quarta-feira, 28 de julho de 2010

POBRES SÃO ARRASTADOS PARA A GUERRA

FORÇA EXPEDICIONÁRIA PIAUIENSE

A 2ª Guerra Mundial começou a ser planejada logo após a derrota da Alemanha na 1ª Grande Guerra. Hitler servira como cabo e, ferido em combate, regressara cedo do front. Mergulhou no universo dos desvalidos, vítima da recessão econômica imposta contra a Alemanha pelos vencedores. Vagou pelas ruas durante anos como desempregado. Em mente, a obsessão pela retomada dos territórios alemães perdidos para a França e a depuração da raça humana.
O País, durante 15 anos a partir do final da 1ª Grande Guerra (1914-1918), mergulhou na sua pior crise econômica motivada pelo Tratado de Versalhes, que impôs sérias restrições econômicas. No final dos anos 20, a esplêndida oratória do vagabundo encantou os líderes do Partido Nazista, que o admitiram. Adolf Hitler logo destacou-se entre os demais membros da agremiação e ganhou inimigos entre os poderosos da época.
Foi preso, acusado de subservão. Após ser posto em liberdade, manteve a sedução pela palavra e, em 1933, conquistou através do voto direto o cargo de chanceler alemão. O presidente Paul Vön Hindemburg o considerava "apenas um homossexual que, no máximo, chegará a diretor dos Correios". No poder, Hitler acabou com os partidos de esquerda e os sindicatos, censurou meios de comunicação e rompeu com o Tratado de Versalhes.
De 1933 a 1938, a Alemanha construiu fábricas de material bélico, treinou soldados e mobilizou tropas para sua revanche. Hitler juntou a Alemanha, a Itália e o Japão e criou uma nova aliança, o Eixo, que partia do princípio de que a Alemanha precisava de mais espaço para seu desenvolvimento econômico, justificando com isso, a intenção de reconquistar o território perdido na guerra.
Então, em 1938, a Alemanha começou a invasão dos países que estavam ao seu redor: a Áustria, em 1938 e a Tchecoslováquia (República Tcheca e República Eslovaca), em 1939. Em setembro de 1939, quando a Alemanha invadiu a Polônia, a França e a Inglaterra (Aliados) entraram na guerra.
Em menos de um ano, a Alemanha invadira Holanda, Luxemburgo, Dinamarca, Noruega e a maior parte da França. Japão e Itália ajudaram na invasão de alguns países. A Itália invadiu a Albânia e a Somália. Já o Japão não só invadiu a Malásia, Cingapura, Filipinas e outras regiões, como destruiu o principal porto da marinha americana, Pearl Harbor.
Após essa destruição, os Estados Unidos ficaram com apenas três porta-aviões. A guerra se estendeu também à China e ao norte da África. No final do ano de 1941, os Estados Unidos e a Rússia, entraram na guerra ao lado de países aliados, dentre os quais o Brasil. A guerra não tardaria em chegar ao Piauí – da pior forma possível, como em todas as guerras, porque em solo mafrense enfrentava-se uma guerra ainda pior, a saber.


25º (BATALHÃO DE CAÇADORES)

 Criado a 2 de janeiro de 1918 como 44º Batalhão de Caçadores, teve como primeiro comandante o capitão Domingos Monteiro. Dois anos depois, passou à denominação atual, sendo comandante na época o major Epaminondas Tebano Barreto.
De 26 de setembro de 1942 a 4 de maio de 1943, comandou o 25º BC o tenente-coronel Fernando Pires Besonchet. De 28 de fevereiro de 1944 a 15 de abril de 1945 - período que marca a participação do Piauí na 2ª Guerra Mundial - foi comandado pelo tenente-coronel Manoel Joaquim Guedes.

