Evilásio Gonçalves Vilanova é natural de Caxias, no vizinho Estado do Maranhão, não sendo Teresina para ele uma cidade estranha. Passou parte da sua juventude frequentando a capital piauiense e desfrutando dos prazeres proporcionados pela rua Paissandu, onde travou inúmeras amizades com mulheres as mais belas e com alguns rapazes também.
Fez-se, em 1930, amigo de Landri Sales Gonçalves, com quem participou das revoluções de 1930, que levou Vargas ao poder, e de 1932, na qual os paulistas contestaram severamente a centralização de poder nas mãos do presidente.
Ao tomar posse, Leônidas de Castro Melo percebeu, de imediato, a necessidade de fazer frente a dois grandes problemas que haviam em Teresina: a precariedade da infraestrutura e saneamento básico, que por sua vez acarretavam graves problemas de saúde na população, e a insegurança decorrente da presença cada vez maior de forasteiros.
Eram comuns os distúrbios, especialmente na área do baixo meretrício, na margem do Parnaíba. As brigas explodiam a todo instante, envolvendo filhos da terra contra forasteiros na disputa pelo aconchego das mulheres da vida.
A praça Pedro II, palco da inquietação cultural e social da época, registra um acontecimento da maior significação para a tomada de providências por parte da Interventoria no aspecto da segurança pública. Um conflito do qual tomaram parte soldados da Guarnição Federal e da Polícia Militar colocou em polvorosa as famílias presentes àquele logradouro.
A parte baixa, como sabemos, é utilizada para o passeio dos rapazes e moças da fina flor da sociedade da Chapada do Corisco, ao passo em que, na parte baixa, ficam as empregadas domésticas, operários da Fábrica de Fiação e Tecidos e soldados da polícia e do 25º Batalhão de Caçadores. Há uma rua que corta a praça em diagonal e que além da divisão espacial é também marco da segregação dos menos favorecidos.
De repente, os soldados iniciam uma discussão que logo evolui para o confronto físico. A confusão se espalha na parte baixa da praça, levando os chamados filhos da elite a se queixarem da insegurança aos seus pais, que por sua vez fizeram eco das lamúrias às autoridades. Fazia-se necessário um plano de segurança para a cidade, ainda mais quando nos dias seguintes os distúrbios persistiram, avançando para a periferia e deixando toda a população inquieta.
Leônidas Melo procurou seu antigo benfeitor, o militar Landri Sales, que mesmo não desfrutando mais da confiança do Estado Novo, funcionava como conselheiro do interventor piauiense. Expôs a preocupação com a insegurança reinante e pediu aconselhamento. “Que medidas devo adotar? O senhor é militar, seguramente sabe como agir em situações extremas.”
Landri governou o Piauí numa época difícil. No primeiro momento, houve grande resistência ao modelo implantado por Vargas a partir de 1930. Nomeado interventor em 7 de maio de 1931, assumiu em 21 de maio daquele mesmo ano e aqui encontrou muita insatisfação por parte das elites econômicas e políticas.
Entre as primeiras ações como governante, cuidou em pacificar as famílias, no que, acredita-se, foi bem sucedido. Promoveu a reforma do Poder Judiciário, a construção de prédios escolares, dentre os quais o Liceu Piauiense, contribuindo ainda para a moralização administrativa.
Em seu governo registrou-se a Revolta dos Cabos, chefiada pelo cabo Amador, que tomou de assalto o Palácio de Karnak e ali permaneceu por 24 horas como governante auto-proclamado e em seguida deposto pelas tropas federais.
Landri elogia a iniciativa de Leônidas, que fora secretário-geral do seu governo em construir o Hospital Getúlio Vargas, e afirma que tem a solução para o problema da segurança pública... “Tenho um jovem amigo, natural de Caxias, que lutou comigo em 30 e 32. Formamos junto em favor do ideário de Vargas e tenho absoluta certeza que ele acalmará a cidade”.
Estava falando de Evilásio Gonçalves Vilanova, jovem capitão do Exército, figura impiedosa para quem o militar deveria agir como a natureza, de forma impiedosa, reagindo com força ainda maior que a manifestada pelo agressor, em local imprevisível e sem considerar quem fora responsável; todos pagariam, até se manifestar o verdadeiro culpado.
Leônidas ficou satisfeito com a indicação e autorizou Landri a levar ao ministro Eurico Dutra o pedido da disposição de Vilanova para assumir a Chefatura de Polícia de Teresina e o comando da Polícia Militar do Piauí.
Evilásio Gonçalves Vilanova estava servindo na Guarnição Federal do Rio de Janeiro quando recebeu a determinação de Eurico Dutra para vir a Teresina, viagem empreendida através de São Luís, capital do Maranhão, pelo Atlântico. Pegou, em seguida, um trem para a cidade maranhense de Flores, fazendo a travessia para a capital piauiense de barco.
A família do novo homem forte da segurança causou excelente impressão na cidade. A mulher, Nadir, foi comparada a uma atriz do cinema norte-americano, tal a sua elegência. A filha do casal, Marísia, era igualmente bela e, apesar da pouca idade, elegante.
