal maneira que participar dos combates passou a ser uma questão de honra, principalmente após a criação da FEB (Força Expericionária Brasileira).
Uma realidade, porém, não passou desapercebida aos estudiosos e remanescentes daqueles tempos de empolgação e sentimento cívico: recrutavam-se apenas os filhos dos pobres, ao passo em que eram preservados os rapazes originários das famílias mais abastadas. Recrutas disponíveis para a guerra, no Piauí, portanto, apenas os filhos de estivadores, lavradores, cozinheiras, enfim, dos segmentos que compõem a base da pirâmide social.
- Apenas os pobres que eram convocados - diz D. Maria José, viúva do ex-combatente Jerônimo Aragão. - Quem tivesse uma condiçãozinha melhor era preservado, não ia para a guerra.
Seu esposo está entre os 123 cabos e pracinhas convocados pelo comando da FEB. Apesar de não ter comparecido aos eventos de guerra na Itália, Jerônimo Aragão ficou guarnecendo as praias do litoral carioca, onde eram emergentes os riscos de ataques de submerinos alemães.
Vários navios mercantes brasileiros haviam sido afundados nas próprias águas territoriais do País. De forma que, segundo D. Maria José ou simplesmente "Mazé", "corriam os mesmos riscos".
A afirmação é respaldada pelo depoimento do ex-combatente Jacob José Pereira.De acordo com o septuagenário, existe uma discriminação muito grande em relação aos patriotas piauienses que participaram da 2ª Guerra Mundial.
Essa discriminação explica-se pela total ausência de auto-estima da população do Estado, vez que os ex-combatentes são tratados com desprezo e, quando menos, com deboche. Afinal, qual a razão de tudo isso?
- É simples - explica Jacob. - Quando foram convocados os soldados piauienses para incorporar-se à Força Expediciária Brasileira (FEB) muitos não foram aprovados nos exames da equipe americana.
Prossegue:
- Apenas aqueles que passaram nos testes embarcaram aos campos europeus, enquanto os desaprovados (que não significava total impossibilidade) foram destinados à vigilância das costas marítimas. São os chamados posicionamentos estratégicos.
Dessa forma, ainda segundo "seu" Jacob, estabeleceu-se um tratamento pejorativo aos pracinhas piauienses, onde a premissa principal é de que nenhum deles foi à Itália. Na verdade, 61 participaram direta ou indiretamente da guerra na Europa.
O primeiro grupo, ao qual pertencia o então tenente Antônio de Andrade Poty, lutou na tomada de Monte Castelo. Os demais, integrantes da tropa a que pertencia o pracinha Vicente Bezerra, chegaram a tempo de tomar parte nos combates pela conquista de Montese.
Dois piauienses perderam a vida, muitos ficaram mutilados, entre eles o tenente Poty, hoje general da reserva, e que recebeu medalha por "sangue". Significa ferido em combate.
EX-COMBATENTES ENFRENTAM DESPREZO
Presidente da Associação dos Ex-Combatentes, secção do Piauí, no biênio 1998-99, Luís Ferreira Cardoso, afirma: “Exceto a comunidade militar, o Piauí nada fez por nós. Não temos sequer um lugar decente para nos reunirmos. As lideranças políticas do Estado negam-se a reconhecer a importância que tivemos na luta pela democracia, liberdade, justiça e cidadania. Nos demais Estados da Federação, os ex-combatentes possuem passe livre nos ônibus interestaduais. No Piauí, dispomos apenas da carteira de idoso que nos dá o direito de transitar nos coletivos urbanos de Teresina.”
Oriundo de Itainópolis, o veterano arriscou o ingresso na política. Foi vereador da terra natal entre 1958-62. Logo, porém, desencantou-se e abandonou a vida pública. Para ele, os políticos não passam de “aproveitadores da boa fé alheia”. “Não gostaria de ser comparado com um deles!” – enfatiza.
Antes de juntar-se à FEB, Luís morava em Picos (311 km de Teresina), onde trabalhava como lavrador. Foi, segundo relata, uma decisão pessoal. Apresentou-se ao 25° BC voluntariamente para servir ao País na luta contra a tirania. Enviados para uma terra distante, enfrentaram o rigoroso inverno europeu e combateram, destemidos, o reinado de Adolf Hitler. Recrutados entre os segmentos mais pobres da sociedade, sua participação foi decisiva para a vitória dos Aliados. Dos 123 cabos e pracinhas (entre eles, um 3º sargento e um tenente) recrutados no Piauí, apenas 61 embarcaram para a Itália.
Os demais receberam parecer negativo da junta médica americana sediada no Rio de Janeiro e foram designados à vigilância das praias, onde era sempre iminente o risco de ataques de submarinos alemães.
Depois de atravessar o Oceano Atlântico a bordo do USS General Meigs, os soldados piauienses desembarcaram em Nápoles, a tempo de participar da tomada de Montese. Pertencia, esse grupo, à 10ª Companhia Militar do 25º BC. O embarque se deu às 6 horas de 20 de dezembro de 1944, sendo que chegaram ao Rio em 2 de janeiro de 1945. Só depois, foram à Itália.
O coronel Evilásio Vilanova, comandante da PM, por sua vez, convocou 150 policiais militares para cobrir a área que vai das Ilhas Canárias ao Cajueiro, antigo povoado da Amarração - hoje município de Luiz Correia.
Fazia-se urgente a necessidade de enviar tropas para o litoral piauiense a fim de guarnecer a área contra prováveis ataques nazistas. Explica-se: num prazo de apenas 48 horas, quatro navios brasileiros tinham sido afundados por submarinos germânicos nas costas nordestinas, mais especificamente de Sergipe.
No dia 16 de agosto, o vapor Aníbal Benevolo foi torpedeado e afundado pelo submarino alemão U-507. No dia 17, os vapores Itajiba, Araras e Araraquara foram igualmente torpedeados e afundados pelos alemães na mesma área.
Um submarino alemão havia bombardeado o navio brasileiro "Butiá", cujo casco permanece até os dias atuais nas Canárias. Existia, ainda, a suspeita de que a Ilha do Arame, situada em águas piauienses, estaria sendo usada pelos alemães como base de operações na área.
Inexistiam contingentes no 25° BC para vigiar e proteger o litoral. A saída encontrada por Vilanova foi enviar policiais militares.
Os personagens que tomaram parte nesses eventos de fundamental importância histórica, infelizmente foram transformados, ao longo das últimas cinco décadas, em meros figurantes. Não possuem sequer um local digno para se reunir.
Os encontros ocorreram durante muito tempo numa área do 25º BC que, antigamente, era destinada à estrebaria - onde se guardavam animais das tropas de cavalaria. Mesas, cadeiras, documentos e fotos amarelecidas amontoavam-se no espaço ínfimo de pouco mais de 6m².
Para completar, sua militância na 2ª Guerra é apenas parte da história, aliás, desconhecida pelos mais jovens.
- Num desfile comemorativo ao 7 de Setembro, um grupo de estudantes achou que o distintivo da FEB era algo como tropas de combate à "febre amarela", - diz o septuagenário Jacob José Pereira, um dos 62 que foram destinados à vigilância litorânea nas praias fluminenses.
O presidente da Associação dos Ex-Combatentes, secção do Piauí (biênio 1996-97), Lucas Gonzaga da Silva, observa que é a única entidade que, no Brasil, não possui sede própria. Ele conta que, em 1995, a associação esteve sediada num imóvel custeado por empresários e pertencente ao Grupo Jelta.
O elevado estado de deterioração física do prédio e o fato de ter sido solicitado pelo proprietários, fez com que pedissem ao então comandante do 25º BC, Myra de Morais, um espaço temporário para que guardassem os pertences e pudessem se reunir como de hábito.
Falaram, então, com o governador Francisco Moraes Souza (Mão Santa), que cedeu uma sala no Palácio Pirajá, mas suas dimensões não atendiam às necessidades do grupo. Novo contato com o chefe do Executivo estadual e obtiveram autorização para alugar um imóvel. Infelizmente, há dificuldade para encontrar um local apropriado.
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O litoral piauiense era bastante visado pelos submarinos alemães. Os estrategistas de Hitler viam na região o local adequado como esconderijo após os ataques às embarcações brasileiras nas costas nordestinas. A infinidade de pequenas ilhas e a entrada do rio Parnaíba eram tidas como favoráveis para a estratégia.
Embora não existam provas documentais acerca da afirmação, as autoridades militares piauienses, na época, assim julgavam, alertadas pelo Alto Comando das Forças Armadas. Para agravar ainda mais o temor das autoridades, um navio supostamente alvejado por submarino alemão foi à pique nas Ilhas Canárias, onde o rio Parnaíba desagua no mar.
Apesar da participação efetiva, policiais militares não tiveram seus direitos reconhecidos pela participação no conflito. Pedro Ferreira Lima (que contava 78 anos na época da entrevista, em 1997) nunca conseguiu o reconhecimento como ex-combatente. Recrutado para operações militares no litoral piauiense por determinação do coronel Evilásio Gonçalves Vilanova, arriscou a vida em virtude do iminente perigo de ataque nazista.
Porém, ao requisitar a pensão equivalente ao soldo de um 2° tenente do Exército conferida aos ex-combatentes, encontra portas fechadas e frias argumentações. Desde 1981 que escuta a mesma ladainha: as autoridades alegam não saber quem determinou sua atuação no patrulhamento do litoral juntamente com outros 149 PM's, sob o comando do coronel Benedito Alves da Luz.
Lima lutava pelo amparo da Lei 5.315, de 12 de setembro de 1967 - instituída em plena vigência do regime militar (1964-85) - e conhecida como “a Lei dos Ex-combatentes”. Institui remuneração igual para aqueles que viajaram em navios de guerra, embora não tenham tomado parte na guerra propriamente dita, e para os pracinhas do Exército que fizeram a vigilância da orla marítima no Rio de Janeiro.
“Os policiais militares guarneciam armamentos e explosivos no litoral e não estão na relação dos ex-combatentes por incompetência dos nossos representantes federais. Afinal, tomamos parte nos conflitos, corremos os riscos de uma guerra, na iminência dos ataques alemães” – protesta.
Foram dias tensos para os 150 policiais militares que foram recrutados pela FEB junto ao QCG da PM. Eles patrulharam o trecho litorâneo que compreende o antigo povoado da Amarração, hoje município de Luís Correia, a cidade de Parnaíba e inúmeras pequenas ilhas existentes na região.
Pedro Lima garante possuir declaração assinada pelas autoridades militares da época de que participou dos eventos de guerra. E tem uma série de histórias sobre o período.
“Muita gente que não conhece a história do Brasil diz que o Piauí não teve participação na 2ª Guerra Mundial. Mas o Estado era um setor estratégico em função do rio Parnaíba, à época navegável e que registrava um fluxo muito grande de embarcações, de Parnaíba a Santa Filomena, no extremo Sul. No período da guerra, as águas do rio eram repletas de embarcações. Não havia nenhum controle sobre a entrada de vapores, balsas e lanchas no Parnaíba, a partir do extremo Norte, onde deságua no Atlântico.”
Prossegue Pedro Lima:
“Nas Ilhas Canárias, situadas no exato local onde o rio deságua no mar, autoridades militares colocaram armadilhas prevendo eventuais deslocamentos de submarinos alemães naquela área. O rio Parnaíba passa por detrás da Ilha de Santa Isabel e vai dar no Atlântico. No auge do conflito, um navio denominado Butiá teria sido posto a pique pelos inimigos. O casco da embarcação permanece ancorado nas Ilhas Canárias até hoje.”
Nos três anos em que o Brasil participou do conflito, a movimentação de tropas da PM no litoral piauiense foi intensa:
“Soldados da Polícia Militar do Piauí e do 25° BC foram transportados para guarnecer o navio no litoral. Nessa época, como policial militar, fui incorporado à 2ª Guerra. Alguns, ficaram vigiando a embarcação; outros, guarneciam a faixa litorânea e também a Ilha do Arame. No início, diariamente, a Capitania dos Portos fornecia uma lancha para que houvesse o deslocamento do pessoal em turnos distintos. Lá, permanecemos três anos, de 1942 a 12 de maio de 1945, quando fomos oficialmente informados do fim da guerra.”
