Teresina convive com casas de palha desde os seus primórdios. Saraiva, ao fundar a cidade em 1852, instalou a Tesouraria Provincial numa construção de palha. As tropas federais se acomodaram primeiro num barracão coberto de palha. Durante a construção da cidade ergueram-se barracões provisórios para a guarda do material e abrigo de pedreiros, carpinteiros, ajudantes, escravos e militares. As choças eram feitas de pau a pique e taipa, com paredes de varas entrecruzadas e barro que tapava os espaços, servindo de reboco. Mesmo as casas de adobo recebiam cobertura de palha.
A existência de grande concentração de babaçu nas margens do rio Parnaíba fornecia a matéria-prima necessária para as primitivas habitações da capital. Além da oferta em larga escala, a palha do babaçu tem a propriedade de amenizar o clima úmido e quente da região.
Na condição de primeira capital planejada do Brasil, Teresina conta inicialmente com grande número de funcionários públicos e autoridades políticas, residentes em casas de melhores condições, mas as casas de tijolos cobertas de telhas não eram suficientes para abrigar a grande quantidade de operários, comerciantes e forasteiros atraídos pela oportunidade em mudar de vida. No final do século 19, uma grande seca se abateu sobre o Nordeste.
Do agreste piauiense e cearense, centenas de milhares de pessoas acorrem para Teresina em busca da proteção social oferecida pelo governo e de um canto para fixar moradia. Surgem com isso inúmeras casas de palha na periferia, de forma desordenada. Não havia nenhuma regra para a construção. As pessoas chegavam, erguiam seus barracos de paredes e cobertura de palha. Moradias que se interligavam e se entrelaçavam, tão próximas umas das outras que muitas vezes não dava para a passagem de uma pessoa.
O Plano Saraiva previu a instalação da área urbana num quadrilátero que vai, em sentido norte a sul, do Largo do Liceu à praça Saraiva, e de leste a oeste, do Alto da Moderação, onde mais tarde seria construída a Igreja de São Benedito, ao Largo da Bandeira, onde fincou-se o marco de fundação. No primeiro século de existência, Teresina sempre possuiu mais casas de palha do que de telha. Havia uma lei provincial com o fim de evitar a superpopulação da cidade. Por isso, era proibido construir-se casas de palha no perímetro central. Os casebres miseráveis se expandiram em direção à periferia. Mas isso não impedia que coexistissem com as construções de alvenaria.
Percebendo a extensão do problema e a dificuldade que traria no futuro próximo, um deputado chamado David Moreira Caldas apresentou na Assembléia Provincial um projeto de lei estabelecendo que anualmente o governo deveria destinar a importância de dois contos de réis para a substituição progressiva das moradas com a cobertura rústica por telheiros. A proposta, é claro, não obteve aprovação. O poder público não dispunha de tanto dinheiro. Por outro lado, até mesmo o governo instalava órgãos públicos em barracões improvisados com aquela cobertura. As tais casinhas não eram atributo exclusivo da pobreza. Mesmo quem tinha algum dinheiro possuía também os seus casebres, com o fim de alugá-los para quem não tinha. Assim, muitos “conjuntos” residenciais da periferia pertenciam às famílias abastadas da capital.
Na região próxima ao rio Poti, onde construiu-se o Hospital Getúlio Vargas, havia predominância de quintas e vacarias. Há poucas residências propriamente ditas, a exemplo do professor Álvaro Freire e do senador Matyas Olímpio, que mantêm moradias no lugar semi-deserto e por isso mesmo considerado um espaço privilegiado, distante da confusão dos casebres e da agitação do centro administrativo e comercial da cidade. De acordo com levantamento realizado pela Interventoria, há quatro mil casas de alvenaria contra 12 mil e 700 de palha. Algum gênio da burocracia local mandou que, ao invés de casas de palha, estas fossem registradas como de madeira, muito provavelmente com receio da imagem que aquele resultado fosse produzir fora do Piauí. “É uma agressão à nossa pobreza. Consideramos a denominação agressiva”, justificou-se ao interventor, que aceitou a desculpa e deixou que os números fossem incorporados ao censo oficial. Mesmo assim, as casas rústicas suplantavam em duas vezes as construções de alvenaria.