Transcrição do Boletim Interno nº 21, de 03/01/45 (CRP):
"XVII - APRESENTAÇÃO DE PRAÇAS - INCLUSÃO
A) - Sejam incluidas no estado efetivo deste Centro e sub-unidades em seguida mencionadas, as praças abaixo, procedentes da 10ª RM (Região Militar), ontem apresentadas - 10ª COMPANHIA - Com procedência do 25º Batalhão de Caçadores (n° de série: 4544 a 4667):
 3º Sargento - João Paulino Torres;
 Cabos - Aluísio Ribeiro da Costa, José Ferreira Neves, Elias Alvares Lima, José Machado da Silva, Cândido Alves de Castro, Antônio Joaquim Soares Trindade, Almir Ferreira Sobral, José Ribamar Carvalho do Nascimento, Raimundo Magalhães Costa e Carlos Alberto Campelo Maciel;
 Soldados - José Bezerra de Araújo, José Cândido Fortes Brito, Werneck de Campos Nobre, Pedro Antunes de Abreu, Sebastião José da Silva, Francisco Alves de Melo, Pedro Ferreira de Carvalho, Antenor José de Carvalho, José Pedrosa Caldas, Manoel Alves de Abreu, Abdias Caetano da Silva, Benedito Vieira dos Santos;
Pedro da Costa Araújo, Raimundo Francisco de Souza, Antônio da Costa Oliveira, Francisco Severino Bezerra, Miguel Cavalcante, Honorio Otaviano da Silva, Francisco Alves da Silva, Omar dos Santos Rocha Yucar Gonzaga da Silva, Luiz Coimbra da Silva, Raimundo Pereira do Nascimento, Augusto Lopes da Silva;
José Alípio Marinho, Simplício Ferreira Soares, José Ribamar Rocha, Raimundo Nonato Lopes, João da Cunha Carvalho, Vicente Bezerra Lima, Francisco Campos Duarte, Alberto Brito, Vicente Alexandrino de Paula, José Ribamar Assunção, Jacó José Pereira, José Barbosa de Abreu, José Pereira dos Santos, João Batista Pereira, Nildo Alves de Souza, Asel Pereira do nascimento, Antônio Lima da Silva, José Morais de Almeida;
Milton da Rocha Soares, Antônio Lase, Antônio Guedes Barbosa, Raimundo Nonato Chaves, João Francisco Pimenta de Araújo, Benedito Alves Frazão, Edmilson Bonfim de Oliveira, Antônio da Silva Feitosa, Francisco de Oliveira Santos I, Raimundo Manoel dos Santos Joaquim Carreiro Mousinho, Francisco Rodrigues da Costa, Raimundo Nonato da Silva I, Aloisio Lobão Veras, Geraldo Magela Aguiar;
Otoniel Carvalho de Souza, Antônio Sebastião de Souza, Valdevino Pereira dos Santos, Wilson Silva, José Antônio de Oliveira, João Pereira da Silva, Honório Pereira do Nascimento, Solon Cardoso de Oliveira, Raimundo Nonato da Costa, Romão Pereira, João Lopes da Silva, Hipólito Pereira, David Batista de Souza, Jaime Facundo dos Santos, Antônio Pereira da Silva, José Alves Brandão, Manoel Nonato dos Santos;
Luiz Gonzaga dos Santos, Erondino Alves de Morais, José Rodrigues dos Santos, José Francisco Campos, Pedro Florindo dos Santos, José Francisco dos Santos, Raimundo Nonato de Araújo, Pedro Cosntâncio da Silva, Francisco das Chagas Ferreira de Melo, Raimundo Rezende Cavalcante, João Félix do Nascimento, Raimundo Nonato Balbino, João Caetano da Silva, Raimundo Nonato Ramos, Luiz Nonato da Silva, Luiz Pereira Quixaba, Hermínio Antônio da Silva, Cornélio Alves Batista;
Francisco Lopes de Assis, José Ribamar, Francisco Bezerra Bonfim, Luiz Cardoso Ferreira, Francisco Alves de Araújo, Vicente Bernardino da Silva, Eduardo Brito Barbosa, Raimundo Nonato da Silva III, Rosendo Souza da Silva, Raimundo Silvestre Gomes, Benedito de Oliveira Batista, Moacir Sipausa da Rocha, Joel Alves Paulino, Valdemar Soares Gomes, Antônio José da Costa, Antônio Souza Rios, Abel Ferreira Lima, Geraldo Ferreira da Silva, Antônio Lopes Magalhães e Francisco Belchior de Aguiar."

MENSAGEM PRESIDENCIAL

Foram à Itália 61 pracinhas piauienses, transportados no navio USS General Meigs sob o comando de Ibá Jubim Meirelles, tendo desembarcado em Nápoles no dia 22 de fevereiro de 1945. Integravam o quinto escalão, que saiu a 8 de fevereiro de 1945 conduzindo um efetivo de 5.082 homens.Na ocasião, o presidente Getúlio Vargas dirigiu, pelo microfone de bordo, as seguintes palavras de despedida à tropa:
- Soldados do Brasil. O presidente da República, sendo acompanhado do ministro da Guerra, vem trazer os votos de feliz viagem. E não podendo fazê-lo pessoalmente, a cada um o faz por meio deste microfone. É sempre uma glória, pela glória e pelo ideal. O governo e o povo do Brasil vos acompanham em espírito na vossa jornada e vos aguarda cobertos de glória.
Estão vivos 38 ex-combatentes piauienses, sendo que os mortos somam 39. Enquanto isso, 47 perderam o contato com a Associação de Ex-Combatentes, fazendo um total de 124 que saíram do Piauí rumo à guerra.

FRENTE A FRENTE COM A INAPTIDÃO

Dos 123 recrutas e oficiais que saíram de Teresina naquele distante 1944, dois foram mortos na Itália. Para muitos, a guerra foi um pesadelo. Para outros, a definição de um novo caminho, marcado notadamente pela religiosidade.
- A proximidade da morte nos fez mais próximos, também, de Deus - define o ex-combatente Vicente Bezerra.
Os soldados piauienses que tomaram parte nos combates da 2ª Guerra Mundial são oriundos de vários municípios do Estado, entre eles Parnaíba, Picos, Floriano, Campo Maior, Oeiras e a própria Teresina, entre outros. A participação do Piauí nos combates que dividiram a história do mundo até hoje é alvo de ironias.
Na verdade, fruto do desencontro de informações. Quando foram convocados, todos saíram da sua terra natal convictos de que iriam para os campos italianos. Passaram pela inspeção médica no HGV (Hospital Getúlio Vargas) e foram considerados aptos para o serviço de guerra.
Só que, ao chegar no Rio de Janeiro, se depararam com uma junta médica bem mais exigente, formada por profissionais norte-americanos. Muitos não foram aprovados nesses novos exames.
Apenas 61 receberam o carimbo de positivo em seus passaportes. Os demais receberam designação para vigiar a costa brasileira. Esses, que ficaram, não sofreram apenas o peso da ironia de seus compatriotas. Também tiveram - muitos ainda têm - dificuldades para efetivarem suas aposentadorias como ex-combatentes.
Foram amparados pela Lei 5.315, de 12 de setembro de 1967, instituída em pleno regime militar e conhecida como "a lei dos ex-combatentes". Esta lei institui remuneração igual para aqueles que viajaram em navios comboiados por navios de guerra, caso semelhante ao dos pracinhas piauienses que fizeram a vigilância da orla marítima carioca.
Dela, se beneficiaram os veteranos Jacob José Pereira, Lucas Gonzaga da Silva e Luís Cardoso. Ao longo de 22 anos eles lutaram para ter seus direitos de ex-combatentes assegurados em lei. Mesmo entre aqueles que não foram à Europa, há os que apresentam sintomas de neuroses, como Luís Cardoso, da Associação dos Ex-Combatentes do Piauí.
Ele embarcou para o Rio de Janeiro em 20 de dezembro de 1944, juntamente com mais 123 companheiros de farda, numa viagem de trem que teria como roteiro Fortaleza (CE), Natal (RN), Recife (PE) e, finalmente, a capital do país, situada no então Estado da Guanabara.
"Seu" Luís Cardoso revela que no embarque das tropas houve desmaios de familiares, muita tensão, uma expectativa de negatividade, o próprio medo que todos sentiam de não mais voltarem. A comoção coletiva deixou os pracinhas sob o impacto do medo.
Mais tarde, sozinhos em terras distantes (mesmo em território nacional), esperando a qualquer momento o bombardeio inimigo, por ar ou mar, muitos não resistiram e caíram em profunda perturbação mental. É o caso do próprio Luís Cardoso, que confessou ter estado, durante muito tempo, sob cuidados médico-psiquiátricos:
- Tínhamos medo de não voltar, víamos o desespero de nossos familiares, a comoção generalizada, prantos, gritos, desmaios. Aquilo alimentou em nosso interior uma espécie de pânico. Foi o suficiente para muitos de nós sofrerem, mais tarde, graves distúrbios psicológicos - revela.
Hoje, "seu" Luís pertence à igreja evangélica "Assembléia de Deus", onde encontram amparo espiritual.
- Pior foram aqueles que estiveram no front, que viram o sangue do inimigo e, não raro, dos próprios companheiros, convivendo lado a lado com a morte - enfatiza.