Vilanova, por sua vez, impunha respeito pela altivez. Vestia-se bem e dançava como poucos. Gostava de bons vinhos, de boa música e de boas companhias. Não tarda em impor um estilo adquirido no campo de batalha, onde matar ou morrer tem importância menor do que o objetivo a ser alcançado.
O comandante ampliou as instalações do Quartel da Polícia Militar, em frente à praça Pedro II, ali instalando oficinas de alfaiataria, marcenaria e sapataria, tornando obrigatórios os exercícios físicos diários para os membros da corporação. Criou a banda de música para acompanhar as solenidades oficiais e dois novos batalhões, o de Cavalaria e o de Bombeiros. A Polícia Civil, que antes era abrigada em ridículas condições, ganhou novas instalações que compreendiam um quarteirão inteiro.
Vilanova ampliou o efetivo da polícia e adquiriu um carro para transporte de presos apelidado de “Carinhosa” pelo próprio. O interventor ficou por demais empolgado com a dinâmica atuação do seu chefe de polícia e oferecia todas as condições por ele solicitadas.
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O crime anda de mãos dadas com o progresso. À medida em que avança a sociedade, avançam também os métodos e surgem novos elementos criminosos. Foi o que ocorreu em Teresina.
No princípio da década de 1940, a capital conta com poucas ruas efetivamente calçadas. O calçamento vai apenas da rua Paissandu à rua da Glória, não obstante o esforço empreendido pelo prefeito Lindolfo do Rêgo Monteiro.
O Instituto de Identificação, criado em 1928, funciona precariamente. Há apenas duas mil e setecentas pessoas devidamente identificadas em Teresina de uma população de aproximadamente 105 mil habitantes. O Instituto de Medicina Legal atende também o Maranhão.
“A Polícia Civil fará o papel investigativo”, diz Vilanova. “À Polícia Militar caberá o papel de vigilância ostensiva”.
Nas ruas, a cavalaria impunha respeito, patrulhando principalmente à noite. Os excessos logo se fizeram sentir. Os “cavaleiros de Vilanova”, como eram chamados, produziram abusos de toda ordem. Na periferia, espancavam cruelmente com as espadas de que dispunham. Faziam isso, conforme argumentavam, para dispersar ajuntamentos e confusões.
Durante uma perseguição a criminosos, os cavalos atropelaram e mataram uma velha senhora. A população, ao ouvir o som das ferraduras, dizia em tom de chacota: “Lá vem a velha...”
Em 1941, começaram os incêndios. O cinturão de palha começou a pegar fogo, desabrigando e matando centenas de milhares de pessoas. No primeiro momento, os episódios dantescos eram atribuídos às altas temperaturas registradas em determinados períodos e à facilidade do material empregado nas construções rústicas para produzir a combustão. Não tardou para que o aspecto criminoso fosse introduzido.
Os incêndios começaram a gerar muita desordem na periferia, avançando tal situação para o centro das decisões políticas e administrativas. A repercussão tornou-se terrível para o interventor. Vilanova pediu verbas para a aquisição de carros para o Corpo de Bombeiros. Os veículos mal conseguiam adentrar as ruas esburacadas dos subúrbios.
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Com a intensificação da exploração do látex na Amazônia, Teresina se transformou em rota de passagem para milhares de trabalhadores que vinham dos mais diferentes e distantes pontos do país. Em sua permanência na cidade, eram comuns as arruaças, tendo em vista a disputa por mulheres no baixo meretrício.
Pacata, a capital se transformou, do dia para a noite, em palco de desordens, obrigando o interventor a tomar uma atitude. Ele se aconselhou com seu amigo e padrinho político, o ex-interventor Landri Sales, que lhe sugeriu a nomeação de capitão do Exército chamado Evilásio Gonçalves Vilanova para organizar e chefiar o sistema de segurança pública.
Vilanova era gago e careca e, a princípio, mostrou-se uma figura polida, porém enérgica. Chegou impondo disciplina, organização e respeito. Ampliou as instalações do Quartel do Comando da Polícia Militar, situado em frente à praça Pedro II, construiu novas e modernas instalações para a Polícia Civil, em frente à praça Saraiva, ampliou o efetivo instalando dois novos batalhões — de Cavalaria e de Bombeiros, instituiu a obrigatoriedade de exercícios diários para os membros da corporação, instalou a banda de música e oficinas de alfaiataria, marcenaria e sapataria e adquiriu um veículo para transporte de presos logo apelidado de “Carinhosa”.
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Havia intensa mobilização de forças militares por conta da Segunda Guerra Mundial. O Brasil era estratégico por sua localização — meio do caminho entre a Europa e a África — e passou a ser disputado por aliados e nazistas.
Os aliados, liderados pelos Estados Unidos e Inglaterra, levaram a melhor com a visita de Franklin Delano Roosevelt, em 1942, na qual o ditador Getúlio Vargas negociou a construção da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, e de uma vultosa soma em recursos financeiros, que permitiria a execução do seu projeto de industrializar e urbanizar o país.
