quarta-feira, 28 de julho de 2010

OS INTELECTUAIS E O ESTADO NOVO

Não há liberdade de informação nestes dias de ditadura varguista. Qualquer crítica ao sistema através da imprensa era prontamente silenciada. Constantemente, escritores e jornalistas eram encarcerados nos porões do Quartel da PM. Um deles, Cunha e Silva, narra as humilhações que lhe foram impostas pelo regime ditatorial. “Foram dias terríveis, de humilhações e privação”, relata em seu livro “Copa & Cozinha”. Impedido de exercer a profissão, chegou a passar fome com a família.

Os jornais limitam-se ao registro de eventos cívicos, fatos políticos de interesse do governo ou anúncios publicitários. As atividades jornalísticas limitam-se à rotina devido à rigorosa censura imposta a todos os meios de divulgação. Ninguém ousa contrariar a ditadura.

Circulam os seguintes periódicos: Jornal do IAPC (1938); Revista da Associação Piauiense de Medicina, órgão da sociedade do mesmo nome (1939); A Voz do Estudante, órgão do Grêmio Literário Da Costa e Silva, do Colégio Leão XIII (1943); Zodíaco, órgão do Grêmio Cultural Lima Rebêlo (1943); Língua de Sogra, produzido por A. Tito Filho com a colaboração de Petrarca Sá e Tibério Nunes (1943); Geração (1945).

O famigerado DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) é o meio pelo qual o Estado Novo censuva as notícias que não podiam sair na imprensa. No Piauí, não há DIP, mas há a tenebrosa ação do coronel Evilásio e sua temível força policial. Há o DEIP - Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda, controlado por Arthur Passos e Cromwell de Carvalho, mas sempre sob a supervisão do poderoso coronel. O departamento de censura lança sua sombra sobre o Estado através da força policial, que mantém centenas de informantes secretos infiltrados entre as classes populares, do que muito se orgulha o coronel Evilásio.

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Poucos ousavam desafiar o poder do governo. O desembargador Simplício Mendes de Souza era um deles. Articulista da imprensa teresinense, costuma associar a participação do Brasil no conflito a uma ruptura com o modelo centralizador de Vargas. “Os ventos que sopram de fora, principalmente da Inglaterra e dos Estados Unidos, são ventos de liberdade. De quem está lutando pela liberdade porque convive com a liberdade. De quem combate a opressão por vivenciar a democracia em seu estado pleno. Acreditamos que a participação do nosso país neste conflito de proporções mundiais servirá para municiar nossa gente por inteiro do sentimento de libertação, que é algo com que não estamos acostumados a conviver”, escreveu, pouco depois da visita do ministro.

Os americanos já estavam utilizando o território brasileiro para instalação de bases militares. Após a visita de Dutra, os militares passaram a ser ainda mais cortejados pelas autoridades piauienses. O coronel Evilásio Vilanova, comandante da Polícia Militar, foi homenageado no dia 7 de maio de 1942, no Theatro 4 de Setembro, com saudação do prefeito Lindolfo Monteiro. Detinha, portanto, um poder quase que absoluto, somente comparado ao poder do interventor, e mesmo assim muitos entendiam que ele tinha ainda mais força do que Leônidas. Sim, porque o interventor o deixava agir à vontade, com aquele jeito efeminado porém truculento.

Segundo Vitorino Corrêa, “Leônidas se submetia aos desejos e interesses de Vilanova.”

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Os intelectuais silenciaram durante o regime de Vargas. Havia muita indignidade, naqueles tempos, para ser registrada, porém aqueles que detinham o conhecimento e o talento para tanto estavam em outra dimensão. Explica-se adiante.

Dois escritores participavam ativamente das ações em favor da ditadura. Eram eles Bugyja Brito e Berilo Neves, que eram espécie de redatores oficiais para Leônidas Melo. O poeta Martins Napoleão perdia-se em devaneios com seus poemas "Minha terra", "O exército e a pátria", todos repletos de profundo ufanismo.

Em seu livro "A cidade sob o fogo", o professor Francisco Alcides do Nascimento, da UFPI - Universidade Federal do Piauí afirma que a maioria dos intelectuais da época vivia a soldo do governo, ou seja, "tinha vínculo empregatício com o estado". "Como questionar o seu empregador sem o risco de perder a fonte de sobrevivência", complementa. "E mais: havia também o perigo de cair em desgraça com o regime, de ser politicamente perseguido."

Alcides informa, ainda, que entre os anos de 1941 e 1946, em pesquisas realizadas, não localizou absolutamente nenhuma referência em texto sobre os incêndios. "Ninguém, ao que parece, queria se compremeter, o medo do regime era muito grande, exceto alguns poetas de cordel, que logo foram chamados e avisados de que não poderiam falar sequer sobre a palavra fogo em seus versos. A própria população foi advertida de que a simples pronúncia desta palavra poderia acarretar perseguições inúmeras", enfatiza Francisco Alcides do Nascimento.