MORTOS EM COMBATE

Apenas oito soldados piauienses participaram diretamente nos combates na Itália. Dois morreram: Geraldo Elias (São Raimundo Nonato); Manoel Eduardo de Sousa (Jaicós). Este, faleceu enquanto guiava um jeep e passou sobre uma mina inimiga.
Sob o comando do general João Batista Mascarenhas de Moraes, a FEB enviou cinco escalões para o front na Europa. Os piauienses somente seguiram viagem no quinto escalão, já quase no fim da guerra. Nem por isso, deixaram de correr risco de vida. Desde quando saíam de seus lares, para embarcar em transportes militares, podiam a qualquer instante ser alvejados, notadamente em alto mar.
Os quinta-colunas, como eram chamados os espiões nazistas infiltrados principalmente como religiosos, encarregavam-se de transmitir informações aos seus compatriotas nazistas acerca dos embarques e deslocamentos das tropas. No Piauí, foram identificados e presos ou mortos vários espiões a serviço do Exército alemão. Inúmeros navios foram torpedeados na região Nordeste por conta da ação destes agentes inimigos.
A convocação era feita às pressas. O ex-combatente Jônatas Fernandes dos Santos afirma que não havia tempo sequer para oferecer treinamento de combate aos recrutas. Muitos dos que serviram na época não sabiam sequer manusear os fuzis M-X que lhes eram entregues. Para lutar na Itália, os pracinhas brasileiros receberam armamento precário e antiquado que, de imediato, desagradou os militares norte-americanos.
- Os armamentos foram trocados. Até a farda que recebemos no Brasil foi mudada. Era outro tipo de comando. As operações na Europa eram comandadas pelo general Mark Clark.
O fardamento da FEB era inadequado para o rigoroso inverno europeu. Ao desembarcarem em Nápoles, no dia 22 de fevereiro de 1945, os recrutas e oficiais receberam fardas confeccionadas com lã, resistentes ao frio.
No QG de Nápoles, logo que chegaram, os integrantes da FEB foram submetidos a um banho de água morna, porque a temperatura era muito baixa. Quem relata é Vicente Bezerra:
- Quando terminamos de banhar que nos preparamos para vestir a farda, um oficial americano informou que ainda seríamos submetidos a um processo de pulverização. Ficávamos, então, abaixados e eles pulverizavam todo o nosso corpo. Achavam que poderíamos levar algum contágio, pulgas, carrapatos.
Os piauienses ficaram acomodados no Castelo do Conde Cian, genro de Benito Mussolini, dominado pelas forças aliadas e usado como QG. O prédio tinha, conforme relembra "seu" Vicente, "tinha francamente um palmo de rachadura. Mas não caía, porque era muito profunda a cava (baldrame)".
Ao cair da noite, o capitão Mascarenhas, sobrinho do general Mascarenhas de Moraes, comandante da FEB, recebeu a orientação de que deveria, o mais rápido possível, abandonar o prédio com toda a sua companhia, todos devidamente uniformizados e armados, e entrar no primeiro túnel que encontrassem pela frente. Fora identificado um avião de procedência alemã sobrevoando a área.
Seis mil homens começaram a descer em desabalada carreira, atropelando-se nas escadas. Vicente Bezerra decidiu não descer, convidando seu companheiro Antônio Pereira da Silva para fazer o mesmo:
- Com esse tanto de gente descendo, seria impossível chegar lá embaixo antes do ataque. Se tivermos que morrer, nossa vida pertence a Deus. Vamos ficar!
Os dois ficaram observando o avião de asa curta circulando a área do prédio. Momentaneamente, o piloto soltou um "very light".
"Seu" Vicente explica:
- Very light era um tipo de lâmpada muito intensa. Clareou toda a área. Eram aproximadamente 19h30min.
Americanos e brasileiros ligaram os holofotes e iniciaram disparos repetidos contra o aparelho, cujo piloto conseguiu manobrar ainda durante vários minutos, até que finalmente foi abatido, explodiu e caiu no mar.