ESPIÕES NAZISTAS NO PIAUÍ
Os PM's conseguiram, inclusive, prender espiões nazistas atuando em pleno território do Piauí:
“Durante nossa permanência no litoral, aconteceram muitas coisas inesperadas. Apareceu por lá um sujeito por nome Schultz Wullpah. Era nazista. Trazia consigo a suástica de Hitler tatuado no pescoço. Então, nós o prendemos e o transportamos para Teresina. Ele vivia anotando nomes de gente, sem nenhuma justificativa plausível. Próximo à Estação Ferroviária, uma multidão aguardava o quinta-coluna, querendo linchar. O então comandante do 25° BC nos chamou e disse que não precisaríamos mais levar nazistas para Teresina. Eu perguntei o que fazer e ele disse que lá mesmo deixássemos.”
Um sacerdote alemão que pregava o Evangelho para a tropa não teve a mesma sorte. Flagrado passando informações por meio de telégrafo para o Exército inimigo, foi imediatamente executado.
“Mais adiante prendemos um padre com radiotelegrafia. Chamava-se Franz Schultz Disseram que não era para trazer e nós deixamos lá. Era um quinta-coluna. Nos pregava evangelho, para todo mundo. O padre era alemão. Foi um negócio meio casual a sua descoberta. Nosso comandante encomendou uns peixes cozidos a um pescador da região. À noite, ordenou que fôssemos buscar a comida. A casa do homem ficava bem distante, mata adentro. Para encurtar distância, pegamos um atalho. Quando entramos, mais à frente, escutei a pancada do manipulador, tipo uma cigarra. Era o sistema de radiotelegrafia funcionando, transmitindo, dizendo a quantidade de gente que guarnecia o litoral do Piauí, Maranhão e Ceará, dando toda informação. Este, nós pegamos, prendemos, apresentamos ao comandante. Lá mesmo ele ficou”, enfatiza Pedro Lima.
JORNADA DE INCERTEZAS
Entre 1941 e 1946 Teresina foi literalmente varrida por uma onda de incêndios na periferia. Os incêndios trouxeram muita dor e desespero para a população. Enquanto preparavam os filhos para a jornada incerta na guerra contra o nazi-fascismo, as famílias pobres da periferia da capital estavam às voltas com atentados constantes contra suas residências. Viviam em verdadeiro assombro, com a possibilidade de uma hora para outra, de ficarem sem os escassos bens acumulados ao longo de uma vida de trabalho e sofrimento.
Alguns apontam razões político-partidárias para os constantes atentados contra a pobreza. Outros atribuem à especulação imobiliária.
“Será que o crescimento da cidade não poderia ter sido motivo para a tentativa de expulsão da pobreza para mais longe?” - questiona Alcides Nascimento no ensaio “Lembranças da Cidade Ardente”, publicado na revista Cadernos de Teresina.
Atrativo de populações de outros municípios, sejam do próprio Piauí ou de Estados vizinhos, a capital contava com enorme concentração urbana. À época, a área central já possuía uma certa infraestrutura: rede escolar pública composta de número significativo de prédios espalhados pelos bairros mais próximos do centro; Liceu Piauiense; possuía uma casa de saúde e estava em curso a construção do Hospital Getúlio Vargas; luz elétrica e sistema de abastecimento d`água.
Reforçavam a infraestrutura teresinense da época o bonde a motor, que fazia linha de 3 km entre a Estação Ferroviária e o Rio Parnaíba, ônibus da M. L. Nogueira fazia trajeto regular pela cidade, além do sistema de telefonia automática. As águas do Parnaíba eram repletas de barcaças a vapor, que tornavam Teresina importante entreposto comercial.
O mesmo não se pode dizer dos bairros periféricos, onde residia a população mais pobre. Não dispunham de ruas calçadas, água encanada, luz elétrica ou escolas. Atendimento médico, só de vez em quando, ainda assim quando os moradores aventuravam-se pelo centro. As habitações eram construídas com palha de côco babaçu, matéria-prima abundante na zona rural.
A cidade tinha aproximadamente 40 mil habitantes, dos quais cerca de 25 mil residiam em precárias condições. Extremamente vulnerável, portanto, estava a maioria da população. Levados praticamente à força para o serviço, a maioria dos pracinhas piauienses que serviu durante a 2ª Guerra tinham uma preocupação a mais: ao retornariam, encontrariam suas residências intactas? E os familiares?
Tratava-se de brutal paradoxo. Enquanto estavam sendo treinados para combater a tirania de Hitler, Mussolini e do Império japonês, eram afrontados em seu próprio território por um perverso processo de “limpeza” e “higienização” urbanística.
O estado mental da cidade era de angústia e inquietação. Para se ter uma idéia, as tensões psicológicas e o estado de pânico quase que permanentes da população fizeram aumentar de modo alarmante o número de pacientes no asilo de alienados. O médico-psiquiatra Clidenor Freitas Santos, então diretor, teve que criar novo ambulatório junto ao hospital para atender às consultas. Na análise do próprio Clidenor, "em decorrência desses incêndios, surgiu problema social da maior gravidade".
A situação chegou a um ponto em que tornaram-se comuns cenas de pessoas retirando os pertences de casa e colocando-os no meio da rua. Não se tinha nenhuma dúvida de que os incêndios eram premeditados. Ocorriam diariamente entre 9h30min e 10h, pegando um horário de bastante sol e calor que, aliado aos produtos químicos lançados sobre as coberturas de palha, tornavam a queimação irreversível.
Para completar, ocorriam em três ou quatro pontos da cidade ao mesmo tempo. Atingiam Vermelha, Porenquanto, Matinha, Buraco da Velha, Piçarra, Poti Velho, Barrinha, Mafuá, Baixa da Égua e Cajueiros.
O pesquisador Antônio Vieira e Nascimento Sales obteve depoimentos que atribuem os incêndios à oposição ao governo de Leônidas Melo.
“Era política em cima do Dr. Leônidas, para desorganizar o governo. Ele, o governador, era incapaz de queimar a casa de um pobre” - proclama.
Registraram-se prejuízos, além de morais e econômicos, de perdas em vidas humanas. Morreram crianças, velhos, enfim, muita gente que ficou sem nada morreu do coração.
Tais e trágicas ocorrências serviram, pelo menos, para reforçar o espírito da solidariedade. Logo que de longe avistavam-se os primeiros sinais de fumaça, os sinos da Igreja de São Benedito começavam a repicar insistentemente. De imediato, os estudantes dos colégios São Francisco de Sales (Diocesano) e das Irmãs tinham suas aulas suspensas e acorriam para os locais a fim de ajudar os moradores das “casas de palhas ardentes”.
As famílias humildes eram vítimas, ainda por cima, de terrorismo psicológico. Antes dos incêndios ocorrerem, chegavam avisos através de bilhetes informando que as casas de determinada rua iriam pegar fogo. Ato contínuo, retiravam os pertences, colocando-os sob as árvores. A Zona Sul foi a mais atingida, em bairros como Piçarra e Vermelha.
Os acontecimentos da época modificaram inteiramente o panorama urbanístico da capital. Após os incêndios, a população não quis mais construir casas de palha.
TORTURA POLICIAL
Diante do pesadelo, a polícia mobilizava-se no sentido de identificar e prender os autores. Foi a mais violenta repressão policial já conhecida na história do Piauí. Mais de 200 pessoas foram investigadas na Delegacia de Segurança e Ordem Pública, das quais 35 foram presas e torturadas.
“Homens do povo, a maioria de semi-analfabetos, viram-se espancados, enterrados vivos num festim diabólico de torturas inimagináveis comandado pessoalmente pelo chefe de polícia e que eram praticadas em locais como Ilhotas, Campo de Aviação, Tabuleta, naquela época totalmente desabitados” - relembrou Wall Ferraz (ex-prefeito já falecido) no livro “45 Anos Depois, Tudo que Li, Vi e Ouvi”.
As torturas aconteciam também no Morro do Uruguai. Após algum tempo de intensa repressão, o comandante Vilanova anunciou a descoberta de bombas incendiárias na residência do político José Cândido Ferraz, mais tarde eleito deputado estadual, que foi preso por causa da acusação. Contudo, o Monsenhor Joaquim Ferreira Chaves, historiador, conta que chegou a visitar Ferraz no Quartel da PM e ser recebido pelo coronel Evilásio Vilanova, que lhe mostrou uma bolas de cera.
“Vi que aquilo não tinha nada a ver com incêndio” – diz Monsenhor Chaves.
O cidadão comum perdera inteiramente a liberdade e os direitos. Além de lhe queimarem a moradia, tiraram-lhe também qualquer resquício de dignidade. Muitos cidadãos foram cruelmente assassinados pela polícia apenas por não saber quem incendiava as casas de Teresina.
De forma alguma se poderia estimular o patriotismo da população para participar de uma guerra num outro continente quando no próprio solo piauiense e brasileiro estava o cidadão encarcerado pela ditadura varguista, no Piauí representada por Leônidas Melo. Os recrutamentos ocorreram quase que à força, diante do comportamento paranóico que acometeu a população moradora da periferia de Teresina.
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Tornaram-se frequentes as manifestações de estudantes das classes mais abastadas em favor do envio de tropas piauienses para a guerra. Por meio de passeatas e atos públicos nas praças e avenidas, demonstravam fervor patriótico, porém ficava só nisso. Ir para o front era atribuição quase que exclusiva da gente simples da periferia e dos municípios do interior do Estado. Filhos de operários, lavradores, estivadores, serviçais, enfim, rapazes pertencentes às classes sociais inferiores eram os primeiros da relação de convocados.
Não existem sobrenomes tradicionais na relação de convocados para a guerra em Teresina. A nobreza da época foi preservada. Cinquenta praças foram incorporados à Força Expedicionária Brasileira (FEB), na capital, a seguir relacionados:
- João Paulino Torres, Pedro Ferreira de Carvalho, Abdias Caetano da Silva, Antônio da Costa Oliveira, Honório Otaviano da Silva, Raimundo Francisco de Sousa, osmar dos Santos Rocha, Lucas Gonzaga da Silva, Luiz Coimbra da Silva, Augusto Lopes da Silva, Simplício Ferreria Soares, João da Cunha Soares, Vicente Bezerra Lima, Francisco Campo Duarte, Sebastião Saturnino, Vicente Alexandrino de Paula, José Ribamar Assunção, Jacob José Pereira, Antônio Lima da Silva, José Desedério dos Santos, Jônatas Fernandes dos Santos, José Bezerra de Araújo, Francisco de Oliveira Santos, Raimundo Manoel dos Santos, Joaquim Carreiro Mouzinho, Antônio Sebastião de Souza, Valdivino Pereira dos Santos, Honório Pereira do Nascimento, José Alves Brandão, Manoel Nonato dos Santos, Pedro Florindo dos Santos, pedro Constâncio da Silva, Francisco Ferreira de Melo, Raimundo Rezende Cavalcante, Luiz Nonato da Silva, Hermínio Antônio da Silva, Vicente Bernardino da Silva, Moacir Sipaúba da Silva, Luiz da Costa Lima, Pedro Ferreira Lima, Boanerge Dias Carneiro, Raimundo de Castro Lima, Raimundo Barbosa Pinheiro, Enéas Patrício da Silva, Antônio José da Costa, Elias Alves de Lima, Pedro Antunes de Abreu e Werneck de Campo Nobre.
HILDA POLICARPO
Poucos registros encontramos acerca da enfermeira picoense Hilda Policarpo, exceto a citação no livro “Picos, os Verdes Anos 50”, de autoria do pesquisador Renato Duarte. Já falecida, a heróina empresta seu nome a uma das ruas da cidade, homenagem dos seus conterrâneos ao espírito aguerrido e patriota. Atuando na área de saúde, não titubeou ao ser chamada para prestar atendimento aos pracinhas brasileiros no palco da guerra, na Europa, abandonando família, amigos, a terra natal, pela incerteza do retorno.