Manoel Paulo Nunes entende que não havia silêncio dos intelectuais em função de sentirem na pele o peso da censura. O que acontecia, na sua opinião, era algo muito diferente. Não havia preocupação com as questões sociais.

Os pensadores estavam mais voltados para questões do romantismo - a lua, as estrelas, o universo romântico, a amada, palavras doces que pudessem produzir a conquista do amor idealizado. "Isso, a preocupação com os dramas dos menos favorecidos em Teresina, para a intelectualidade, veio a acontecer apenas nos anos 1950, a partir da publicação do conto 'Fogo'. Mas esta já é uma outra história", pondera.

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O estado policial ganhou força a partir de 1936, com o aparecimento da Lei nº 192, de 17 de janeiro daquele ano, indicando que já havia uma preparação para o regime de exceção que seria implantado pouco mais de um ano depois. Não era de estranhar a censura imposta pelo governo e menos ainda o comportamento alienado dos nossos poetas e escritores. Era tudo uma questão de permanecer vivo.

A mencionada lei cuida em reorganizar a polícia e reduz o poder do estado sobre ela, que passa a ficar atrelada diretamente ao Ministério da Guerra. Os comandantes policiais eram também chefes militares de grande envergadura, cujo poder rivalizava ou se sobrepunha aos dos interventores, que eram, na sua maioria, elementos civis, a exemplo de Leônidas Melo, no Piauí, que muitos entendem como submisso aos caprichos de Vilanova.

Evilásio Gonçalves Vilanova chegou ao Piauí em 11 de maio de 1940. Veio designado para estruturar o policiamento e garantir o controle da sociedade diante dos novos rumos da administração pública - efetivamente uma ditadura. "Era um estado policial do qual ele era a figura central, de maior importância", afirma Agenor Barbosa de Almeida, em entrevista concedida ao autor em dezembro de 2005, por telefone, ele falando diretamente do Rio de Janeiro, onde residia. "Leônidas cuidava das tarefas administrativas, contratava e realizava obras, colocava saúde e educação para funcionar, mas o controle político e social era exercido por Vilanova, que tratou de aparelhar a polícia, de armá-la com tudo o que tinha direito em cumprimento ao seu grande projeto que era substituir Leônidas a qualquer momento. Um golpe dentro do golpe."

Nadir Gonçalves, mulher do coronel, entende que não havia disputa alguma pelo poder. Segundo ela, o trato entre o interventor e o comandante da polícia era extremamente cordial. Nunca teria presenciado nenhum estranhamento entre os dois homens. Numa entrevista para historiadores piauienses afirmou, em vida, que Leônidas Melo era profundamente gentil e atencioso para com ela e seu marido.

Uma coisa, porém, as palavras de dona Nadir não conseguiam disfarçar - o interesse crescente de Vilanova em assumir o poder político e administrativo, vez que já detinha o poder militar. Seria, para ele, o controle absoluto do estado.

Por isso, suas aparições frequentes em solenidades na Academia Piauiense de Letras, publicações constantes de fotos suas no Diário Oficial do Estado, numa quantidade bem próxima ao interventor em pessoa, e presença em atos solenes e eventos cívicos. Em 1941, numa correspondência enviada ao presidente da República, Leônidas elogia a capacidade de trabalho do coronel. "Ele é incansável na execução do seu mister. (...) sem dúvida sua ação determinada contribuiu decisivamente para reduzir os índices de violência e criminalidade em nossa terra garantindo aos nossos concidadãos uma convivência pacificada, a segurança pública legítima..."

Leônidas mudaria seu conceito. Infelizmente, tarde demais. Não para ele, beneficiado pelas querelas políticas que terminaram por fortalecê-lo no posto, mas para as milhares de vítimas, ainda incalculáveis, que pagaram com usas poucas posses e, em alguns casos, com a própria vida, diante da intransigência do estado militar.

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As liberdades políticas foram tolhidas completamente durante o Estado Novo. A Câmara Municipal de Teresina foi destituída. Estavam no exercício do mandato os seguintes vereadores: Antonio Vieira de Slaes, Aphrodísio Torres de Oliveira, Crescêncio José Pereira, Cícero Alves de Carvalho, José Marques da Costa, Miguel Sady, Narciso Correia Lima, Raimundo Ney Bauman e Tomás de Arêa Leão. O Legislativo municipal teresinense, antes do golpe de Vargas, era presidido por Cícero Alves de Carvalho.

Os trabalhos da Câmara foram suspensos em 24 de dezembro de 1936 e só retomados em 1948, três anos após a redemocratização.

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