A BORDO DO GENERAL MEIGS

A viagem de navio entre o Rio de Janeiro e Nápoles, na Itália, demorou 15 dias. Iniciada em 8 de fevereiro de 1945 , somente terminou em no dia 22 de fevereiro de 1945 na costa européia. Diariamente, os combatentes eram submetidos a um exercício para simular o abandono da embarcação em caso de ataque inimigo. O ex-pracinha Vicente Bezerra lembra que a simulação ocorria às 8h pontualmente.
- Era um treinamento da tropa em caso do navio ser bombardeado. Os soldados desciam e pegavam aquelas baleeiras, amarradas ao redor da embarcação maior. Ficávamos do lado de dentro da baleeira, onde haviam também cantil de água doce, para a eventualidade de uma emergência. O sargento dizia "atenção". Nos mantínhamos em posição de sentido para cortar os cabos que prendiam os botes de socorro.
O ex-combatente narra ainda os treinamentos que simulavam o ataque de aviões contra o navio.
- Eram aviões americanos, apenas para que pudéssemos treinar meios de nos defender de um possível ataque inimigo, - relata. - O avião vinha com um balão simulando uma bomba amarrado na traseira e, quando sobrevoava, o oficial mandava os soldados atirarem para acertar o torpedo. Ninguém nunca acertava. Se fosse um ataque real, estaríamos perdidos.
Em Nápoles, os exercícios foram ainda piores. Os aviões soltavam, ao invés de balões, sacos de terra.
- Quando a aeronave passava a gente metia chumbo para tentar conter o ataque. Então, o piloto soltava aquele saco de areia. Muitas vezes, caía no meio da gente. Se fosse de verdade, também não escapava ninguém. No revide, usávamos fuzis M-X. Não dava resultado, só se fosse uma metralhadora antiaérea.

***

O 25º Batalhão de Caçadores foi o palco principal das operações militares em Teresina, juntamente com o QCG da Polícia Militar, à época situado nas imediações da praça Pedro II. A intensa propaganda de guerra comandada pelos Aliados afetou os teresinenses de tal maneira que participar dos combates passou a ser uma questão de honra, principalmente após a criação da FEB (Força Expericionária Brasileira).
Uma realidade, porém, não passou desapercebida aos estudiosos e remanescentes daqueles tempos de empolgação e sentimento cívico: recrutavam-se apenas os filhos dos pobres, ao passo em que eram preservados os rapazes originários das famílias mais abastadas. Recrutas disponíveis para a guerra, no Piauí, portanto, apenas os filhos de estivadores, lavradores, cozinheiras, enfim, dos segmentos que compõem a base da pirâmide social.
- Apenas os pobres que eram convocados - diz D. Maria José, viúva do ex-combatente Jerônimo Aragão. - Quem tivesse uma condiçãozinha melhor era preservado, não ia para a guerra.
Seu esposo está entre os 123 cabos e pracinhas convocados pelo comando da FEB. Apesar de não ter comparecido aos eventos de guerra na Itália, Jerônimo Aragão ficou guarnecendo as praias do litoral carioca, onde eram emergentes os riscos de ataques de submerinos alemães.
Vários navios mercantes brasileiros haviam sido afundados nas próprias águas territoriais do País. De forma que, segundo D. Maria José ou simplesmente "Mazé", "corriam os mesmos riscos".
A afirmação é respaldada pelo depoimento do ex-combatente Jacob José Pereira.De acordo com o septuagenário, existe uma discriminação muito grande em relação aos patriotas piauienses que participaram da 2ª Guerra Mundial.
Essa discriminação explica-se pela total ausência de auto-estima da população do Estado, vez que os ex-combatentes são tratados com desprezo e, quando menos, com deboche. Afinal, qual a razão de tudo isso?
- É simples - explica Jacob. - Quando foram convocados os soldados piauienses para incorporar-se à Força Expediciária Brasileira (FEB) muitos não foram aprovados nos exames da equipe americana.
Prossegue:
- Apenas aqueles que passaram nos testes embarcaram aos campos europeus, enquanto os desaprovados (que não significava total impossibilidade) foram destinados à vigilância das costas marítimas. São os chamados posicionamentos estratégicos.
Dessa forma, ainda segundo "seu" Jacob, estabeleceu-se um tratamento pejorativo aos pracinhas piauienses, onde a premissa principal é de que nenhum deles foi à Itália. Na verdade, 61 participaram direta ou indiretamente da guerra na Europa.
O primeiro grupo, ao qual pertencia o então tenente Antônio de Andrade Poty, lutou na tomada de Monte Castelo. Os demais, integrantes da tropa a que pertencia o pracinha Vicente Bezerra, chegaram a tempo de tomar parte nos combates pela conquista de Montese.
Dois piauienses perderam a vida, muitos ficaram mutilados, entre eles o tenente Poty, hoje general da reserva, e que recebeu medalha por "sangue". Significa ferido em combate.