A personalidade marcante de Hilda Policarpo influencia inúmeros conterrâneos. Para qualquer picoense, quando tema é a participação do Piauí na 2ª Guerra, a primeira lembrança que surge é exatamente a da enfermeira. O caráter extremamente machista da época não permitiu que se registrasse com maior riqueza de detalhes a participação da enfermeira no conflito, porém Renato Duarte resgata em sua obra objetivando exatamente corrigir este erro do passado e homenagear a mulher piauiense, desde antes corajosa, e que finalmente agora, cinco décadas depois, segue o exemplo de Policarpo para interagir diretamente na política, na administração, na ocupação de cargos executivos, deixando de lado progressivamente a performance doméstica, da mulher que vive unicamente para o lar, para o marido e para os filhos. Hilda Policarpo, naqueles tempos de provincianismo, era o que se pode chamar de uma libertadora.
AS ORIGENS DO CINTURÃO DE PALHA
Teresina convive com casas de palha desde os seus primórdios. Saraiva, ao fundar a cidade em 1852, instalou a Tesouraria Provincial numa construção de palha. As tropas federais se acomodaram primeiro num barracão coberto de palha. Durante a construção da cidade ergueram-se barracões provisórios para a guarda do material e abrigo de pedreiros, carpinteiros, ajudantes, escravos e militares. As choças eram feitas de pau a pique e taipa, com paredes de varas entrecruzadas e barro que tapava os espaços, servindo de reboco. Mesmo as casas de adobo recebiam cobertura de palha.
A existência de grande concentração de babaçu nas margens do rio Parnaíba fornecia a matéria-prima necessária para as primitivas habitações da capital. Além da oferta em larga escala, a palha do babaçu tem a propriedade de amenizar o clima úmido e quente da região.
Na condição de primeira capital planejada do Brasil, Teresina conta inicialmente com grande número de funcionários públicos e autoridades políticas, residentes em casas de melhores condições, mas as casas de tijolos cobertas de telhas não eram suficientes para abrigar a grande quantidade de operários, comerciantes e forasteiros atraídos pela oportunidade em mudar de vida. No final do século 19, uma grande seca se abateu sobre o Nordeste.
Do agreste piauiense e cearense, centenas de milhares de pessoas acorrem para Teresina em busca da proteção social oferecida pelo governo e de um canto para fixar moradia. Surgem com isso inúmeras casas de palha na periferia, de forma desordenada. Não havia nenhuma regra para a construção. As pessoas chegavam, erguiam seus barracos de paredes e cobertura de palha. Moradias que se interligavam e se entrelaçavam, tão próximas umas das outras que muitas vezes não dava para a passagem de uma pessoa.
O Plano Saraiva previu a instalação da área urbana num quadrilátero que vai, em sentido norte a sul, do Largo do Liceu à praça Saraiva, e de leste a oeste, do Alto da Moderação, onde mais tarde seria construída a Igreja de São Benedito, ao Largo da Bandeira, onde fincou-se o marco de fundação. No primeiro século de existência, Teresina sempre possuiu mais casas de palha do que de telha. Havia uma lei provincial com o fim de evitar a superpopulação da cidade. Por isso, era proibido construir-se casas de palha no perímetro central. Os casebres miseráveis se expandiram em direção à periferia. Mas isso não impedia que coexistissem com as construções de alvenaria.
Percebendo a extensão do problema e a dificuldade que traria no futuro próximo, um deputado chamado David Moreira Caldas apresentou na Assembléia Provincial um projeto de lei estabelecendo que anualmente o governo deveria destinar a importância de dois contos de réis para a substituição progressiva das moradas com a cobertura rústica por telheiros. A proposta, é claro, não obteve aprovação. O poder público não dispunha de tanto dinheiro. Por outro lado, até mesmo o governo instalava órgãos públicos em barracões improvisados com aquela cobertura. As tais casinhas não eram atributo exclusivo da pobreza. Mesmo quem tinha algum dinheiro possuía também os seus casebres, com o fim de alugá-los para quem não tinha. Assim, muitos “conjuntos” residenciais da periferia pertenciam às famílias abastadas da capital.
Na região próxima ao rio Poti, onde construiu-se o Hospital Getúlio Vargas, havia predominância de quintas e vacarias. Há poucas residências propriamente ditas, a exemplo do professor Álvaro Freire e do senador Matyas Olímpio, que mantêm moradias no lugar semi-deserto e por isso mesmo considerado um espaço privilegiado, distante da confusão dos casebres e da agitação do centro administrativo e comercial da cidade. De acordo com levantamento realizado pela Interventoria, há quatro mil casas de alvenaria contra 12 mil e 700 de palha. Algum gênio da burocracia local mandou que, ao invés de casas de palha, estas fossem registradas como de madeira, muito provavelmente com receio da imagem que aquele resultado fosse produzir fora do Piauí. “É uma agressão à nossa pobreza. Consideramos a denominação agressiva”, justificou-se ao interventor, que aceitou a desculpa e deixou que os números fossem incorporados ao censo oficial. Mesmo assim, as casas rústicas suplantavam em duas vezes as construções de alvenaria.
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Desde que os incêndios iniciaram toda a população de Teresina, independente do extrato social, vivia em pânico. Podiam acontecer a qualquer momento, sinalizados primeiro pelos sinos da Igreja de São Benedito. Os sacerdotes haviam colocados vigias na torre para dar o sinal, agilizando assim o socorro às vítimas. Nem sempre ágil. As perdas resultavam enormes a cada nova ocorrência, porque a cidade era cercada por um cinturão de miséria e palha.
No ano de 1940, segundo censo oficial, a cidade contava cerca de 35 mil habitantes. Todo o centro era ocupado pelas famílias mais abastadas – herdeiros daqueles que vieram com Saraiva, à época da fundação, ou então que haviam chegado pouco depois, adquirindo seus lotes na chamada área urbana, que compreendia perímetro entre o “Barrocão” (hoje avenida José dos Santos e Silva) e Rua da Glória (hoje Lizandro Nogueira), no sentido sul/norte; e do Alto da Jurubeba, onde se construiu a Igreja de São Benedito, até a avenida Beira Rio (atual Maranhão).
Os espaços para quem chegou depois eram limitados. Os mais pobres não contavam com espaço nenhum. Foram ocupando pedaços de chão de forma violenta e desordenada. Utilizavam-se, na construção dos barracos e choupanas, de tudo o que estivesse à mão, notadamente a palha que havia em abundância.
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Fosse um homem propenso à bebedeira, Leônidas naqueles momentos dramáticos estaria permanentemente embriagado. Mas quanto mais grave a situação, parecia mergulhar mais fundo num estado de calmaria interior. Vez por outra, parecia irromper a fúria de dentro daquela serenidade aparente, mas o governante logo acalmava sua condição humana, passando a pensar e agir como magistrado.
“Teresina foi criada sob o signo da discórdia e da desconfiança”, comenta, servindo-se de um gole de cajuína e oferecendo a bebida ao amigo e assessor Agenor Barbosa de Almeida. Pelo menos até naquele momento ainda se tratavam como amigos. Em pouco tempo, os rumos da discórdia e da desconfiança os tornariam ferrenhos adversários.
No diálogo, falava fluentemente sobre a fundação da capital. Parecia mesmo um profundo conhecedor da história.
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Tão logo assumiu a presidência da província, José Antônio Saraiva esteve em visita à Vila do Poti. Encontro dos rios, lugar propício para seu projeto de unir de unir centro-sul ao litoral, tendo Teresina como entreposto, e Teresina ao principal centro comercial do Meio Norte, a cidade de Caxias (MA). Exceto por um motivo: o encontro de Parnaíba e Poti, onde havia inúmeros habitantes. Vivia permanentemente alagado. Na época chuvosa, as casas ficavam literamente debaixo d’água. Com isso, além do transtorno e das perdas materiais, havia as doenças de veiculação hídrica. Ficou momentaneamente abatido com a constatação. Porém, foi informado de que bem próximo dali havia um altiplano extremamente apropriado ao seu projeto de construir uma nova cidade. Era a Vila Nova do Poti, situada na Chapada do Corisco. O conselheiro constatou ser a Vila do Poti imprópria para a instalação da sede da nova capital. Era sujeita a inundações, conforme Pereira da Costa em “Notícias sobre as comarcas do Piauí”. Ele diz que o lugar, insalubre, é mal situado e sujeito a inundações nos invernos rigorosos. Quando as águas baixam, levam consigo casas, inutilizam lavouras e deixam “intermitentes e paludosas”.
A Vila do Poti foi criada em 15 de setembro de 1827, originalmente com o nome de Barra do Poti. Foi desmembrada das freguesias de Campo Maior, Valença e São Gonçalo do Amarante. Foi elevada à categoria de vila em 6 de julho de 1832. A instalação solene ocorreu a 21 de novembro de 1833, feita pelo presidente da Câmara Municipal de Oeiras, Justino José da Silva Moura. Em 18 de agosto de 1831 foi criada a Força Pública da Vila do Poti. Em 1839, o lugar alcançou o ápice do seu desenvolvimento. A decadência começou com a invasão dos Balaios, cujo movimento contra o alistamento obrigatório atingiu as províncias do Piauí e Maranhão, que se confrontaram com as forças militares e Sua Majestade.
Havia muitas mortes por conta das doenças provocadas pelos alagamentos constantes. O Governo Central determinou a mudança da Vila do Poti em 29 de novembro de 1842, através da Lei n° 140. Os potienses não promoveram a mudança autorizada, porém a lei não foi revogada. E foi exatamente em função dela que o presidente José Antônio Saraiva convenceu os potienses a implantarem a povoação em um outro local, à distância de seis quilômetros, conhecido como Chapada do Corisco. Mais: ele prometeu que o lugar sediaria a nova capital da província. Os potienses ficaram animados com a garantia e disseram ao presidente: “Conte conosco”. Para convencê-los, Saraiva utilizou sua vibrante oratória, que mesclava a ousadia da juventude com a vasta cultura adquirida e experiência político-administrativa obtida em missões anteriores.
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Oeiras, no semi-árido, era longe de tudo. Desde o século XVIII que se buscava uma alternativa para tirar a província do atraso em que se encontrava - a localização da capital, em pleno sertão, era considerado um impedimento para o desenvolvimento sócio-econômico e cultural do Piauí. Todas as tentativas neste sentido eram imediatamente barradas na própria capital. Principalmente após a independência, com a ascensão ao poder de Manoel de Sousa Martins, o Visconde da Parnaíba. Tirânico, governou durante 20 anos. Sua queda foi provocada por revoltada que provocaram muitas perdas em vidas humanas, gerando, por consegüinte, grande comoção social.
Para evitar a distorção acerca dos reais objetivos da transferência, Saraiva notificou Sua Majestade, o imperador D. Pedro II, apenas após o ato consumado. E o fez com um afago estratégico: a nova capital levaria o nome da imperatriz, Teresa Cristina. Mesmo determinado, enfrentou dissabores. Um deles foi foi quando os opositores da causa mudancista enviaram ao imperador uma amostra da água barrenta do rio Parnaíba. Argumentaram: “A água é de péssima qualidade, recomenda-se que a transferência seja abortada”. D. Pedro, ao experimentar o líquido, teria pronunciado (conforme Tito Filho): “Nunca, em toda a minha, experimentei água tão saborosa”.
Os oeirenses apelaram, então, para outra tática: despacharam informe notificando o governo central de que a Chapada do Corisco, onde já se estava construindo a nova capital, era sujeita a constantes alagamentos no período invernoso. Mais uma vez, o imperador esnobou a investida: “Isso não deve acontecer sempre. Afinal, o Nordeste caracteriza-se pelas suas constantes secas”.
Os oeirenses não aceitavam de forma alguma a transferência da capital para a Chapada do Corisco. Tentaram influenciar o imperador a negar autorização para Saraiva fazer a mudança. Competente estrategista, o presidente da província decidiu batizar a nova capital com o nome da imperatriz Teresa Cristina. Seus adversários de Oeiras não desistiram e resolveram boicotar a mudança. Saraiva não vacilou: colocou o cofre do governo numa carroça, reuniu a guarda e os funcionários e rumou para a nova sede do poder. Os oeirenses, revoltados, não tiveram outra alternativa a não ser seguir o cofre do dinheiro.