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Desde que os incêndios iniciaram toda a população de Teresina, independente do extrato social, vivia em pânico. Podiam acontecer a qualquer momento, sinalizados primeiro pelos sinos da Igreja de São Benedito. Os sacerdotes haviam colocados vigias na torre para dar o sinal, agilizando assim o socorro às vítimas. Nem sempre ágil. As perdas resultavam enormes a cada nova ocorrência, porque a cidade era cercada por um cinturão de miséria e palha.
No ano de 1940, segundo censo oficial, a cidade contava cerca de 35 mil habitantes. Todo o centro era ocupado pelas famílias mais abastadas – herdeiros daqueles que vieram com Saraiva, à época da fundação, ou então que haviam chegado pouco depois, adquirindo seus lotes na chamada área urbana, que compreendia perímetro entre o “Barrocão” (hoje avenida José dos Santos e Silva) e Rua da Glória (hoje Lizandro Nogueira), no sentido sul/norte; e do Alto da Jurubeba, onde se construiu a Igreja de São Benedito, até a avenida Beira Rio (atual Maranhão).
Os espaços para quem chegou depois eram limitados. Os mais pobres não contavam com espaço nenhum. Foram ocupando pedaços de chão de forma violenta e desordenada. Utilizavam-se, na construção dos barracos e choupanas, de tudo o que estivesse à mão, notadamente a palha que havia em abundância.
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Fosse um homem propenso à bebedeira, Leônidas naqueles momentos dramáticos estaria permanentemente embriagado. Mas quanto mais grave a situação, parecia mergulhar mais fundo num estado de calmaria interior. Vez por outra, parecia irromper a fúria de dentro daquela serenidade aparente, mas o governante logo acalmava sua condição humana, passando a pensar e agir como magistrado.
“Teresina foi criada sob o signo da discórdia e da desconfiança”, comenta, servindo-se de um gole de cajuína e oferecendo a bebida ao amigo e assessor Agenor Barbosa de Almeida. Pelo menos até naquele momento ainda se tratavam como amigos. Em pouco tempo, os rumos da discórdia e da desconfiança os tornariam ferrenhos adversários.
No diálogo, falava fluentemente sobre a fundação da capital. Parecia mesmo um profundo conhecedor da história.
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Tão logo assumiu a presidência da província, José Antônio Saraiva esteve em visita à Vila do Poti. Encontro dos rios, lugar propício para seu projeto de unir de unir centro-sul ao litoral, tendo Teresina como entreposto, e Teresina ao principal centro comercial do Meio Norte, a cidade de Caxias (MA). Exceto por um motivo: o encontro de Parnaíba e Poti, onde havia inúmeros habitantes. Vivia permanentemente alagado. Na época chuvosa, as casas ficavam literamente debaixo d’água. Com isso, além do transtorno e das perdas materiais, havia as doenças de veiculação hídrica. Ficou momentaneamente abatido com a constatação. Porém, foi informado de que bem próximo dali havia um altiplano extremamente apropriado ao seu projeto de construir uma nova cidade. Era a Vila Nova do Poti, situada na Chapada do Corisco. O conselheiro constatou ser a Vila do Poti imprópria para a instalação da sede da nova capital. Era sujeita a inundações, conforme Pereira da Costa em “Notícias sobre as comarcas do Piauí”. Ele diz que o lugar, insalubre, é mal situado e sujeito a inundações nos invernos rigorosos. Quando as águas baixam, levam consigo casas, inutilizam lavouras e deixam “intermitentes e paludosas”.
A Vila do Poti foi criada em 15 de setembro de 1827, originalmente com o nome de Barra do Poti. Foi desmembrada das freguesias de Campo Maior, Valença e São Gonçalo do Amarante. Foi elevada à categoria de vila em 6 de julho de 1832. A instalação solene ocorreu a 21 de novembro de 1833, feita pelo presidente da Câmara Municipal de Oeiras, Justino José da Silva Moura. Em 18 de agosto de 1831 foi criada a Força Pública da Vila do Poti. Em 1839, o lugar alcançou o ápice do seu desenvolvimento. A decadência começou com a invasão dos Balaios, cujo movimento contra o alistamento obrigatório atingiu as províncias do Piauí e Maranhão, que se confrontaram com as forças militares e Sua Majestade.