EX-COMBATENTES ENFRENTAM DESPREZO

Presidente da Associação dos Ex-Combatentes, secção do Piauí, no biênio 1998-99, Luís Ferreira Cardoso, afirma: “Exceto a comunidade militar, o Piauí nada fez por nós. Não temos sequer um lugar decente para nos reunirmos. As lideranças políticas do Estado negam-se a reconhecer a importância que tivemos na luta pela democracia, liberdade, justiça e cidadania. Nos demais Estados da Federação, os ex-combatentes possuem passe livre nos ônibus interestaduais. No Piauí, dispomos apenas da carteira de idoso que nos dá o direito de transitar nos coletivos urbanos de Teresina.”
Oriundo de Itainópolis, o veterano arriscou o ingresso na política. Foi vereador da terra natal entre 1958-62. Logo, porém, desencantou-se e abandonou a vida pública. Para ele, os políticos não passam de “aproveitadores da boa fé alheia”. “Não gostaria de ser comparado com um deles!” – enfatiza.
Antes de juntar-se à FEB, Luís morava em Picos (311 km de Teresina), onde trabalhava como lavrador. Foi, segundo relata, uma decisão pessoal. Apresentou-se ao 25° BC voluntariamente para servir ao País na luta contra a tirania. Enviados para uma terra distante, enfrentaram o rigoroso inverno europeu e combateram, destemidos, o reinado de Adolf Hitler. Recrutados entre os segmentos mais pobres da sociedade, sua participação foi decisiva para a vitória dos Aliados. Dos 123 cabos e pracinhas (entre eles, um 3º sargento e um tenente) recrutados no Piauí, apenas 61 embarcaram para a Itália.
Os demais receberam parecer negativo da junta médica americana sediada no Rio de Janeiro e foram designados à vigilância das praias, onde era sempre iminente o risco de ataques de submarinos alemães.
Depois de atravessar o Oceano Atlântico a bordo do USS General Meigs, os soldados piauienses desembarcaram em Nápoles, a tempo de participar da tomada de Montese. Pertencia, esse grupo, à 10ª Companhia Militar do 25º BC. O embarque se deu às 6 horas de 20 de dezembro de 1944, sendo que chegaram ao Rio em 2 de janeiro de 1945. Só depois, foram à Itália.
O coronel Evilásio Vilanova, comandante da PM, por sua vez, convocou 150 policiais militares para cobrir a área que vai das Ilhas Canárias ao Cajueiro, antigo povoado da Amarração - hoje município de Luiz Correia.
Fazia-se urgente a necessidade de enviar tropas para o litoral piauiense a fim de guarnecer a área contra prováveis ataques nazistas. Explica-se: num prazo de apenas 48 horas, quatro navios brasileiros tinham sido afundados por submarinos germânicos nas costas nordestinas, mais especificamente de Sergipe.
No dia 16 de agosto, o vapor Aníbal Benevolo foi torpedeado e afundado pelo submarino alemão U-507. No dia 17, os vapores Itajiba, Araras e Araraquara foram igualmente torpedeados e afundados pelos alemães na mesma área.
Um submarino alemão havia bombardeado o navio brasileiro "Butiá", cujo casco permanece até os dias atuais nas Canárias. Existia, ainda, a suspeita de que a Ilha do Arame, situada em águas piauienses, estaria sendo usada pelos alemães como base de operações na área.
Inexistiam contingentes no 25° BC para vigiar e proteger o litoral. A saída encontrada por Vilanova foi enviar policiais militares.
Os personagens que tomaram parte nesses eventos de fundamental importância histórica, infelizmente foram transformados, ao longo das últimas cinco décadas, em meros figurantes. Não possuem sequer um local digno para se reunir.
Os encontros ocorreram durante muito tempo numa área do 25º BC que, antigamente, era destinada à estrebaria - onde se guardavam animais das tropas de cavalaria. Mesas, cadeiras, documentos e fotos amarelecidas amontoavam-se no espaço ínfimo de pouco mais de 6m².
Para completar, sua militância na 2ª Guerra é apenas parte da história, aliás, desconhecida pelos mais jovens.
- Num desfile comemorativo ao 7 de Setembro, um grupo de estudantes achou que o distintivo da FEB era algo como tropas de combate à "febre amarela", - diz o septuagenário Jacob José Pereira, um dos 62 que foram destinados à vigilância litorânea nas praias fluminenses.
O presidente da Associação dos Ex-Combatentes, secção do Piauí (biênio 1996-97), Lucas Gonzaga da Silva, observa que é a única entidade que, no Brasil, não possui sede própria. Ele conta que, em 1995, a associação esteve sediada num imóvel custeado por empresários e pertencente ao Grupo Jelta.
O elevado estado de deterioração física do prédio e o fato de ter sido solicitado pelo proprietários, fez com que pedissem ao então comandante do 25º BC, Myra de Morais, um espaço temporário para que guardassem os pertences e pudessem se reunir como de hábito.
Falaram, então, com o governador Francisco Moraes Souza (Mão Santa), que cedeu uma sala no Palácio Pirajá, mas suas dimensões não atendiam às necessidades do grupo. Novo contato com o chefe do Executivo estadual e obtiveram autorização para alugar um imóvel. Infelizmente, há dificuldade para encontrar um local apropriado.