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Denunciar, através da imprensa, o beneficiamento de “amigos” do presidente da província. Segundo os opositores, a proposta de mudança escondia um poderoso esquema de corrupção liderado pelo próprio Saraiva em parceria com o fazendeiro e construtor João Isidório França. As críticas se faziam mais severas por meio do “Eco Liberal”, periódico publicado pelo jornalista Tibério César Burlamaqui, um dos grandes de Oeiras, que alegava não querer morder, porém denunciava “interesses escusos” na transferência da capital para a Chapada do Corisco. “Tais interesses beneficiariam diretamente o fazendeiro e construtor João Isidório França, amigo do presidente e um dos homens mais ricos da província”, assinala Burlamaqui.
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Na década de 1940, a maioria dos moradores da periferia é migrante. Eles vêm das mais diferentes cidades e localidades rurais do Piauí e até de outros Estados, como Ceará, Maranhão e Pará. Chegam pela Rua dos Viajantes, ou pela estrada federal que situa-se além do rio Poti. Para alguns, a trajetória rumo ao próprio barraco inicia na casa de um amigo ou parente, até que consiga se desfazer completamente dos poucos bens deixados no meio rural ou nas cidades menores, de onde eles vêm. Para outros, o primeiro abrigo é debaixo de alguma árvore frondosa, onde armam sua trempe e estendem suas redes e esteiras, fazendo as necessidades em redor, nas imediações. Não há qualquer amparo social para estes desvalidos, quando muito a esmola de algum rico generoso ou a perseguição policial, esta mais em voga nos dias que correm.
Seu deslocamento é constante na busca de um espaço ideal para fixar-se. Tem como destino um lugar distante dos núcleos urbanos, porque não há programa de incentivo à habitação popular. As construções de alvenaria estão concentradas na cidade projetada um século e meio atrás, de área bastante limitada para a grande migração registrada a partir do início deste século 20. Nos primeiros anos, durante a gestão de Arlindo Francisco Nogueira, começaram os serviços de abastecimento d'água da capital. O sistema de iluminação seria implantado apenas uma década depois, na administração do governador Miguel de Paiva Rosa.
As pessoas querem morar em Teresina alegando que a cidade dispõe de melhores condições de infraestrutura e saneamento. Não sabem o que as espera até chegar à capital, onde deparam-se com uma verdadeira "cidade de palha", em que a média é de três casas de palha para uma de alvenaria. A migração explodiu a partir dos anos 20 com João Luiz Ferreira no poder. Político de rara projeção, engenheiro civil e consciente da necessidade de ligar Teresina a outros centros do país, iniciou o processo de construção de estradas de rodagem. Antes, eram apenas as veredas estreitas, ao longo das quais aglutinavam-se bandos de malfazejos à espera dos viajantes desavisados. A partir de então, os demais governantes ocuparam-se em ampliar a rede de rodovias estaduais.
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O professor aposentado Joaquim Ribeiro Magalhães, 78 anos na data em que foi entrevistado pelo autor, chegou em Teresina na década de 40 e testemunhou grande parte das transformações verificadas na cidade ao longo desses mais de sessenta anos. Segundo ele, quem visse o coronel não imaginaria, por trás daquela aparência civilizada, o sádico que ele realmente era. Os incêndios eram um acontecimento de causar dó, até porque era um fato por demais próximo da maioria da população. Segundo Magalhães, a capital não tinha subúrbio. “O bairro Vermelha era pouco habitado, o Porenquanto era a primeira passagem de carros vindos de outras cidades do Norte. Então, o que nós tínhamos eram ruas centrais, como São Pedro, Félix Pacheco, que naquele tempo se chamava São José, Olavo Bilac, que era chamada de Santo Antônio, todo esse espaço era preenchido por casas de palha; até próximo da Praça Saraiva, havia casas de palha”, relembra o professor.
Algumas eram bem servidas, com paredes altas, portas trabalhadas e apresentando condições de moradia. Os proprietários alegavam que a cobertura de palha era uma proteção para o calor intenso da cidade, mais forte entre os meses de agosto e dezembro, quando acontecia a maior parte dos incêndios. Produzir telhas em Teresina nunca foi difícil. O bairro Poti Velho é o maior exemplo disso, onde a produção é intensa atualmente. Na época havia, mas em menor escala.
Sotero Vaz da Silveira, ex-governador do Piauí, residia numa casa de excelentes condições, construída com madeira de qualidade e dispondo de mobiliário também de elevado nível. No entanto, a cobertura era de palha. Era situada na região central. Assim era a maioria das casas na capital piauiense nas primeiras décadas do século XX.
“Quando o fogo pegava, as pessoas diziam que ‘na rua do Cajueiro foram incendiadas cem casas’. Na verdade, só foi uma, essa tendo passado para as outras 99, porque eram todas emendadas uma na outra”, enfatiza Magalhães. “Era desse jeito que o fogo atingia todo um quarteirão. Às vezes o vento levava para o lado oposto, queimando outras 50 ou 60 casas. Ninguém via o céu, só aquela fumaça amarelada e cinzenta.”
Evilásio Gonçalves Vilanova, segundo ele, era uma figura comum. Tinha estatura média, traços fisionômicos simpáticos, ligeiramente calvo e que conseguia transmitir, à primeira vista, uma impressão positiva. Tinha um sarcasmo muito grande ao falar. A característica se manifestava mais fortemente quando estava interrogando alguém importante.
Mantinha uma vigilância acentuada sobre toda a sociedade teresinense, não escapando nenhum comentário que se fizesse contra a administração de Leônidas. Seus “olhos” e “ouvidos” estavam em todos os lugares através dos “secretas” que se posicionavam em lugares estratégicos, como Bar Carvalho e Café Avenida.
A existência de grande concentração de babaçu nas margens do rio Parnaíba fornecia a matéria-prima necessária para as primitivas habitações da capital. Além da oferta em larga escala, a palha do babaçu tem a propriedade de amenizar o clima úmido e quente da região.
Na condição de primeira capital planejada do Brasil, Teresina conta inicialmente com grande número de funcionários públicos e autoridades políticas, residentes em casas de melhores condições, mas as casas de tijolos cobertas de telhas não eram suficientes para abrigar a grande quantidade de operários, comerciantes e forasteiros atraídos pela oportunidade em mudar de vida. No final do século 19, uma grande seca se abateu sobre o Nordeste.
Do agreste piauiense e cearense, centenas de milhares de pessoas acorrem para Teresina em busca da proteção social oferecida pelo governo e de um canto para fixar moradia. Surgem com isso inúmeras casas de palha na periferia, de forma desordenada. Não havia nenhuma regra para a construção. As pessoas chegavam, erguiam seus barracos de paredes e cobertura de palha. Moradias que se interligavam e se entrelaçavam, tão próximas umas das outras que muitas vezes não dava para a passagem de uma pessoa.
O Plano Saraiva previu a instalação da área urbana num quadrilátero que vai, em sentido norte a sul, do Largo do Liceu à praça Saraiva, e de leste a oeste, do Alto da Moderação, onde mais tarde seria construída a Igreja de São Benedito, ao Largo da Bandeira, onde fincou-se o marco de fundação. No primeiro século de existência, Teresina sempre possuiu mais casas de palha do que de telha. Havia uma lei provincial com o fim de evitar a superpopulação da cidade. Por isso, era proibido construir-se casas de palha no perímetro central. Os casebres miseráveis se expandiram em direção à periferia. Mas isso não impedia que coexistissem com as construções de alvenaria.
Percebendo a extensão do problema e a dificuldade que traria no futuro próximo, um deputado chamado David Moreira Caldas apresentou na Assembléia Provincial um projeto de lei estabelecendo que anualmente o governo deveria destinar a importância de dois contos de réis para a substituição progressiva das moradas com a cobertura rústica por telheiros. A proposta, é claro, não obteve aprovação. O poder público não dispunha de tanto dinheiro. Por outro lado, até mesmo o governo instalava órgãos públicos em barracões improvisados com aquela cobertura. As tais casinhas não eram atributo exclusivo da pobreza. Mesmo quem tinha algum dinheiro possuía também os seus casebres, com o fim de alugá-los para quem não tinha. Assim, muitos “conjuntos” residenciais da periferia pertenciam às famílias abastadas da capital.
Na região próxima ao rio Poti, onde construiu-se o Hospital Getúlio Vargas, havia predominância de quintas e vacarias. Há poucas residências propriamente ditas, a exemplo do professor Álvaro Freire e do senador Matyas Olímpio, que mantêm moradias no lugar semi-deserto e por isso mesmo considerado um espaço privilegiado, distante da confusão dos casebres e da agitação do centro administrativo e comercial da cidade. De acordo com levantamento realizado pela Interventoria, há quatro mil casas de alvenaria contra 12 mil e 700 de palha. Algum gênio da burocracia local mandou que, ao invés de casas de palha, estas fossem registradas como de madeira, muito provavelmente com receio da imagem que aquele resultado fosse produzir fora do Piauí. “É uma agressão à nossa pobreza. Consideramos a denominação agressiva”, justificou-se ao interventor, que aceitou a desculpa e deixou que os números fossem incorporados ao censo oficial. Mesmo assim, as casas rústicas suplantavam em duas vezes as construções de alvenaria.
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Desde que os incêndios iniciaram toda a população de Teresina, independente do extrato social, vivia em pânico. Podiam acontecer a qualquer momento, sinalizados primeiro pelos sinos da Igreja de São Benedito. Os sacerdotes haviam colocados vigias na torre para dar o sinal, agilizando assim o socorro às vítimas. Nem sempre ágil. As perdas resultavam enormes a cada nova ocorrência, porque a cidade era cercada por um cinturão de miséria e palha.
No ano de 1940, segundo censo oficial, a cidade contava cerca de 35 mil habitantes. Todo o centro era ocupado pelas famílias mais abastadas – herdeiros daqueles que vieram com Saraiva, à época da fundação, ou então que haviam chegado pouco depois, adquirindo seus lotes na chamada área urbana, que compreendia perímetro entre o “Barrocão” (hoje avenida José dos Santos e Silva) e Rua da Glória (hoje Lizandro Nogueira), no sentido sul/norte; e do Alto da Jurubeba, onde se construiu a Igreja de São Benedito, até a avenida Beira Rio (atual Maranhão).
Os espaços para quem chegou depois eram limitados. Os mais pobres não contavam com espaço nenhum. Foram ocupando pedaços de chão de forma violenta e desordenada. Utilizavam-se, na construção dos barracos e choupanas, de tudo o que estivesse à mão, notadamente a palha que havia em abundância.
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Fosse um homem propenso à bebedeira, Leônidas naqueles momentos dramáticos estaria permanentemente embriagado. Mas quanto mais grave a situação, parecia mergulhar mais fundo num estado de calmaria interior. Vez por outra, parecia irromper a fúria de dentro daquela serenidade aparente, mas o governante logo acalmava sua condição humana, passando a pensar e agir como magistrado.
“Teresina foi criada sob o signo da discórdia e da desconfiança”, comenta, servindo-se de um gole de cajuína e oferecendo a bebida ao amigo e assessor Agenor Barbosa de Almeida. Pelo menos até naquele momento ainda se tratavam como amigos. Em pouco tempo, os rumos da discórdia e da desconfiança os tornariam ferrenhos adversários.
No diálogo, falava fluentemente sobre a fundação da capital. Parecia mesmo um profundo conhecedor da história.