Evilásio Vilanova soube se fortalecer no Estado militarista. Aproveitando-se do clima de guerra, determinou a instalação, no Quartel da Polícia, de uma bateria antiaérea — “que será de grande utilidade em caso de ataque aéreo por parte dos inimigos da nossa pátria”.
Acumulava os cargos de comandante da Força Pública e chefe de polícia, hoje equivalente ao de secretário de Segurança. Em pouco tempo, rivalizava em poder e prestígio político com o próprio interventor. Sobrava-lhe o que faltava em Leônidas: habilidade estratégica, adquirida no seio da comunidade militar, e um desprezo enorme pelo sofrimento humano.
Não ficou nem um pouco satisfeito com a opção de Vargas em posicionar-se a favor dos aliados. Nutria grande simpatia pelo nacional-socialismo de Adolf Hitler.
No seu entender, as raças inferiores deveriam ser banidas da face da Terra, incorporando ao extremo o pensamento ariano do nazismo e a idéia do “novo homem” preconizada por Vargas.
A guerra trouxe muitas dificuldades para o Piauí. Em relatório, Leônidas informa que, de um ano para outro, a perda é de 3 milhões, 958 mil cruzeiros, provocada pela restrição da saída dos principais produtos, como a cera de carnaúba, e a considerável redução das atividades de negócios internas.
Alie-se o fato de que o governo precisava fazer frente a enorme despesa gerada pelos flagelados e menos favorecidos. Sem suas casas, as pessoas passavam a morar debaixo de árvores, tornando-se comum, mesmo no centro da cidade, a presença de dezenas — e até centenas — de famílias vivendo em tais e precárias condições.
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Os incêndios começaram em 1939, mas ganharam intensidade a partir da chegada de Vilanova. A população passou a viver a histeria da espera.
Diariamente, tocavam os sinos da Igreja de São Benedito, situada no Alto da Moderação, ponto mais alto de Teresina e de onde se via a cidade em toda a sua extensão. O repique frenético indicava um novo sinistro, dezenas de casas atingidas, centenas de pessoas desabrigadas.
Todos os dias, a mesma coisa: a fumaça preta em direção ao céu azul, o martelar dos sinos, o fogo ampliado pelo calor e pelo vento e os clamores das vítimas.
Para o médico José Cândido Ferraz não havia outro responsável senão o Estado Novo, que com a medida estimularia a limpeza urbana, garantindo a construção de novos e modernos prédios. Ele era um dos primeiros a chegar aos locais atingidos porque era dos poucos que possuíam automóvel. Tinha também uma câmera filmadora, com a qual registrava os acontecimentos dramáticos.
O jornal “O Piauí”, de Eurípedes Aguiar, denunciava os desmandos praticados pelo Estado Novo. Eurípedes, que várias vezes fora preso por crime de opinião, nunca titubeou, nem mesmo no período de maior repressão, da sua condição de oposicionista e crítico do governo.
Evilásio Vilanova acusa a UDN e o médico José Cândido Ferraz de estar por trás dos incêndios. Diz que os adversários pretendem, com isso, desgastar o governo de Leônidas.
Inicia o processo de torturas. No Quartel da Força Pública, o comandante Vilanova manda construir um porão, o qual utiliza para maltratar os presos.
Os espancamentos geram gritos de dor que cortam as noites e madrugadas e transformam-se em pesadelo para a cidade. Pressionado, o oficial, agora coronel, transfere suas atividades para lugares distantes, como a Ilhotas, o campo de aviação na zona Norte ou a localidade Tabuleta, na zona Sul da cidade.
Nestes locais, ele tortura mais de duzentas pessoas, gente humilde que não tem a quem recorrer em caso de brutal injustiça, festim diabólico no qual as vítimas são enterradas até o pescoço para confessar crimes que não cometeram e acusar outros inocentes como responsáveis de autoria intelectual.
Ganharam notoriedade os casos do comerciante Albino Alencar e de Luiz Enfermeiro, ambos udenistas e que foram presos e torturados por Vilanova. Luiz Enfermeiro ficou aleijado em virtude das pancadas de que foi vítima.
José Cândido foi, finalmente, preso e conduzido ao Quartel do 25° Batalhão de Caçadores. Amparado em acusações de presos, obtidas sob tortura, o coronel Evilásio Vilanova o acusa de crime contra a segurança nacional. Seria ele o responsável pelos incêndios, cujo objetivo era desestabilizar e destituir o interventor Leônidas Melo.
Pressionado por toda a sociedade, Leônidas entendeu que não deveria manter Ferraz preso. Indagou sobre as provas: eram realmente conclusivas? Não eram. Furioso, Vilanova colocou o médico em liberdade e ficou à vontade para dar continuidade ao seu plano macabro.
Os incêndios continuaram. Cada vez mais intensos. Bairros inteiros pegavam fogo.
Havia sofrimento e morte. Era demais para Leônidas.
quarta-feira, 28 de julho de 2010
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