***

O litoral piauiense era bastante visado pelos submarinos alemães. Os estrategistas de Hitler viam na região o local adequado como esconderijo após os ataques às embarcações brasileiras nas costas nordestinas. A infinidade de pequenas ilhas e a entrada do rio Parnaíba eram tidas como favoráveis para a estratégia.
Embora não existam provas documentais acerca da afirmação, as autoridades militares piauienses, na época, assim julgavam, alertadas pelo Alto Comando das Forças Armadas. Para agravar ainda mais o temor das autoridades, um navio supostamente alvejado por submarino alemão foi à pique nas Ilhas Canárias, onde o rio Parnaíba desagua no mar.
Apesar da participação efetiva, policiais militares não tiveram seus direitos reconhecidos pela participação no conflito. Pedro Ferreira Lima (que contava 78 anos na época da entrevista, em 1997) nunca conseguiu o reconhecimento como ex-combatente. Recrutado para operações militares no litoral piauiense por determinação do coronel Evilásio Gonçalves Vilanova, arriscou a vida em virtude do iminente perigo de ataque nazista.
Porém, ao requisitar a pensão equivalente ao soldo de um 2° tenente do Exército conferida aos ex-combatentes, encontra portas fechadas e frias argumentações. Desde 1981 que escuta a mesma ladainha: as autoridades alegam não saber quem determinou sua atuação no patrulhamento do litoral juntamente com outros 149 PM's, sob o comando do coronel Benedito Alves da Luz.
Lima lutava pelo amparo da Lei 5.315, de 12 de setembro de 1967 - instituída em plena vigência do regime militar (1964-85) - e conhecida como “a Lei dos Ex-combatentes”. Institui remuneração igual para aqueles que viajaram em navios de guerra, embora não tenham tomado parte na guerra propriamente dita, e para os pracinhas do Exército que fizeram a vigilância da orla marítima no Rio de Janeiro.
“Os policiais militares guarneciam armamentos e explosivos no litoral e não estão na relação dos ex-combatentes por incompetência dos nossos representantes federais. Afinal, tomamos parte nos conflitos, corremos os riscos de uma guerra, na iminência dos ataques alemães” – protesta.
Foram dias tensos para os 150 policiais militares que foram recrutados pela FEB junto ao QCG da PM. Eles patrulharam o trecho litorâneo que compreende o antigo povoado da Amarração, hoje município de Luís Correia, a cidade de Parnaíba e inúmeras pequenas ilhas existentes na região.
Pedro Lima garante possuir declaração assinada pelas autoridades militares da época de que participou dos eventos de guerra. E tem uma série de histórias sobre o período.
“Muita gente que não conhece a história do Brasil diz que o Piauí não teve participação na 2ª Guerra Mundial. Mas o Estado era um setor estratégico em função do rio Parnaíba, à época navegável e que registrava um fluxo muito grande de embarcações, de Parnaíba a Santa Filomena, no extremo Sul. No período da guerra, as águas do rio eram repletas de embarcações. Não havia nenhum controle sobre a entrada de vapores, balsas e lanchas no Parnaíba, a partir do extremo Norte, onde deságua no Atlântico.”
Prossegue Pedro Lima:
“Nas Ilhas Canárias, situadas no exato local onde o rio deságua no mar, autoridades militares colocaram armadilhas prevendo eventuais deslocamentos de submarinos alemães naquela área. O rio Parnaíba passa por detrás da Ilha de Santa Isabel e vai dar no Atlântico. No auge do conflito, um navio denominado Butiá teria sido posto a pique pelos inimigos. O casco da embarcação permanece ancorado nas Ilhas Canárias até hoje.”
Nos três anos em que o Brasil participou do conflito, a movimentação de tropas da PM no litoral piauiense foi intensa:
“Soldados da Polícia Militar do Piauí e do 25° BC foram transportados para guarnecer o navio no litoral. Nessa época, como policial militar, fui incorporado à 2ª Guerra. Alguns, ficaram vigiando a embarcação; outros, guarneciam a faixa litorânea e também a Ilha do Arame. No início, diariamente, a Capitania dos Portos fornecia uma lancha para que houvesse o deslocamento do pessoal em turnos distintos. Lá, permanecemos três anos, de 1942 a 12 de maio de 1945, quando fomos oficialmente informados do fim da guerra.”

ESPIÕES NAZISTAS NO PIAUÍ

Os PM's conseguiram, inclusive, prender espiões nazistas atuando em pleno território do Piauí:
“Durante nossa permanência no litoral, aconteceram muitas coisas inesperadas. Apareceu por lá um sujeito por nome Schultz Wullpah. Era nazista. Trazia consigo a suástica de Hitler tatuado no pescoço. Então, nós o prendemos e o transportamos para Teresina. Ele vivia anotando nomes de gente, sem nenhuma justificativa plausível. Próximo à Estação Ferroviária, uma multidão aguardava o quinta-coluna, querendo linchar. O então comandante do 25° BC nos chamou e disse que não precisaríamos mais levar nazistas para Teresina. Eu perguntei o que fazer e ele disse que lá mesmo deixássemos.”
Um sacerdote alemão que pregava o Evangelho para a tropa não teve a mesma sorte. Flagrado passando informações por meio de telégrafo para o Exército inimigo, foi imediatamente executado.
“Mais adiante prendemos um padre com radiotelegrafia. Chamava-se Franz Schultz Disseram que não era para trazer e nós deixamos lá. Era um quinta-coluna. Nos pregava evangelho, para todo mundo. O padre era alemão. Foi um negócio meio casual a sua descoberta. Nosso comandante encomendou uns peixes cozidos a um pescador da região. À noite, ordenou que fôssemos buscar a comida. A casa do homem ficava bem distante, mata adentro. Para encurtar distância, pegamos um atalho. Quando entramos, mais à frente, escutei a pancada do manipulador, tipo uma cigarra. Era o sistema de radiotelegrafia funcionando, transmitindo, dizendo a quantidade de gente que guarnecia o litoral do Piauí, Maranhão e Ceará, dando toda informação. Este, nós pegamos, prendemos, apresentamos ao comandante. Lá mesmo ele ficou”, enfatiza Pedro Lima.