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Tão logo assumiu a presidência da província, José Antônio Saraiva esteve em visita à Vila do Poti. Encontro dos rios, lugar propício para seu projeto de unir de unir centro-sul ao litoral, tendo Teresina como entreposto, e Teresina ao principal centro comercial do Meio Norte, a cidade de Caxias (MA). Exceto por um motivo: o encontro de Parnaíba e Poti, onde havia inúmeros habitantes. Vivia permanentemente alagado. Na época chuvosa, as casas ficavam literamente debaixo d’água. Com isso, além do transtorno e das perdas materiais, havia as doenças de veiculação hídrica. Ficou momentaneamente abatido com a constatação. Porém, foi informado de que bem próximo dali havia um altiplano extremamente apropriado ao seu projeto de construir uma nova cidade. Era a Vila Nova do Poti, situada na Chapada do Corisco. O conselheiro constatou ser a Vila do Poti imprópria para a instalação da sede da nova capital. Era sujeita a inundações, conforme Pereira da Costa em “Notícias sobre as comarcas do Piauí”. Ele diz que o lugar, insalubre, é mal situado e sujeito a inundações nos invernos rigorosos. Quando as águas baixam, levam consigo casas, inutilizam lavouras e deixam “intermitentes e paludosas”.
A Vila do Poti foi criada em 15 de setembro de 1827, originalmente com o nome de Barra do Poti. Foi desmembrada das freguesias de Campo Maior, Valença e São Gonçalo do Amarante. Foi elevada à categoria de vila em 6 de julho de 1832. A instalação solene ocorreu a 21 de novembro de 1833, feita pelo presidente da Câmara Municipal de Oeiras, Justino José da Silva Moura. Em 18 de agosto de 1831 foi criada a Força Pública da Vila do Poti. Em 1839, o lugar alcançou o ápice do seu desenvolvimento. A decadência começou com a invasão dos Balaios, cujo movimento contra o alistamento obrigatório atingiu as províncias do Piauí e Maranhão, que se confrontaram com as forças militares e Sua Majestade.
Havia muitas mortes por conta das doenças provocadas pelos alagamentos constantes. O Governo Central determinou a mudança da Vila do Poti em 29 de novembro de 1842, através da Lei n° 140. Os potienses não promoveram a mudança autorizada, porém a lei não foi revogada. E foi exatamente em função dela que o presidente José Antônio Saraiva convenceu os potienses a implantarem a povoação em um outro local, à distância de seis quilômetros, conhecido como Chapada do Corisco. Mais: ele prometeu que o lugar sediaria a nova capital da província. Os potienses ficaram animados com a garantia e disseram ao presidente: “Conte conosco”. Para convencê-los, Saraiva utilizou sua vibrante oratória, que mesclava a ousadia da juventude com a vasta cultura adquirida e experiência político-administrativa obtida em missões anteriores.
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Oeiras, no semi-árido, era longe de tudo. Desde o século XVIII que se buscava uma alternativa para tirar a província do atraso em que se encontrava - a localização da capital, em pleno sertão, era considerado um impedimento para o desenvolvimento sócio-econômico e cultural do Piauí. Todas as tentativas neste sentido eram imediatamente barradas na própria capital. Principalmente após a independência, com a ascensão ao poder de Manoel de Sousa Martins, o Visconde da Parnaíba. Tirânico, governou durante 20 anos. Sua queda foi provocada por revoltada que provocaram muitas perdas em vidas humanas, gerando, por consegüinte, grande comoção social.
Para evitar a distorção acerca dos reais objetivos da transferência, Saraiva notificou Sua Majestade, o imperador D. Pedro II, apenas após o ato consumado. E o fez com um afago estratégico: a nova capital levaria o nome da imperatriz, Teresa Cristina. Mesmo determinado, enfrentou dissabores. Um deles foi foi quando os opositores da causa mudancista enviaram ao imperador uma amostra da água barrenta do rio Parnaíba. Argumentaram: “A água é de péssima qualidade, recomenda-se que a transferência seja abortada”. D. Pedro, ao experimentar o líquido, teria pronunciado (conforme Tito Filho): “Nunca, em toda a minha, experimentei água tão saborosa”.
Os oeirenses apelaram, então, para outra tática: despacharam informe notificando o governo central de que a Chapada do Corisco, onde já se estava construindo a nova capital, era sujeita a constantes alagamentos no período invernoso. Mais uma vez, o imperador esnobou a investida: “Isso não deve acontecer sempre. Afinal, o Nordeste caracteriza-se pelas suas constantes secas”.
Os oeirenses não aceitavam de forma alguma a transferência da capital para a Chapada do Corisco. Tentaram influenciar o imperador a negar autorização para Saraiva fazer a mudança. Competente estrategista, o presidente da província decidiu batizar a nova capital com o nome da imperatriz Teresa Cristina. Seus adversários de Oeiras não desistiram e resolveram boicotar a mudança. Saraiva não vacilou: colocou o cofre do governo numa carroça, reuniu a guarda e os funcionários e rumou para a nova sede do poder. Os oeirenses, revoltados, não tiveram outra alternativa a não ser seguir o cofre do dinheiro.
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Denunciar, através da imprensa, o beneficiamento de “amigos” do presidente da província. Segundo os opositores, a proposta de mudança escondia um poderoso esquema de corrupção liderado pelo próprio Saraiva em parceria com o fazendeiro e construtor João Isidório França. As críticas se faziam mais severas por meio do “Eco Liberal”, periódico publicado pelo jornalista Tibério César Burlamaqui, um dos grandes de Oeiras, que alegava não querer morder, porém denunciava “interesses escusos” na transferência da capital para a Chapada do Corisco. “Tais interesses beneficiariam diretamente o fazendeiro e construtor João Isidório França, amigo do presidente e um dos homens mais ricos da província”, assinala Burlamaqui.
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Na década de 1940, a maioria dos moradores da periferia é migrante. Eles vêm das mais diferentes cidades e localidades rurais do Piauí e até de outros Estados, como Ceará, Maranhão e Pará. Chegam pela Rua dos Viajantes, ou pela estrada federal que situa-se além do rio Poti. Para alguns, a trajetória rumo ao próprio barraco inicia na casa de um amigo ou parente, até que consiga se desfazer completamente dos poucos bens deixados no meio rural ou nas cidades menores, de onde eles vêm. Para outros, o primeiro abrigo é debaixo de alguma árvore frondosa, onde armam sua trempe e estendem suas redes e esteiras, fazendo as necessidades em redor, nas imediações. Não há qualquer amparo social para estes desvalidos, quando muito a esmola de algum rico generoso ou a perseguição policial, esta mais em voga nos dias que correm.
Seu deslocamento é constante na busca de um espaço ideal para fixar-se. Tem como destino um lugar distante dos núcleos urbanos, porque não há programa de incentivo à habitação popular. As construções de alvenaria estão concentradas na cidade projetada um século e meio atrás, de área bastante limitada para a grande migração registrada a partir do início deste século 20. Nos primeiros anos, durante a gestão de Arlindo Francisco Nogueira, começaram os serviços de abastecimento d'água da capital. O sistema de iluminação seria implantado apenas uma década depois, na administração do governador Miguel de Paiva Rosa.
As pessoas querem morar em Teresina alegando que a cidade dispõe de melhores condições de infraestrutura e saneamento. Não sabem o que as espera até chegar à capital, onde deparam-se com uma verdadeira "cidade de palha", em que a média é de três casas de palha para uma de alvenaria. A migração explodiu a partir dos anos 20 com João Luiz Ferreira no poder. Político de rara projeção, engenheiro civil e consciente da necessidade de ligar Teresina a outros centros do país, iniciou o processo de construção de estradas de rodagem. Antes, eram apenas as veredas estreitas, ao longo das quais aglutinavam-se bandos de malfazejos à espera dos viajantes desavisados. A partir de então, os demais governantes ocuparam-se em ampliar a rede de rodovias estaduais.
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O professor aposentado Joaquim Ribeiro Magalhães, 78 anos na data em que foi entrevistado pelo autor, chegou em Teresina na década de 40 e testemunhou grande parte das transformações verificadas na cidade ao longo desses mais de sessenta anos. Segundo ele, quem visse o coronel não imaginaria, por trás daquela aparência civilizada, o sádico que ele realmente era. Os incêndios eram um acontecimento de causar dó, até porque era um fato por demais próximo da maioria da população. Segundo Magalhães, a capital não tinha subúrbio. “O bairro Vermelha era pouco habitado, o Porenquanto era a primeira passagem de carros vindos de outras cidades do Norte. Então, o que nós tínhamos eram ruas centrais, como São Pedro, Félix Pacheco, que naquele tempo se chamava São José, Olavo Bilac, que era chamada de Santo Antônio, todo esse espaço era preenchido por casas de palha; até próximo da Praça Saraiva, havia casas de palha”, relembra o professor.
Algumas eram bem servidas, com paredes altas, portas trabalhadas e apresentando condições de moradia. Os proprietários alegavam que a cobertura de palha era uma proteção para o calor intenso da cidade, mais forte entre os meses de agosto e dezembro, quando acontecia a maior parte dos incêndios. Produzir telhas em Teresina nunca foi difícil. O bairro Poti Velho é o maior exemplo disso, onde a produção é intensa atualmente. Na época havia, mas em menor escala.
Sotero Vaz da Silveira, ex-governador do Piauí, residia numa casa de excelentes condições, construída com madeira de qualidade e dispondo de mobiliário também de elevado nível. No entanto, a cobertura era de palha. Era situada na região central. Assim era a maioria das casas na capital piauiense nas primeiras décadas do século XX.
“Quando o fogo pegava, as pessoas diziam que ‘na rua do Cajueiro foram incendiadas cem casas’. Na verdade, só foi uma, essa tendo passado para as outras 99, porque eram todas emendadas uma na outra”, enfatiza Magalhães. “Era desse jeito que o fogo atingia todo um quarteirão. Às vezes o vento levava para o lado oposto, queimando outras 50 ou 60 casas. Ninguém via o céu, só aquela fumaça amarelada e cinzenta.”
Evilásio Gonçalves Vilanova, segundo ele, era uma figura comum. Tinha estatura média, traços fisionômicos simpáticos, ligeiramente calvo e que conseguia transmitir, à primeira vista, uma impressão positiva. Tinha um sarcasmo muito grande ao falar. A característica se manifestava mais fortemente quando estava interrogando alguém importante.
Mantinha uma vigilância acentuada sobre toda a sociedade teresinense, não escapando nenhum comentário que se fizesse contra a administração de Leônidas. Seus “olhos” e “ouvidos” estavam em todos os lugares através dos “secretas” que se posicionavam em lugares estratégicos, como Bar Carvalho e Café Avenida.
O CASO DOS DESEMBARGADORES
1 – O ENIGMA DE LEÔNIDAS
Leônidas de Castro Melo é uma espécie de esfinge para a maioria dos seus contemporâneos. Odiado enquanto governante no regime ditatorial do Estado Novo, é hoje cultuado como exemplo de honestidade. O enigma de Leônidas persiste até os dias atuais. Seus admiradores fazem questão de decantar seus rígidos princípios morais e éticos. Os adversários de antigamente dizem fazer justiça à inatacável conduta do homem público. Houve, no entanto, quem discordasse.
Exemplo disso é o juiz Giovanni Vaz da Costa, que entre 1937 e 1940 enviou uma série de expedientes ao então presidente Getúlio Vargas denunciando “arbitrariedes praticadas pelo interventor Leônidas Melo.” Vaz da Costa chegou a publicar um livro, intitulado “Como o Estado Novo atua no Piauí”, com a finalidade de expor suas convicções contra Leônidas, a quem acusa de persegui-lo. O juiz mudou-se para o Rio de Janeiro alegando que havia ameaças contra a sua própria vida da parte do interventor.
Giovanni Vaz da Costa, juiz e ex-secretário da Justiça e da Segurança Pública do Piauí, escreveu o livro intitulado “De como se pratica o Estado Novo no Piauí”, datado de 25 de junho de 1940, em que denuncia ao presidente da República, Getúlio Vargas, que o interventor Leônidas de Castro Melo “desde que assumiu o governo não tem feito senão implantar a oligarquia de sua família e da sua aliada família Gaioso, Almendra e Castelo Branco.”
Elenca alguns fatos que considera realmente comprometedores e que mostra uma faceta de Leônidas que poucos, nos dias atuais, reconhecem, devido à divulgação intensa que se faz sobre os seus requisitos morais e éticos, sobretudo por parte de antigos aliados e beneficiários, que passaram tal concepção para suas gerações futuras e que corresponde ao momento presente.