Havia muitas mortes por conta das doenças provocadas pelos alagamentos constantes. O Governo Central determinou a mudança da Vila do Poti em 29 de novembro de 1842, através da Lei n° 140. Os potienses não promoveram a mudança autorizada, porém a lei não foi revogada. E foi exatamente em função dela que o presidente José Antônio Saraiva convenceu os potienses a implantarem a povoação em um outro local, à distância de seis quilômetros, conhecido como Chapada do Corisco. Mais: ele prometeu que o lugar sediaria a nova capital da província. Os potienses ficaram animados com a garantia e disseram ao presidente: “Conte conosco”. Para convencê-los, Saraiva utilizou sua vibrante oratória, que mesclava a ousadia da juventude com a vasta cultura adquirida e experiência político-administrativa obtida em missões anteriores.
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Oeiras, no semi-árido, era longe de tudo. Desde o século XVIII que se buscava uma alternativa para tirar a província do atraso em que se encontrava - a localização da capital, em pleno sertão, era considerado um impedimento para o desenvolvimento sócio-econômico e cultural do Piauí. Todas as tentativas neste sentido eram imediatamente barradas na própria capital. Principalmente após a independência, com a ascensão ao poder de Manoel de Sousa Martins, o Visconde da Parnaíba. Tirânico, governou durante 20 anos. Sua queda foi provocada por revoltada que provocaram muitas perdas em vidas humanas, gerando, por consegüinte, grande comoção social.
Para evitar a distorção acerca dos reais objetivos da transferência, Saraiva notificou Sua Majestade, o imperador D. Pedro II, apenas após o ato consumado. E o fez com um afago estratégico: a nova capital levaria o nome da imperatriz, Teresa Cristina. Mesmo determinado, enfrentou dissabores. Um deles foi foi quando os opositores da causa mudancista enviaram ao imperador uma amostra da água barrenta do rio Parnaíba. Argumentaram: “A água é de péssima qualidade, recomenda-se que a transferência seja abortada”. D. Pedro, ao experimentar o líquido, teria pronunciado (conforme Tito Filho): “Nunca, em toda a minha, experimentei água tão saborosa”.
Os oeirenses apelaram, então, para outra tática: despacharam informe notificando o governo central de que a Chapada do Corisco, onde já se estava construindo a nova capital, era sujeita a constantes alagamentos no período invernoso. Mais uma vez, o imperador esnobou a investida: “Isso não deve acontecer sempre. Afinal, o Nordeste caracteriza-se pelas suas constantes secas”.
Os oeirenses não aceitavam de forma alguma a transferência da capital para a Chapada do Corisco. Tentaram influenciar o imperador a negar autorização para Saraiva fazer a mudança. Competente estrategista, o presidente da província decidiu batizar a nova capital com o nome da imperatriz Teresa Cristina. Seus adversários de Oeiras não desistiram e resolveram boicotar a mudança. Saraiva não vacilou: colocou o cofre do governo numa carroça, reuniu a guarda e os funcionários e rumou para a nova sede do poder. Os oeirenses, revoltados, não tiveram outra alternativa a não ser seguir o cofre do dinheiro.
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Denunciar, através da imprensa, o beneficiamento de “amigos” do presidente da província. Segundo os opositores, a proposta de mudança escondia um poderoso esquema de corrupção liderado pelo próprio Saraiva em parceria com o fazendeiro e construtor João Isidório França. As críticas se faziam mais severas por meio do “Eco Liberal”, periódico publicado pelo jornalista Tibério César Burlamaqui, um dos grandes de Oeiras, que alegava não querer morder, porém denunciava “interesses escusos” na transferência da capital para a Chapada do Corisco. “Tais interesses beneficiariam diretamente o fazendeiro e construtor João Isidório França, amigo do presidente e um dos homens mais ricos da província”, assinala Burlamaqui.
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Na década de 1940, a maioria dos moradores da periferia é migrante. Eles vêm das mais diferentes cidades e localidades rurais do Piauí e até de outros Estados, como Ceará, Maranhão e Pará. Chegam pela Rua dos Viajantes, ou pela estrada federal que situa-se além do rio Poti. Para alguns, a trajetória rumo ao próprio barraco inicia na casa de um amigo ou parente, até que consiga se desfazer completamente dos poucos bens deixados no meio rural ou nas cidades menores, de onde eles vêm. Para outros, o primeiro abrigo é debaixo de alguma árvore frondosa, onde armam sua trempe e estendem suas redes e esteiras, fazendo as necessidades em redor, nas imediações. Não há qualquer amparo social para estes desvalidos, quando muito a esmola de algum rico generoso ou a perseguição policial, esta mais em voga nos dias que correm.