JORNADA DE INCERTEZAS

Entre 1941 e 1946 Teresina foi literalmente varrida por uma onda de incêndios na periferia. Os incêndios trouxeram muita dor e desespero para a população. Enquanto preparavam os filhos para a jornada incerta na guerra contra o nazi-fascismo, as famílias pobres da periferia da capital estavam às voltas com atentados constantes contra suas residências. Viviam em verdadeiro assombro, com a possibilidade de uma hora para outra, de ficarem sem os escassos bens acumulados ao longo de uma vida de trabalho e sofrimento.
Alguns apontam razões político-partidárias para os constantes atentados contra a pobreza. Outros atribuem à especulação imobiliária.
“Será que o crescimento da cidade não poderia ter sido motivo para a tentativa de expulsão da pobreza para mais longe?” - questiona Alcides Nascimento no ensaio “Lembranças da Cidade Ardente”, publicado na revista Cadernos de Teresina.
Atrativo de populações de outros municípios, sejam do próprio Piauí ou de Estados vizinhos, a capital contava com enorme concentração urbana. À época, a área central já possuía uma certa infraestrutura: rede escolar pública composta de número significativo de prédios espalhados pelos bairros mais próximos do centro; Liceu Piauiense; possuía uma casa de saúde e estava em curso a construção do Hospital Getúlio Vargas; luz elétrica e sistema de abastecimento d`água.
Reforçavam a infraestrutura teresinense da época o bonde a motor, que fazia linha de 3 km entre a Estação Ferroviária e o Rio Parnaíba, ônibus da M. L. Nogueira fazia trajeto regular pela cidade, além do sistema de telefonia automática. As águas do Parnaíba eram repletas de barcaças a vapor, que tornavam Teresina importante entreposto comercial.
O mesmo não se pode dizer dos bairros periféricos, onde residia a população mais pobre. Não dispunham de ruas calçadas, água encanada, luz elétrica ou escolas. Atendimento médico, só de vez em quando, ainda assim quando os moradores aventuravam-se pelo centro. As habitações eram construídas com palha de côco babaçu, matéria-prima abundante na zona rural.
A cidade tinha aproximadamente 40 mil habitantes, dos quais cerca de 25 mil residiam em precárias condições. Extremamente vulnerável, portanto, estava a maioria da população. Levados praticamente à força para o serviço, a maioria dos pracinhas piauienses que serviu durante a 2ª Guerra tinham uma preocupação a mais: ao retornariam, encontrariam suas residências intactas? E os familiares?
Tratava-se de brutal paradoxo. Enquanto estavam sendo treinados para combater a tirania de Hitler, Mussolini e do Império japonês, eram afrontados em seu próprio território por um perverso processo de “limpeza” e “higienização” urbanística.
O estado mental da cidade era de angústia e inquietação. Para se ter uma idéia, as tensões psicológicas e o estado de pânico quase que permanentes da população fizeram aumentar de modo alarmante o número de pacientes no asilo de alienados. O médico-psiquiatra Clidenor Freitas Santos, então diretor, teve que criar novo ambulatório junto ao hospital para atender às consultas. Na análise do próprio Clidenor, "em decorrência desses incêndios, surgiu problema social da maior gravidade".
A situação chegou a um ponto em que tornaram-se comuns cenas de pessoas retirando os pertences de casa e colocando-os no meio da rua. Não se tinha nenhuma dúvida de que os incêndios eram premeditados. Ocorriam diariamente entre 9h30min e 10h, pegando um horário de bastante sol e calor que, aliado aos produtos químicos lançados sobre as coberturas de palha, tornavam a queimação irreversível.
Para completar, ocorriam em três ou quatro pontos da cidade ao mesmo tempo. Atingiam Vermelha, Porenquanto, Matinha, Buraco da Velha, Piçarra, Poti Velho, Barrinha, Mafuá, Baixa da Égua e Cajueiros.
O pesquisador Antônio Vieira e Nascimento Sales obteve depoimentos que atribuem os incêndios à oposição ao governo de Leônidas Melo.
“Era política em cima do Dr. Leônidas, para desorganizar o governo. Ele, o governador, era incapaz de queimar a casa de um pobre” - proclama.
Registraram-se prejuízos, além de morais e econômicos, de perdas em vidas humanas. Morreram crianças, velhos, enfim, muita gente que ficou sem nada morreu do coração.
Tais e trágicas ocorrências serviram, pelo menos, para reforçar o espírito da solidariedade. Logo que de longe avistavam-se os primeiros sinais de fumaça, os sinos da Igreja de São Benedito começavam a repicar insistentemente. De imediato, os estudantes dos colégios São Francisco de Sales (Diocesano) e das Irmãs tinham suas aulas suspensas e acorriam para os locais a fim de ajudar os moradores das “casas de palhas ardentes”.
As famílias humildes eram vítimas, ainda por cima, de terrorismo psicológico. Antes dos incêndios ocorrerem, chegavam avisos através de bilhetes informando que as casas de determinada rua iriam pegar fogo. Ato contínuo, retiravam os pertences, colocando-os sob as árvores. A Zona Sul foi a mais atingida, em bairros como Piçarra e Vermelha.
Os acontecimentos da época modificaram inteiramente o panorama urbanístico da capital. Após os incêndios, a população não quis mais construir casas de palha.

TORTURA POLICIAL

Diante do pesadelo, a polícia mobilizava-se no sentido de identificar e prender os autores. Foi a mais violenta repressão policial já conhecida na história do Piauí. Mais de 200 pessoas foram investigadas na Delegacia de Segurança e Ordem Pública, das quais 35 foram presas e torturadas.
“Homens do povo, a maioria de semi-analfabetos, viram-se espancados, enterrados vivos num festim diabólico de torturas inimagináveis comandado pessoalmente pelo chefe de polícia e que eram praticadas em locais como Ilhotas, Campo de Aviação, Tabuleta, naquela época totalmente desabitados” - relembrou Wall Ferraz (ex-prefeito já falecido) no livro “45 Anos Depois, Tudo que Li, Vi e Ouvi”.
As torturas aconteciam também no Morro do Uruguai. Após algum tempo de intensa repressão, o comandante Vilanova anunciou a descoberta de bombas incendiárias na residência do político José Cândido Ferraz, mais tarde eleito deputado estadual, que foi preso por causa da acusação. Contudo, o Monsenhor Joaquim Ferreira Chaves, historiador, conta que chegou a visitar Ferraz no Quartel da PM e ser recebido pelo coronel Evilásio Vilanova, que lhe mostrou uma bolas de cera.
“Vi que aquilo não tinha nada a ver com incêndio” – diz Monsenhor Chaves.
O cidadão comum perdera inteiramente a liberdade e os direitos. Além de lhe queimarem a moradia, tiraram-lhe também qualquer resquício de dignidade. Muitos cidadãos foram cruelmente assassinados pela polícia apenas por não saber quem incendiava as casas de Teresina.
De forma alguma se poderia estimular o patriotismo da população para participar de uma guerra num outro continente quando no próprio solo piauiense e brasileiro estava o cidadão encarcerado pela ditadura varguista, no Piauí representada por Leônidas Melo. Os recrutamentos ocorreram quase que à força, diante do comportamento paranóico que acometeu a população moradora da periferia de Teresina.