Giovanni Vaz da Costa questiona, por exemplo, a nomeação do Dr. Francisco Pires de Castro para o cargo de procurador-geral do Estado com a idade de 67 anos.
O Estado adquiriu, por “21 contos de réis”, um terreno do desembargador Ernesto José Baptista, que mede 13 metros e 20 cm de comprimento. O desembargador Ernesto José Baptista é, desde 1931, juiz-efetivo do Tribunal de Apelação do Piauí.
Contratou o Dr. Olavo Alexandrino Correia Lima para exercer as funções de médico do ambulatório de Pediatria com a gratificação mensal de “720 mil réis”. O Dr. Olavo, filho do desembargador Adalberto Correia Lima e cunhado do Dr. Pires Gaioso, presidente do Departamento Administrativo, “é o mesmo feliz jovem esculápio que até bem pouco tempo esteve no Rio no gozo de ilegal e injusta pensão dada pelo governo piauiense.
O Estado comprou, à Castelo & Cia. Ltda, uma Sedan de luxo por “30 contos de réis”. “A referida firma”, diz Vaz da Costa, “não é mais do que uma casa de comércio clandestinamente mantida em Teresina pelo desembargador Manoel Castelo Branco.”
2 – “A ESFINGE”
Na organização pelo Tribunal de Apelação da listra tríplice em que o interventor Leônidas Melo quis influir o seu irmão, juiz Eurípedes de Castro Melo, com assentimento expresso dos familiares do governo local, inclusive dos seus próprios irmãos, teria feito propostas de vantagens em dinheiro e cargos públicos aos desembargadores que tinham de votar na ocasião.
“A aposentadoria compulsória dos desembargadores que vetaram o nome do seu irmão — Simplício de Sousa Mendes, Esmaragdo de Freitas e Arimathéa Tito — e os escandalosos favores que posteriormente, e agora, se dispensaram aos dois desembargadoresque sufragaram o nome do Dr. Eurípedes e a um outro membro da Corte Estadual, que só depois para ela entrou, mas que devia estar a cavalheiro, não condizente com a independência de todo magistrado”, escreve Vaz da Costa.
E segue: “Além destes fatos considerados criminosos e deprimentes, (...) como exemplo a recente nomeação para promotor público de Barras de Antenor de Castro Rêgo, processado por crime de estelionato, processo que pende do juiz de direito de Miguel Alves., como prova uma certidão que aqui junto.”
Prossegue: “A sua prepotência (do interventor) tem especialmente nos últimos tempos alçado colo em vinganças mesquinhas e violências inúteis, reveladoras do desejo de afastar do Piauí os bons e dignos brasileiros que não lêem na cartilha do interventor, da sua família e da pretensa poderosa família Pires, Gaioso, Castelo Branco, haja vista a ameaça de morte que me foi feita, como já narrei à Vossa Excelência, e as prisões e detenções de que foram vítimas há poucos dias em Teresina vários cavalheiros ordeiros e conceituados, tais como o Dr. Vancrílio Gonçalves, coronel Benjamin Monteiro, Sr. Jacob Veloso e outros, sob o pretexto irrisório de conversarem sobre a guerra européia, mas para o fim real de entregarem à polícia exemplares que haviam recebido do folheto contendo o memorial que dirigi à Vossa Excelência.”
Enfatiza o autor: “Em memorial dirigido ao presidente, cumpri o dever de acusar o cidadão que atualmente está investido das funções de governo de meu Estado natal. Acusei, porém, provando as acusações e se o acusado conseguir, numa contraprova, fazer certo que menti e o caluniei, afirmo, pela minha honra, que renunciarei a todos os direitos que tenho no Piauí, entre os quais o Juizado de Direito que o próprio interventor Leônidas Melo não me contesta.”
O interventor o ameaça com inquérito ao Tribunal de Segurança Nacional, mas o juiz não cessa com suas reclamações encaminhadas ao presidente Vargas.
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Sete décadas depois, o presidente do Conselho Estadual de Cultura, professor Manoel Paulo Nunes, relembra os tempos de Leônidas. “Nós vamos falar de uma época em que eu era adolescente, mas já me interessava em participar dos acontecimentos, principalmente dos acontecimentos políticos, porque a minha geração foi uma geração bastante preocupada com o problema político”, diz. “Vivíamos o final da ditadura de Getúlio (Vargas), 1942, 1943, e doutor Leônidas (Melo), apesar de ser uma pessoa de conduta irretocável, ele era um homem de vida privada e de vida pública sem defeitos, era um homem correto, de vida limpa, mas numa ditadura tudo pode ocorrer.”
Ressalta Nunes que “no próprio governo dele houve um ato pelo qual quase ele vai destituído da função, que foi a aposentadoria dos desembargadores Simplício de Souza Mendes, Arimathéa Tito e Esmaragdo de Freitas, depois eleito senador. Então, neste período de ditadura, tudo era possível ocorrer. Porém, no aspecto moral, não há o que se dizer sobre a conduta de Leônidas Melo.”
O professor Joaquim Magalhães também não acredita que Leônidas Melo tenha sido um governante corrupto, mesmo que haja documentos escritos por pessoas de credibilidade. Havia, segundo ele, intensa campanha negativa por parte dos opositores do interventor. “Em minha cidade natal, Piracuruca, ouvi dizer coisas que talvez nem ‘Lampião’ fez quando andava pelo sertão, tendo depois verificado que tudo aquilo eram mentiras políticas. Não tinham nenhum fundamento”, diz.
Magalhães entende que pessoas de alta capacidade intelectual se haviam manifestado contra a ditadura Vargas, “no entanto não podemos escamotear a realidade dos fatos”. Prossegue: “Leônidas, em meu ponto de vista, não foi um homem corrupto, porque naquele tempo era muito fácil falar sobre corrupção, agora difícil era ter o que se roubar no Piauí. Não havia nada, a pobreza era muito grande, o Estado tinha poucos recursos. Leônidas tinha uma conduta moral inatacável, até mesmo por seus adversários.”
De acordo com o professor Magalhães, no governo da ditadura era comum se empregarem parentes e aliados que no interior sustentavam a política de Vargas. “Era uma situação imposta de cima para baixo, do governo federal em relação aos governos estaduais”, complementa. “Então, aquele que não sustentasse os desejos que vinham de cima eram automaticamente demitidos. Ninguém queria ser demitido naquelas alturas, em que já havia compromissos, podendo acontecer até mesmo uma reação mais forte da parte dos adversários”.
Os cargos públicos eram ocupados por lideranças políticas, seus familiares e todos aqueles que batiam palmas para a ditadura Vargas. Isso era visto em todo o território brasileiro e não apenas no Piauí.
3 – DESCONHECIMENTO SOBRE OS ABUSOS?!
O interventor Leônidas Melo, na concepção dos seus contemporâneos, não tinha nenhum conhecimento sobre os abusos que eram praticados na cadeia pública. Para ele, as coisas transcorriam na mais absoluta normalidade, atendo-se exclusivamente aos relatórios da Chefia de Polícia. A realidade era bem outra. “Leônidas não sabia de muitas das facetas de Evilásio, inclusive essa história de espancar e enterrar vivo o suspeito com o fim de fazê-lo confessar de qualquer jeito”, relembra Magalhães. “Isso era feito lá pela Ilhotas, que era o centro de tortura da ditadura no Piauí, onde hoje funciona o CFAP. Era ali que funcionava tudo isso, seja em locais construídos com esse objetivo ou no próprio descampado.”
Magalhães afirma que um amigo chamado Raimundo Nonato Pereira serviu à polícia muitos anos e contava muitas coisas sobre a atuação de Evilásio Vilanova, observando que o coronel tinha uma inteligência muito grande para o mal. “Certa vez, um suspeito foi aprisionado e muito espancado. Gente humilde, filho de uma irmã da lavadeira da casa de doutor Leônidas, conhecida por Zélia”, diz. “Atendendo ao apelo desesperado da irmã, Zélia chegou-se para o doutor Leônidas e pediu que verificasse o caso, porque havia denúncias de que a polícia estava batendo demais no rapaz.”
O interventor afirmou para ela que mandaria fazer uma verificação apurada, no entanto podia garantir previamente que aquilo não passava de intriga da oposição. Os “secretas” de Vilanova tomaram conhecimento antes de que Leônidas mandaria investigar a situação do presídio e correu a contar para o coronel, que imediatamente adotou providências para ludibriar o interventor. Retirou o suspeito da cela, colocou-o num local de difícil acesso e em seu lugar pôs um dos seus policiais fingindo ser o rapaz. O enviado de Leônidas, ao chegar na Chefia de Polícia, procurou por notícias do preso e foi conduzido à cela onde ele supostamente estaria, ali deparando-se com alguém em perfeitas condições. Perguntou se o preso estava sendo maltratado de alguma forma, no que lhe foi respondido que não; que estava sendo muitíssimo bem tratado, tomando café da manhã e fazendo duas refeições por dia.
Este foi um dos tópicos contidos no relatório que Leônidas recebeu, ou seja, de que havia informações distorcidas pelo chefe de polícia para maquiar a realidade do presídio, em que um policial assume o lugar do preso para repassar um equívoco ao interventor. “Ele (Leônidas) trouxe para cá um oficial chamado Evilásio Vilanova a quem deu carta branca para fazer a estruturação dos serviços de segurança, não só da Polícia Civil, como também da Polícia Militar, que era chamada de ‘Força Policial’”, Manoel Paulo Nunes. “Ele reformou o Quartel do Comando Geral de modo a alterar a planta primitiva do prédio, deixando a fachada desigual. A Polícia Civil ele instalou onde atualmente funciona a Secretaria de Segurança do Estado. Ao lado disso, Evilásio era uma pessoa de formação fascista. Isto o harmonizava com o clima de ditadura em que se vivia.”
4 – O OUTRO LADO DO ESTADO NOVO NO PIAUÍ
Com o fim do Estado Novo, muita coisa veio à tona. “A velha cadeia de Teresina, segundo informa um dos seus inquilinos” é o título do artigo publicado em 30 de setembro de 1945 pelo jornal “O Piauí”, de orientação udenista, portanto, de oposição à ditadura getulista. Note-se aqui que Leônidas Melo já não está mais no cargo de interventor, cuja deposição se dera em 9 daquele mês e ano, portanto 21 dias antes. Vilanova, por consegüinte, já não estava mais no comando da Força Policial e da Chefia de Polícia, cargo que deixara bem antes do afastamento do interventor. Há, ainda, a indignação perante as péssimas condições da cadeia pública. “Quem já tiver entrado ou esteja na penitenciária desta cidade não deixará de sentir a impressão dolorosa que se tem quando se lêem as inscrições das masmorras da Idade Média e da época da Revolução Francesa. Cada uma das celas pelo aspecto e falta de higiene evoca os horrores e a miséria física e moral a que ficam relegados os que têm a desdita de penetrar os seus umbrais, afastados do mundo e da sociedade. Perde-se a noção do respeito à individualidade humana, degradadas as criaturas à mais vil condição de alimárias”, escreve o articulista.
Ele prossegue: “O que se observa porém na penitenciária de Teresina é a negação de tudo quanto se tem conseguido no campo da penologia moderna: atormentar, humilhar, degradar (...). A penitenciária de Teresina é o Inferno de Dante, o campo de concentração para todas as vinganças e maldades do Sr. Administrador; aqui ele encontra o pasto para cevar-se em ódios e impulsos humanos. Os elementos de certa representação da sociedade piauiense aqui jogados sem culpa formal com processos soezes e mesquinhos, como criminosos comuns, padecem suplícios sem conta.”