Seu deslocamento é constante na busca de um espaço ideal para fixar-se. Tem como destino um lugar distante dos núcleos urbanos, porque não há programa de incentivo à habitação popular. As construções de alvenaria estão concentradas na cidade projetada um século e meio atrás, de área bastante limitada para a grande migração registrada a partir do início deste século 20. Nos primeiros anos, durante a gestão de Arlindo Francisco Nogueira, começaram os serviços de abastecimento d'água da capital. O sistema de iluminação seria implantado apenas uma década depois, na administração do governador Miguel de Paiva Rosa.
As pessoas querem morar em Teresina alegando que a cidade dispõe de melhores condições de infraestrutura e saneamento. Não sabem o que as espera até chegar à capital, onde deparam-se com uma verdadeira "cidade de palha", em que a média é de três casas de palha para uma de alvenaria. A migração explodiu a partir dos anos 20 com João Luiz Ferreira no poder. Político de rara projeção, engenheiro civil e consciente da necessidade de ligar Teresina a outros centros do país, iniciou o processo de construção de estradas de rodagem. Antes, eram apenas as veredas estreitas, ao longo das quais aglutinavam-se bandos de malfazejos à espera dos viajantes desavisados. A partir de então, os demais governantes ocuparam-se em ampliar a rede de rodovias estaduais.
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O professor aposentado Joaquim Ribeiro Magalhães, 78 anos na data em que foi entrevistado pelo autor, chegou em Teresina na década de 40 e testemunhou grande parte das transformações verificadas na cidade ao longo desses mais de sessenta anos. Segundo ele, quem visse o coronel não imaginaria, por trás daquela aparência civilizada, o sádico que ele realmente era. Os incêndios eram um acontecimento de causar dó, até porque era um fato por demais próximo da maioria da população. Segundo Magalhães, a capital não tinha subúrbio. “O bairro Vermelha era pouco habitado, o Porenquanto era a primeira passagem de carros vindos de outras cidades do Norte. Então, o que nós tínhamos eram ruas centrais, como São Pedro, Félix Pacheco, que naquele tempo se chamava São José, Olavo Bilac, que era chamada de Santo Antônio, todo esse espaço era preenchido por casas de palha; até próximo da Praça Saraiva, havia casas de palha”, relembra o professor.
Algumas eram bem servidas, com paredes altas, portas trabalhadas e apresentando condições de moradia. Os proprietários alegavam que a cobertura de palha era uma proteção para o calor intenso da cidade, mais forte entre os meses de agosto e dezembro, quando acontecia a maior parte dos incêndios. Produzir telhas em Teresina nunca foi difícil. O bairro Poti Velho é o maior exemplo disso, onde a produção é intensa atualmente. Na época havia, mas em menor escala.
Sotero Vaz da Silveira, ex-governador do Piauí, residia numa casa de excelentes condições, construída com madeira de qualidade e dispondo de mobiliário também de elevado nível. No entanto, a cobertura era de palha. Era situada na região central. Assim era a maioria das casas na capital piauiense nas primeiras décadas do século XX.
“Quando o fogo pegava, as pessoas diziam que ‘na rua do Cajueiro foram incendiadas cem casas’. Na verdade, só foi uma, essa tendo passado para as outras 99, porque eram todas emendadas uma na outra”, enfatiza Magalhães. “Era desse jeito que o fogo atingia todo um quarteirão. Às vezes o vento levava para o lado oposto, queimando outras 50 ou 60 casas. Ninguém via o céu, só aquela fumaça amarelada e cinzenta.”
Evilásio Gonçalves Vilanova, segundo ele, era uma figura comum. Tinha estatura média, traços fisionômicos simpáticos, ligeiramente calvo e que conseguia transmitir, à primeira vista, uma impressão positiva. Tinha um sarcasmo muito grande ao falar. A característica se manifestava mais fortemente quando estava interrogando alguém importante.
Mantinha uma vigilância acentuada sobre toda a sociedade teresinense, não escapando nenhum comentário que se fizesse contra a administração de Leônidas. Seus “olhos” e “ouvidos” estavam em todos os lugares através dos “secretas” que se posicionavam em lugares estratégicos, como Bar Carvalho e Café Avenida.
quarta-feira, 28 de julho de 2010
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