***

Tornaram-se frequentes as manifestações de estudantes das classes mais abastadas em favor do envio de tropas piauienses para a guerra. Por meio de passeatas e atos públicos nas praças e avenidas, demonstravam fervor patriótico, porém ficava só nisso. Ir para o front era atribuição quase que exclusiva da gente simples da periferia e dos municípios do interior do Estado. Filhos de operários, lavradores, estivadores, serviçais, enfim, rapazes pertencentes às classes sociais inferiores eram os primeiros da relação de convocados.
Não existem sobrenomes tradicionais na relação de convocados para a guerra em Teresina. A nobreza da época foi preservada. Cinquenta praças foram incorporados à Força Expedicionária Brasileira (FEB), na capital, a seguir relacionados:
- João Paulino Torres, Pedro Ferreira de Carvalho, Abdias Caetano da Silva, Antônio da Costa Oliveira, Honório Otaviano da Silva, Raimundo Francisco de Sousa, osmar dos Santos Rocha, Lucas Gonzaga da Silva, Luiz Coimbra da Silva, Augusto Lopes da Silva, Simplício Ferreria Soares, João da Cunha Soares, Vicente Bezerra Lima, Francisco Campo Duarte, Sebastião Saturnino, Vicente Alexandrino de Paula, José Ribamar Assunção, Jacob José Pereira, Antônio Lima da Silva, José Desedério dos Santos, Jônatas Fernandes dos Santos, José Bezerra de Araújo, Francisco de Oliveira Santos, Raimundo Manoel dos Santos, Joaquim Carreiro Mouzinho, Antônio Sebastião de Souza, Valdivino Pereira dos Santos, Honório Pereira do Nascimento, José Alves Brandão, Manoel Nonato dos Santos, Pedro Florindo dos Santos, pedro Constâncio da Silva, Francisco Ferreira de Melo, Raimundo Rezende Cavalcante, Luiz Nonato da Silva, Hermínio Antônio da Silva, Vicente Bernardino da Silva, Moacir Sipaúba da Silva, Luiz da Costa Lima, Pedro Ferreira Lima, Boanerge Dias Carneiro, Raimundo de Castro Lima, Raimundo Barbosa Pinheiro, Enéas Patrício da Silva, Antônio José da Costa, Elias Alves de Lima, Pedro Antunes de Abreu e Werneck de Campo Nobre.

HILDA POLICARPO

Poucos registros encontramos acerca da enfermeira picoense Hilda Policarpo, exceto a citação no livro “Picos, os Verdes Anos 50”, de autoria do pesquisador Renato Duarte. Já falecida, a heróina empresta seu nome a uma das ruas da cidade, homenagem dos seus conterrâneos ao espírito aguerrido e patriota. Atuando na área de saúde, não titubeou ao ser chamada para prestar atendimento aos pracinhas brasileiros no palco da guerra, na Europa, abandonando família, amigos, a terra natal, pela incerteza do retorno.
A personalidade marcante de Hilda Policarpo influencia inúmeros conterrâneos. Para qualquer picoense, quando tema é a participação do Piauí na 2ª Guerra, a primeira lembrança que surge é exatamente a da enfermeira. O caráter extremamente machista da época não permitiu que se registrasse com maior riqueza de detalhes a participação da enfermeira no conflito, porém Renato Duarte resgata em sua obra objetivando exatamente corrigir este erro do passado e homenagear a mulher piauiense, desde antes corajosa, e que finalmente agora, cinco décadas depois, segue o exemplo de Policarpo para interagir diretamente na política, na administração, na ocupação de cargos executivos, deixando de lado progressivamente a performance doméstica, da mulher que vive unicamente para o lar, para o marido e para os filhos. Hilda Policarpo, naqueles tempos de provincianismo, era o que se pode chamar de uma libertadora.

11 comentários:

  1. Parabens!! aprendendo contigo ,muita informaçao boa.

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  2. Que bom saber que a história desses Heróis que fizeram parte da história mundial, parabéns ao meu avô Vicente Bezerra Lima. sinto muito orgulho do meu grande mestre, exemplo de pai e avô. saudades eternas!

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    1. Tenho aqui fotos de seu avô como ex-combatente. Posso enviá-las.

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    2. Me sinto muito orgulhoso de ser neto de um ex combatente senhor Vicente Bezerra lima

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    3. Me sinto muito orgulhoso de ser neto de um ex combatente senhor Vicente Bezerra lima

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    4. agradeço se você poder enviar, memorias ficaram guardadas pra sempre!!! grande teresina.

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    5. Meu email: wansley-lima@hotmail.com

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  3. SINTO-ME HONRRADO EM SER NETO DE WILSON SILVA,QUE SAIU DE TERESINA COMO SOLDADO DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E RETORNOU COMO EX-COMBATENTE;SENDO SEPULTADO NA SUA MORTE COMO TENENTE E NOS SERVINDO DE ORGULHO! ATT. JHONY SILVA!

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  4. Muito me orgulho de ser Neto de Honorio Otaviano da Silva, que faleceu como tenente e com honra Militar.

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  5. Sinto muito orgulho de ser neta de Honório pereira do Nascimento que faleceu como tenente coronel.

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  6. Incrível a matéria!
    Você teria disponível os nomes dos combatentes do município de Campo maior (PI)?

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