Avançava-se no rumo da redemocratização, cujo processo, contudo, ainda não se tinha consolidado. Nota-se, pelo tom do texto, que bem pior era a situação anterior e que de nada adiantam os esforços do governo de Antônio Leôncio Pereira Ferraz, que alardeia melhoramentos. “Decerto que a título de reclame, o governo menciona as oficinas de sapataria existentes, mas para que o ilustre redator avalie o benefício das tais oficinas, basta que lhe informe que um sapateiro ganha por um par de botinas 2 cruzeiros e 50 centavos e um marceneiro a diária de 1 cruzeiro e 50 centavos. A nossa alimentação é feijão temperado com sebo. Não adianta assistência médica, porque aqui não existe um só remédio. Agora mesmo acabou de falecer, sem assistência, na maior miséria, o infeliz José Grosso, que servia de criado do carcereiro, com a mensalidade de 20 cruzeiros... Publique essas linhas, senhor redator, mas oculte o meu nome, porque do contrário irei para o quarto n° 4, o terror de todos nós que aqui vivemos.”
***
Manchete do dia 30 de setembro de 1945: “Assassinado barbaramente – política de lama e sangue.” Informa o jornal que “culminando as violências praticadas pelas autoridades do Piauí, tombou para sempre, assassinado, o jovem magistrado Dr. Valdinar Serra e Silva, juiz de direito da comarca de Jaicós”. O artigo acusa de maneira direta “a pessoa do Sr. Leônidas Melo, ‘cuja irresponsabilidade responde perante Deus e perante a história pela prática criminosa que ceifa as mais ilustres vidas, inclusive de magistrados altivamente dignos e comprovadamente honestos’, contrariando a assertiva interventorial de que os oposicionistas mentiam a respeito das violências praticadas no infeliz Estado dos incêndios.”
Prossegue: “Publicamos hoje o relato do inominável atentado que roubou a vida ao Dr. Valdinar Serra e Silva.” É acusado pelo assassinato do juiz o escrivão Joaquim Nelito Silveira, acompanhado do irmão Antônio Silveira, do prefeito municipal Benedito Pacheco Júnior e do promotor público José Benedito Coutinho, primo do escrivão.
O jornal informa que o assassinato consumou-se com o apoio moral e intelectual do delegado de polícia, capitão Dirceu Batista de Sousa, “que há muito vem ameaçando de prisão o respectivo juiz.” De acordo com o relato da imprensa, o oficial do registro civil Joaquim Nelito da Silveira desfechou vários tiros contra Valdinar Serra e Silva, atingindo-o na cabeça e determinando a morte quase instantânea, tendo falecido à meia noite do dia 29 de setembro de 1945.
***
Em artigo intitulado “O Piauí por dentro”, datado de 7 de outubro de 1945 e publicado por “O Piauí”, o articulista José Virgílio Rocha afirma: “A propaganda oficial tão custosa aos cofres públicos de há muito tempo trabalhando no sentido de impingir que a administração do Sr. Leônidas Melo trouxe ao Piauí a maior soma possível de benefícios. Para efeito externo e a troco de mentiras oficiais, é ótima a situação do Estado, mas para nós que aqui vivemos, o nosso pobre Piauí nunca esteve em situação tão deplorável como agora.”
Ele prossegue: “A imprevidência administrativa do interventor Leônidas Melo alcançou o máximo. Não obstante a grande alta de preços a que atingiram os nossos produtos de exportação, precárias são as condições do nosso Piauí. É que a dissipação dos dinheiros públicos constitui uma nota característica do governo piauiense, reconhecidamente sem rumo. Não há iniciativa louvável no governo do Sr. Leônidas Melo. Os seus empreendimentos ou são contraproducentes ou extravagantes, haja visto o Hospital Getúlio Vargas, muito além das nossa possibilidades financeiras. Outra prova disso é a construção em andamento de um hotel de luxo que quer transformar o Estado em hoteleiro, e hoteleiro fadado a falir dado às condições do meio.”
Enfatiza que “a nota, porém, mais chocante do governo não está na sua imprevidência administrativa nem na falta de iniciativa. Está no descaso com que o interventor encara certos assuntos de extrema delicadeza. Sabe-se, por exemplo, que fatos gravíssimos têm acontecido na administração do Sr. Leônidas Melo, aqui e alhures, tais como o desfalque de dinheiros públicos, não só na capital como no interior do Estado. Entretanto, as providências que tais casos reclamam dão sempre em nada.”
O autor destas linhas acrescenta que em Picos, “o Sr. Leônidas Melo mandou certa vez abrir um inquérito para apurar a responsabilidade do prefeito Adalberto dos Santos, acusado abertamente de desonestidade administrativa em virtude de estarrecedoras denúncias do acreditado comerciante Sr. Luís Martins dos Santos.” O inquérito, porém, ainda conforme o redator José Virgílio Rocha, “não foi adiante.”
Segue: “Igual sorte teve o recente inquérito a propósito do rumoroso desfalque da Diretoria da Fazenda. As providências para a apuração do crime ficaram a meio caminho. O povo, porém, mantém-se interessado no assunto, como é natural, pois os contribuintes do Fisco, todos aqueles que pagam impostos e que têm obrigação para com o Estado, julgam-se, como é razoável, com o dinheiro que efetivamente lhes assiste... Nenhuma explicação se dá a respeito destes assuntos, que o oficialismo procura manter debaixo do mais rigoroso sigilo. Enquanto acontecem tais coisas, sobremodo lamentáveis, o governo continua a pregar, alto e bom som, que o Piauí está em excelente situação e que é a administrado a contento de todos.”
Finaliza: “E o interventor candidata-se a senador! E o povo que se agüente como puder!”
Leônidas de Castro Melo é uma espécie de esfinge para a maioria dos seus contemporâneos. Odiado enquanto governante no regime ditatorial do Estado Novo, é hoje cultuado como exemplo de honestidade. O enigma de Leônidas persiste até os dias atuais. Seus admiradores fazem questão de decantar seus rígidos princípios morais e éticos. Os adversários de antigamente dizem fazer justiça à inatacável conduta do homem público. Houve, no entanto, quem discordasse.
Exemplo disso é o juiz Giovanni Vaz da Costa, que entre 1937 e 1940 enviou uma série de expedientes ao então presidente Getúlio Vargas denunciando “arbitrariedes praticadas pelo interventor Leônidas Melo.” Vaz da Costa chegou a publicar um livro, intitulado “Como o Estado Novo atua no Piauí”, com a finalidade de expor suas convicções contra Leônidas, a quem acusa de persegui-lo. O juiz mudou-se para o Rio de Janeiro alegando que havia ameaças contra a sua própria vida da parte do interventor.
Giovanni Vaz da Costa, juiz e ex-secretário da Justiça e da Segurança Pública do Piauí, escreveu o livro intitulado “De como se pratica o Estado Novo no Piauí”, datado de 25 de junho de 1940, em que denuncia ao presidente da República, Getúlio Vargas, que o interventor Leônidas de Castro Melo “desde que assumiu o governo não tem feito senão implantar a oligarquia de sua família e da sua aliada família Gaioso, Almendra e Castelo Branco.”
Elenca alguns fatos que considera realmente comprometedores e que mostra uma faceta de Leônidas que poucos, nos dias atuais, reconhecem, devido à divulgação intensa que se faz sobre os seus requisitos morais e éticos, sobretudo por parte de antigos aliados e beneficiários, que passaram tal concepção para suas gerações futuras e que corresponde ao momento presente.
Giovanni Vaz da Costa questiona, por exemplo, a nomeação do Dr. Francisco Pires de Castro para o cargo de procurador-geral do Estado com a idade de 67 anos.
O Estado adquiriu, por “21 contos de réis”, um terreno do desembargador Ernesto José Baptista, que mede 13 metros e 20 cm de comprimento. O desembargador Ernesto José Baptista é, desde 1931, juiz-efetivo do Tribunal de Apelação do Piauí.
Contratou o Dr. Olavo Alexandrino Correia Lima para exercer as funções de médico do ambulatório de Pediatria com a gratificação mensal de “720 mil réis”. O Dr. Olavo, filho do desembargador Adalberto Correia Lima e cunhado do Dr. Pires Gaioso, presidente do Departamento Administrativo, “é o mesmo feliz jovem esculápio que até bem pouco tempo esteve no Rio no gozo de ilegal e injusta pensão dada pelo governo piauiense.
O Estado comprou, à Castelo & Cia. Ltda, uma Sedan de luxo por “30 contos de réis”. “A referida firma”, diz Vaz da Costa, “não é mais do que uma casa de comércio clandestinamente mantida em Teresina pelo desembargador Manoel Castelo Branco.”
2 – “A ESFINGE”
Na organização pelo Tribunal de Apelação da listra tríplice em que o interventor Leônidas Melo quis influir o seu irmão, juiz Eurípedes de Castro Melo, com assentimento expresso dos familiares do governo local, inclusive dos seus próprios irmãos, teria feito propostas de vantagens em dinheiro e cargos públicos aos desembargadores que tinham de votar na ocasião.
“A aposentadoria compulsória dos desembargadores que vetaram o nome do seu irmão — Simplício de Sousa Mendes, Esmaragdo de Freitas e Arimathéa Tito — e os escandalosos favores que posteriormente, e agora, se dispensaram aos dois desembargadoresque sufragaram o nome do Dr. Eurípedes e a um outro membro da Corte Estadual, que só depois para ela entrou, mas que devia estar a cavalheiro, não condizente com a independência de todo magistrado”, escreve Vaz da Costa.
E segue: “Além destes fatos considerados criminosos e deprimentes, (...) como exemplo a recente nomeação para promotor público de Barras de Antenor de Castro Rêgo, processado por crime de estelionato, processo que pende do juiz de direito de Miguel Alves., como prova uma certidão que aqui junto.”
Prossegue: “A sua prepotência (do interventor) tem especialmente nos últimos tempos alçado colo em vinganças mesquinhas e violências inúteis, reveladoras do desejo de afastar do Piauí os bons e dignos brasileiros que não lêem na cartilha do interventor, da sua família e da pretensa poderosa família Pires, Gaioso, Castelo Branco, haja vista a ameaça de morte que me foi feita, como já narrei à Vossa Excelência, e as prisões e detenções de que foram vítimas há poucos dias em Teresina vários cavalheiros ordeiros e conceituados, tais como o Dr. Vancrílio Gonçalves, coronel Benjamin Monteiro, Sr. Jacob Veloso e outros, sob o pretexto irrisório de conversarem sobre a guerra européia, mas para o fim real de entregarem à polícia exemplares que haviam recebido do folheto contendo o memorial que dirigi à Vossa Excelência.”
Enfatiza o autor: “Em memorial dirigido ao presidente, cumpri o dever de acusar o cidadão que atualmente está investido das funções de governo de meu Estado natal. Acusei, porém, provando as acusações e se o acusado conseguir, numa contraprova, fazer certo que menti e o caluniei, afirmo, pela minha honra, que renunciarei a todos os direitos que tenho no Piauí, entre os quais o Juizado de Direito que o próprio interventor Leônidas Melo não me contesta.”
O interventor o ameaça com inquérito ao Tribunal de Segurança Nacional, mas o juiz não cessa com suas reclamações encaminhadas ao presidente Vargas.
***
Sete décadas depois, o presidente do Conselho Estadual de Cultura, professor Manoel Paulo Nunes, relembra os tempos de Leônidas. “Nós vamos falar de uma época em que eu era adolescente, mas já me interessava em participar dos acontecimentos, principalmente dos acontecimentos políticos, porque a minha geração foi uma geração bastante preocupada com o problema político”, diz. “Vivíamos o final da ditadura de Getúlio (Vargas), 1942, 1943, e doutor Leônidas (Melo), apesar de ser uma pessoa de conduta irretocável, ele era um homem de vida privada e de vida pública sem defeitos, era um homem correto, de vida limpa, mas numa ditadura tudo pode ocorrer.”
Ressalta Nunes que “no próprio governo dele houve um ato pelo qual quase ele vai destituído da função, que foi a aposentadoria dos desembargadores Simplício de Souza Mendes, Arimathéa Tito e Esmaragdo de Freitas, depois eleito senador. Então, neste período de ditadura, tudo era possível ocorrer. Porém, no aspecto moral, não há o que se dizer sobre a conduta de Leônidas Melo.”
O professor Joaquim Magalhães também não acredita que Leônidas Melo tenha sido um governante corrupto, mesmo que haja documentos escritos por pessoas de credibilidade. Havia, segundo ele, intensa campanha negativa por parte dos opositores do interventor. “Em minha cidade natal, Piracuruca, ouvi dizer coisas que talvez nem ‘Lampião’ fez quando andava pelo sertão, tendo depois verificado que tudo aquilo eram mentiras políticas. Não tinham nenhum fundamento”, diz.
Magalhães entende que pessoas de alta capacidade intelectual se haviam manifestado contra a ditadura Vargas, “no entanto não podemos escamotear a realidade dos fatos”. Prossegue: “Leônidas, em meu ponto de vista, não foi um homem corrupto, porque naquele tempo era muito fácil falar sobre corrupção, agora difícil era ter o que se roubar no Piauí. Não havia nada, a pobreza era muito grande, o Estado tinha poucos recursos. Leônidas tinha uma conduta moral inatacável, até mesmo por seus adversários.”
De acordo com o professor Magalhães, no governo da ditadura era comum se empregarem parentes e aliados que no interior sustentavam a política de Vargas. “Era uma situação imposta de cima para baixo, do governo federal em relação aos governos estaduais”, complementa. “Então, aquele que não sustentasse os desejos que vinham de cima eram automaticamente demitidos. Ninguém queria ser demitido naquelas alturas, em que já havia compromissos, podendo acontecer até mesmo uma reação mais forte da parte dos adversários”.
Os cargos públicos eram ocupados por lideranças políticas, seus familiares e todos aqueles que batiam palmas para a ditadura Vargas. Isso era visto em todo o território brasileiro e não apenas no Piauí.
3 – DESCONHECIMENTO SOBRE OS ABUSOS?!
O interventor Leônidas Melo, na concepção dos seus contemporâneos, não tinha nenhum conhecimento sobre os abusos que eram praticados na cadeia pública. Para ele, as coisas transcorriam na mais absoluta normalidade, atendo-se exclusivamente aos relatórios da Chefia de Polícia. A realidade era bem outra. “Leônidas não sabia de muitas das facetas de Evilásio, inclusive essa história de espancar e enterrar vivo o suspeito com o fim de fazê-lo confessar de qualquer jeito”, relembra Magalhães. “Isso era feito lá pela Ilhotas, que era o centro de tortura da ditadura no Piauí, onde hoje funciona o CFAP. Era ali que funcionava tudo isso, seja em locais construídos com esse objetivo ou no próprio descampado.”
Magalhães afirma que um amigo chamado Raimundo Nonato Pereira serviu à polícia muitos anos e contava muitas coisas sobre a atuação de Evilásio Vilanova, observando que o coronel tinha uma inteligência muito grande para o mal. “Certa vez, um suspeito foi aprisionado e muito espancado. Gente humilde, filho de uma irmã da lavadeira da casa de doutor Leônidas, conhecida por Zélia”, diz. “Atendendo ao apelo desesperado da irmã, Zélia chegou-se para o doutor Leônidas e pediu que verificasse o caso, porque havia denúncias de que a polícia estava batendo demais no rapaz.”
O interventor afirmou para ela que mandaria fazer uma verificação apurada, no entanto podia garantir previamente que aquilo não passava de intriga da oposição. Os “secretas” de Vilanova tomaram conhecimento antes de que Leônidas mandaria investigar a situação do presídio e correu a contar para o coronel, que imediatamente adotou providências para ludibriar o interventor. Retirou o suspeito da cela, colocou-o num local de difícil acesso e em seu lugar pôs um dos seus policiais fingindo ser o rapaz. O enviado de Leônidas, ao chegar na Chefia de Polícia, procurou por notícias do preso e foi conduzido à cela onde ele supostamente estaria, ali deparando-se com alguém em perfeitas condições. Perguntou se o preso estava sendo maltratado de alguma forma, no que lhe foi respondido que não; que estava sendo muitíssimo bem tratado, tomando café da manhã e fazendo duas refeições por dia.
Este foi um dos tópicos contidos no relatório que Leônidas recebeu, ou seja, de que havia informações distorcidas pelo chefe de polícia para maquiar a realidade do presídio, em que um policial assume o lugar do preso para repassar um equívoco ao interventor. “Ele (Leônidas) trouxe para cá um oficial chamado Evilásio Vilanova a quem deu carta branca para fazer a estruturação dos serviços de segurança, não só da Polícia Civil, como também da Polícia Militar, que era chamada de ‘Força Policial’”, Manoel Paulo Nunes. “Ele reformou o Quartel do Comando Geral de modo a alterar a planta primitiva do prédio, deixando a fachada desigual. A Polícia Civil ele instalou onde atualmente funciona a Secretaria de Segurança do Estado. Ao lado disso, Evilásio era uma pessoa de formação fascista. Isto o harmonizava com o clima de ditadura em que se vivia.”
4 – O OUTRO LADO DO ESTADO NOVO NO PIAUÍ
Com o fim do Estado Novo, muita coisa veio à tona. “A velha cadeia de Teresina, segundo informa um dos seus inquilinos” é o título do artigo publicado em 30 de setembro de 1945 pelo jornal “O Piauí”, de orientação udenista, portanto, de oposição à ditadura getulista. Note-se aqui que Leônidas Melo já não está mais no cargo de interventor, cuja deposição se dera em 9 daquele mês e ano, portanto 21 dias antes. Vilanova, por consegüinte, já não estava mais no comando da Força Policial e da Chefia de Polícia, cargo que deixara bem antes do afastamento do interventor. Há, ainda, a indignação perante as péssimas condições da cadeia pública. “Quem já tiver entrado ou esteja na penitenciária desta cidade não deixará de sentir a impressão dolorosa que se tem quando se lêem as inscrições das masmorras da Idade Média e da época da Revolução Francesa. Cada uma das celas pelo aspecto e falta de higiene evoca os horrores e a miséria física e moral a que ficam relegados os que têm a desdita de penetrar os seus umbrais, afastados do mundo e da sociedade. Perde-se a noção do respeito à individualidade humana, degradadas as criaturas à mais vil condição de alimárias”, escreve o articulista.
Ele prossegue: “O que se observa porém na penitenciária de Teresina é a negação de tudo quanto se tem conseguido no campo da penologia moderna: atormentar, humilhar, degradar (...). A penitenciária de Teresina é o Inferno de Dante, o campo de concentração para todas as vinganças e maldades do Sr. Administrador; aqui ele encontra o pasto para cevar-se em ódios e impulsos humanos. Os elementos de certa representação da sociedade piauiense aqui jogados sem culpa formal com processos soezes e mesquinhos, como criminosos comuns, padecem suplícios sem conta.”
Avançava-se no rumo da redemocratização, cujo processo, contudo, ainda não se tinha consolidado. Nota-se, pelo tom do texto, que bem pior era a situação anterior e que de nada adiantam os esforços do governo de Antônio Leôncio Pereira Ferraz, que alardeia melhoramentos. “Decerto que a título de reclame, o governo menciona as oficinas de sapataria existentes, mas para que o ilustre redator avalie o benefício das tais oficinas, basta que lhe informe que um sapateiro ganha por um par de botinas 2 cruzeiros e 50 centavos e um marceneiro a diária de 1 cruzeiro e 50 centavos. A nossa alimentação é feijão temperado com sebo. Não adianta assistência médica, porque aqui não existe um só remédio. Agora mesmo acabou de falecer, sem assistência, na maior miséria, o infeliz José Grosso, que servia de criado do carcereiro, com a mensalidade de 20 cruzeiros... Publique essas linhas, senhor redator, mas oculte o meu nome, porque do contrário irei para o quarto n° 4, o terror de todos nós que aqui vivemos.”
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Manchete do dia 30 de setembro de 1945: “Assassinado barbaramente – política de lama e sangue.” Informa o jornal que “culminando as violências praticadas pelas autoridades do Piauí, tombou para sempre, assassinado, o jovem magistrado Dr. Valdinar Serra e Silva, juiz de direito da comarca de Jaicós”. O artigo acusa de maneira direta “a pessoa do Sr. Leônidas Melo, ‘cuja irresponsabilidade responde perante Deus e perante a história pela prática criminosa que ceifa as mais ilustres vidas, inclusive de magistrados altivamente dignos e comprovadamente honestos’, contrariando a assertiva interventorial de que os oposicionistas mentiam a respeito das violências praticadas no infeliz Estado dos incêndios.”
Prossegue: “Publicamos hoje o relato do inominável atentado que roubou a vida ao Dr. Valdinar Serra e Silva.” É acusado pelo assassinato do juiz o escrivão Joaquim Nelito Silveira, acompanhado do irmão Antônio Silveira, do prefeito municipal Benedito Pacheco Júnior e do promotor público José Benedito Coutinho, primo do escrivão.
O jornal informa que o assassinato consumou-se com o apoio moral e intelectual do delegado de polícia, capitão Dirceu Batista de Sousa, “que há muito vem ameaçando de prisão o respectivo juiz.” De acordo com o relato da imprensa, o oficial do registro civil Joaquim Nelito da Silveira desfechou vários tiros contra Valdinar Serra e Silva, atingindo-o na cabeça e determinando a morte quase instantânea, tendo falecido à meia noite do dia 29 de setembro de 1945.
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Em artigo intitulado “O Piauí por dentro”, datado de 7 de outubro de 1945 e publicado por “O Piauí”, o articulista José Virgílio Rocha afirma: “A propaganda oficial tão custosa aos cofres públicos de há muito tempo trabalhando no sentido de impingir que a administração do Sr. Leônidas Melo trouxe ao Piauí a maior soma possível de benefícios. Para efeito externo e a troco de mentiras oficiais, é ótima a situação do Estado, mas para nós que aqui vivemos, o nosso pobre Piauí nunca esteve em situação tão deplorável como agora.”
Ele prossegue: “A imprevidência administrativa do interventor Leônidas Melo alcançou o máximo. Não obstante a grande alta de preços a que atingiram os nossos produtos de exportação, precárias são as condições do nosso Piauí. É que a dissipação dos dinheiros públicos constitui uma nota característica do governo piauiense, reconhecidamente sem rumo. Não há iniciativa louvável no governo do Sr. Leônidas Melo. Os seus empreendimentos ou são contraproducentes ou extravagantes, haja visto o Hospital Getúlio Vargas, muito além das nossa possibilidades financeiras. Outra prova disso é a construção em andamento de um hotel de luxo que quer transformar o Estado em hoteleiro, e hoteleiro fadado a falir dado às condições do meio.”
Enfatiza que “a nota, porém, mais chocante do governo não está na sua imprevidência administrativa nem na falta de iniciativa. Está no descaso com que o interventor encara certos assuntos de extrema delicadeza. Sabe-se, por exemplo, que fatos gravíssimos têm acontecido na administração do Sr. Leônidas Melo, aqui e alhures, tais como o desfalque de dinheiros públicos, não só na capital como no interior do Estado. Entretanto, as providências que tais casos reclamam dão sempre em nada.”
O autor destas linhas acrescenta que em Picos, “o Sr. Leônidas Melo mandou certa vez abrir um inquérito para apurar a responsabilidade do prefeito Adalberto dos Santos, acusado abertamente de desonestidade administrativa em virtude de estarrecedoras denúncias do acreditado comerciante Sr. Luís Martins dos Santos.” O inquérito, porém, ainda conforme o redator José Virgílio Rocha, “não foi adiante.”
Segue: “Igual sorte teve o recente inquérito a propósito do rumoroso desfalque da Diretoria da Fazenda. As providências para a apuração do crime ficaram a meio caminho. O povo, porém, mantém-se interessado no assunto, como é natural, pois os contribuintes do Fisco, todos aqueles que pagam impostos e que têm obrigação para com o Estado, julgam-se, como é razoável, com o dinheiro que efetivamente lhes assiste... Nenhuma explicação se dá a respeito destes assuntos, que o oficialismo procura manter debaixo do mais rigoroso sigilo. Enquanto acontecem tais coisas, sobremodo lamentáveis, o governo continua a pregar, alto e bom som, que o Piauí está em excelente situação e que é a administrado a contento de todos.”
Finaliza: “E o interventor candidata-se a senador! E o povo que se agüente como puder!”
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